segunda-feira, 16 de setembro de 2013

SEXO PARA VENDER HISTÓRIA



Noutro dia, estava numa das livrarias da cidade tentando identificar novidades literárias no campo da História e ciências afins, quando me deparei, na estante de filosofia, com o título que estava em destaque - "A FILOSOFIA DA ADÚLTERA: ENSAIOS SELVAGENS" - do filósofo Luiz Felipe Pondé. A obra era encadernada por uma capa vermelha tendo uma mulher sensual com ombros desnudos, em um carro, passando um provocante batom vermelho nos lábios. Ou seja, apresentava todos os elementos que compõem o lugar comum do tema: mulher, vermelho, carro, sensualidade e batom.


Realmente, o título e sua capa conseguiram, num primeiro momento chamar a minha atenção. E fiquei curioso para saber, afinal, a que tipo de filosofia se alinhava ou pregava a mulher adúltera. Como sexo e traição é algo que acompanha a humanidade desde suas origens, talvez aderisse à uma antiga filosofia pré socrática? Ou teria por base Aristóteles, que por séculos influenciou diversos ramos do saber? Santo Agostinho e Tomás de Aquino era improvável. Porém, poderia estar relacionado à liberação feminina e, assim, abraçar nomes ilustrados e modernos. Afinal, caramba, qual a filosofia de uma adúltera ?

Quando já me preparava para conferir o preço, em um movimento de realizar a compra da obra, então, lembrei-me que era exatamente este tipo de curiosidade que a estratégia da capa queria atingir. Acertar a curiosidade através de um tema picante como o sexo. E de estratégias de propaganda o autor deve entender bem, pois Pondé é um filósofo midiático, colunista de importantes jornais. Assim, recuei e desisti de levar uma discussão que poderia ou não ser útil. Afinal, não me parece crível que todos que cometem traições sigam uma dada corrente filosófica ! Desta forma, deixei de realizar a compra.

Contudo, naquele momento lembrei de um artigo que havia lido a pouco tempo, mas que não recordava onde nem o autor. O referido artigo defendia a tese que se você quiser escrever algo que tenha apelo para vender bastante deve escrever sobre sexo. E seu argumento para embasar tal teoria era a de que hoje há uma super exposição de sexo no cotidiano. Seja nos programas de televisão, cinema, revistas, internet, nas danças, nas letras das músicas, etc. E isto, como consequência, estaria anestesiando o apetite sexual das pessoas. A super exposição acaba tirando o prazer daquela sensualidade comum do dia-a-dia. E para as pessoas tentarem renovar seu apetite, consomem ainda mais coisas ligadas à temática. Promovendo uma retroalimentação do sistema.

Não faço ideia se a "sacada" do artigo tem apoio científico e acadêmico. Porém, a grande vendagem que "50 tons de cinza" alcançou, recentemente, parece corroborar com o autor do artigo.

Daí que tive o interesse de caminhar até a estante de História, na mesma livraria, e verificar como os historiadores vêm se aproveitando do sexo para vender seu peixe! E não faltavam obras que versavam sobre o tema e que o exploravam muito bem em suas capas. Desde o sexo na pré-história (será que era diferente de hoje em dia, tirando a cama redonda e o espelho no teto?) até as travessuras sexuais de nosso imperador Pedro I (em TITÍLIA E O DEMONÃO). Eis que inclusive a renomada historiadora Mary Del Priori, que escreve com notoriedade sobre história de gênero, aproveitou e sensualizou a capa de "HISTÓRIAS E CONVERSAS DE MULHER", com uma bela mulher de costas se despindo ao desamarrar o espartilho.

Destarte, podemos fazer um exercício imaginativo e sugerir alguns bons temas para os colegas surfarem no sucesso. Que tal monografias como: "As orgias do rei Salomão", "Romanas desejam visigodos", "Cleópatra para os íntimos"e outros. Qual tema você, leitor desta crônica, acrescentaria?

Concluindo, parece que os escritores que tem que guardar uma ligação com a ciência e a academia, terão essa difícil equação de se aproximar do grande mercado e dos leitores leigos, mas sem banalizar a história e outras ciências.






sábado, 7 de setembro de 2013

Palavras da Moda na Academia de História



O PROCESSO, A DINÂMICA, O DIÁLOGO E O CONTEXTO.

Tenho percebido que o uso de certas palavrinhas mágicas ou da moda fazem uma boa diferença na maneira como a Academia e seus mestres enxergam o texto de um graduando.

Se vc disser que - a Coroa portuguesa, por conta da expansão comercial, aparelhou a esquadra comandada por Cabral que veio descobrir ou tomar posse do Brasil - você poderá ser tachado de fazer um texto narrativo e, por isso, receber um grau de avaliação mais baixo. 

Por outro lado, se vc usar o pó de pirlimpimpim das palavrinhas da moda e disser - a Coroa portuguesa, DIALOGANDO com o CONTEXTO comercial expansionista do período, envia para o Atlântico esquadras, como a de Cabral, promovendo a DINÂMICA do descobrimento - aí sim, você fez um texto atual, segundo os ditames problematizantes requeridos pelo moderno pensamento histórico !

No fundo, ambos disseram a mesma coisa. Contudo, as palavrinhas mágicas fazem a diferença.

Essas quatro palavras são as que mais se repetem em todas as aulas e todas as disciplinas de história. Logo, trate de utilizá-las para ficar "por dentro".

