sábado, 27 de maio de 2017

Liberdade de ensino X liberdade de pesquisa: e o caso da orientadora processada pela mestranda.


Tanto a liberdade de ensinar quanto a de pesquisar são corolários da chamada "liberdade de cátedra". A liberdade de cátedra compreende tanto a liberdade do professor em conduzir os conteúdos da disciplina segundo uma visão plural das linhas interpretativas (desde que reconhecidas cientificamente) para beneficiar a construção do pensamento crítico e, também, a autonomia científica no campo da pesquisa. E, ainda, a liberdade de divulgação dos resultados obtidos.

A liberdade de cátedra, atualmente denominada liberdade de ensinar e aprender, vem sendo duramente atacada nestes últimos tempos, quando há um avanço de ideologias ultra conservadoras. Fruto disto é a discussão e proposição da lei da "escola sem partido". Que visa controlar os conteúdos ministrados em sala de aula através de um filtro conservador, matando a pluralidade de ideias. A simples proposição de tal dispositivo já fere a liberdade de ensinar. Em decorrência, tivemos o fenômeno de vereadores querendo se transformar em uma espécie de "fiscal de sala de aula". O que eles desejam é justamente implementar aquilo que no discurso dizem combater. Ou seja, manipular os conteúdos escolares e acadêmicos para que expressem os valores de um único partido ou parte da sociedade.

Na marcha desta tentativa de ocupação conservadora dos espaços educacionais  tem ganhado notoriedade o caso da mestranda, ligada a grupos conservadores, que processou a orientadora por conta de questões que surgiram no curso da pesquisa.  Não conhecemos os termos da ação judicial, mas o que tem sido noticiado pela internet é que a orientadora seria uma reconhecida historiadora que trabalha com a abordagem de gênero e a mestranda desejava combater, justamente, a linha de pesquisa da orientadora e, talvez, do núcleo de pesquisas acadêmicas. Como, logicamente, a orientadora não concordou com a linha pretendida pela estudante e a respectiva impossibilidade de sua execução, sobreveio o ajuizamento de processo judicial provavelmente fundado em suposta perseguição ideológica.

A Anpuh - Associação Nacional de História - publicou um manifesto em desagravo à professora. Colocaremos o link para o manifesto da Anpuh ao final desta página.

Neste caso, parece que a falha ocorreu logo de início ao aprovarem o projeto de pesquisa. Se há uma total impropriedade do objeto de pesquisa, não se pode exigir que um professor tenha seu nome vinculado à orientação do projeto. Exceto se o projeto era lacônico quanto às linhas interpretativas ideológicas e de metodologias de pesquisa que desejava seguir. Se foi o caso, da mesma forma deveria não ter sido aprovado. Ou, ainda, se o projeto era fundado em determinadas premissas que, depois, a mestranda desejou modificar, é necessário haver mecanismos para que o orientador possa se desvincular da obrigação de prestar a orientação. O que não pode é o professor ser obrigado a participar da consecução de pesquisa que vá contra o seu trabalho de pesquisas e, até, contra princípios fundadores do centro de pesquisa ou mesmo daquele ramo de saber.

Não seria crível, por exemplo, que numa pós graduação de geografia um orientador fosse obrigado a prestar orientação a um aluno que deseja defender a terra plana ou no curso de biologia um projeto que defenda o criacionismo.

De qualquer forma, toda essa questão pode ser interessante para levantar a discussão sobre os limites entre a liberdade de ensinar do orientador em relação à liberdade de pesquisa do mestrando. O orientador não pode se assenhorar da pesquisa dos estudantes da pós graduação. Muitas vezes ocorre em centros de pesquisa que os mestrandos ou doutorandos acabam necessariamente conduzindo seus projetos como meras linhas secundárias do projeto "maior" do orientador ou do núcleo acadêmico.  O que é muito desestimulante. Isto leva a uma cultura de que o fim da pesquisa é meramente a obtenção do grau de mestre ou doutor e não de realizar a pesquisa propriamente dita. No final, vemos uma enorme quantidade de pesquisadores sem paixão pelo que estão desenvolvendo e um monte de pesquisas concluídas que ficam empoeiradas nos arquivos das universidades.

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