Ah ! Rupturas e continuidades tb dão um excelente ibope ! Historiador não diz que um período passou para, mudou para, ou qualquer coisa do gênero; diz que houve uma RUPTURA ! Da mesma forma, não diga que algo permaneceu igual ou semelhante, mas que houve uma CONTINUIDADE !

Contudo, é preciso ter cuidado para que a importância demasiada que se dá a tais palavras não acabem reforçando aquela antiga visão de que a história é mais discurso do que ciência.

Abaixo, Hilário Franco Jr e Jacques Le Goff conversando sobre contextos, dinâmicas, diálogos, processos, rupturas...


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quinta-feira, 5 de setembro de 2013

REVISANDO O DESCOBRIMENTO.



Todos sabemos que é corrente, tanto na escola quanto na universidade, a narrativa do descobrimento do Brasil, ocorrido em 22 de abril de 1500, pela frota capitaneada por Pedro Álvares Cabral, cujo documento principal é a carta do escrivão Pero Vaz de Caminha.

No ambiente da Universidade e, também, entre os professores dos cursos colegiais, que possuem uma visão mais questionadora do tema, faz-se a discussão se o desvio feito pela frota de Cabral não teria sido mero obra do acaso, mas proposital, pois já se saberia da existência daquelas terras tropicais. Se esta hipótese pudesse ser comprovada, a viagem de Cabral não teria sido, como se diz em regra, de descobrimento mas de tomada de posse das novas terras.

Ocorre que, em Portugal, este debate já se torna ultrapassado desde as pesquisas do professor Joaquim Barradas de Carvalho, considerado um dos maiores especialistas mundiais no recorte das grandes navegações. Este notável pesquisador asseverou que a primeira viagem ao Brasil, que se tem notícia formalmente documentada, foi a do navegante, cosmógrafo e embaixador Duarte Pacheco Pereira, em 1498, de quem deveria ser a alcunha de "verdadeiro" descobridor das terras do Novo Mundo.

Ao professor Joaquim Barradas de Carvalho se deve a revisão temática do Descobrimento do Brasil. Era alentejano e graduou-se em História e Filosofia pela Universidade de Lisboa. Adepto da corrente historiográfica da École des Annales, trabalhava no campo da história das ideias e das mentalidades. Era amigo e discípulo de Fernand Braudel. Foi professor na Universidade de São Paulo, no Brasil. Retornou a Portugal definitivamente após a Revolução dos Cravos.

Esta nova versão é apoiada documentalmente, de forma principal, pela obra escrita pelo próprio Duarte Pacheco Pereira denominada "Esmeraldo de situ orbis", que trata da redução a termos do resultado obtido pela expedição que empreendeu em 1498. Como, também, de cartas enviadas por Manuel I, rei de Portugal, aos seus sogros, os reis de Castela e Aragão, onde relatava o achamento das novas terras pela citada expedição.

A pergunta comum que se faz perante esta dicotomia entre o tradicionalmente ensinado em nossas escolas e universidades para a nova narrativa, apresentada por Joaquim Barradas de Carvalho e seguida por diversos outros professores da academia portuguesa, é o motivo pelo qual estas novas informações e fontes não estiveram desde sempre amplamente conhecidas.

A resposta à questão acima reside na natureza secreta da expedição de Duarte Pacheco Pereira. Enquanto a natureza da expedição capitaneada por Cabral era de tomar posse, diante das outras nações, daquela terra, tendo assim caráter público; por outro lado, a expedição de 1498 era de cunho científico e militar, cujos resultados eram considerados  altamente confidenciais pela Coroa portuguesa. Desta forma, toda a documentação produzida, como o Esmeraldo e correspondências, foi mantida guardada sigilosamente em local secreto.O Esmeraldo, por exemplo, só foi encontrado no início do século XX e estudado a fundo mais adiante.

Alguns pesquisadores polemizam a natureza secreta destes documentos. Pois se o objetivo da viagem de Duarte Pacheco Pereira era a de produzir documentos cartográficos e narrativos sobre a geografia das costas encontradas no Atlânico Sul, que seria importante rota para a empresa das Índias, então, tais mapas e narrações produzidas deveriam, ao menos, ter sido remetidas aos comandantes das futuras frotas que iriam realizar aquela rota comercial.

Polêmica a parte, a Academia portuguesa vem tratando como fato, documentalmente comprovado, a viagem ao Brasil pela expedição de Duarte Pacheco Pereira, em 1498.

Atualmente, a questão que se levanta nas salas de aula portuguesas é a mesma que se faz aqui no Brasil em relação à viagem de Cabral. Teria Duarte Pacheco Pereira sido descobridor das costas brasileiras ou, por outro lado, o investimento feito em sua expedição cosmográfica era resultado de relatos anteriores, feito por outros navegadores, de que teriam avistado aquele novo território.

No Brasil, pouquíssimos professores transmitem ou possuem estes dados revisados sobre o chamado descobrimento. Uma das poucas obras nacionais já revisadas e que trazem, ao menos a possibilidade, desta nova versão, trata-se do livro "História do Brasil: Uma Interpretação", dos professores da USP: Adriana Lopez e Carlos Guilherme Mota.

Desta forma, assim como na expansão marítima, a academia portuguesa também sai na frente em relação a esta nova cronologia do descobrimento.