sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

Uma pré-história brasileira ou uma história pré-colonial do Brasil ?



A pré-história brasileira e das Américas é um tema cercado de debates, controvérsias, disputas e polêmicas. Para este resultado, existe um forte ingrediente de dominação política e cultural inserido nas diversas teorias e narrativas que tentam explicar este recorte historiográfico. As narrativas eurocêntricas procuram se impor aos trabalhos de pesquisa realizados pelos pesquisadores locais. Da mesma forma, a academia norte-americana busca influenciar uma visão em que a cultura do norte seja superior às do continente sulamericano. Até mesmo a expressão "pré-história" é criticada por vários pesquisadores locais, quando aplicada ao estudo do período anterior à colonização europeia. Muitos defendem que o mais correto seria a expressão "história pré-colonial". Há, ainda, aqueles que se referem ao período anterior à chegada dos portugueses, nas terras brasileiras, como "história pré-cabralina" e usam o termo "história pré-colombiana" para o restante do continente.


O evento da invenção da escrita foi adotado pela academia como divisor de águas entre os períodos que foram designados como pré-história e história. A primeira forma gráfica que se tem notícia é a escrita cuneiforme dos sumérios, na antiga Mesopotâmia, que surgiu próxima à escrita hieroglífica do Egito. As tábuas de argila contendo a escrita cuneiforme são datadas de, mais ou menos, cinco mil anos atrás. Desta forma, no período que segue de 5 mil anos aos dias atuais temos  os tempos históricos, enquanto o vasto período anterior corresponde à pré-história. Podemos ver uma imagem de placa de argila contendo escrita cuneiforme na imagem ao lado.

Desta forma, para a academia europeia, a partir da escrita cuneiforme, ocorrida na mesopatâmia, todo o período posterior a esse evento seria considerado histórico, ainda que nem em todos os locais a escrita tenha surgido em época próxima à da escrita dos Sumérios. Por exemplo, o historiador britânico Chris Gosden afirma que os povos autóctones da Inglaterra não conheciam a escrita. Que o idioma grafado só chegou naquela parte da Europa quando as legiões romanas dominaram parte da ilha e usavam o latim na redação de seus documentos. Nem por isso. se considerou que a Inglaterra vivia na pré-história nos anos anteriores à chegada dos romanos e posterior à invenção da escrita cuneiforme. Convencionou-se que a partir da escrita cuneiforme o homem - seja de qual lugar fosse da Europa, África e Ásia - teria saído da pré-história e ingressado na história.

Porém, essa mesma regra não foi utilizada em relação às sociedades americanas anteriores à colonização europeia. Para esta região do planeta, a academia usou o termo pré-história para designar todo o período anterior ao ano de 1492, quando Cristóvão Colombo chegou ao continente americano.

Muitos usam o argumento de que a escrita só apareceu na América com os europeus. Na história do Brasil e da literatura brasileira costuma-se fazer referência à carta de Pero Vaz de Caminha como primeiro documento escrito produzido nessas terras. Ora, ainda assim não poderíamos considerar os anos anteriores à colonização como pré-história se seguíssemos a mesma regra que se utilizou para os outros continentes (notadamente a Europa). Porém, é um erro ainda maior afirmar que não existia formas de escrita nas Américas antes da chegada do homem branco europeu. Tanto Maias, Astecas e Incas possuíam formas elaboradas de escrita. Os Maias, por exemplo, possuíam, inclusive, um sofisticado calendário. Da mesma forma os Incas marcavam os eventos num calendário formado por cordas e nós. Atualmente, a partir do trabalho do historiador americanista Gordon Brotherston, sabe-se que povos indígenas brasileiros também possuíam um sistema de registros que não ficava atrás do modelo cuneiforme sumeriano. As pinturas corporais e em objetos cerâmicos, que realizavam, formavam signos com significados e significantes. Ou seja, as pinturas no corpo ou nas cerâmicas não eram aleatórias segundo o senso estético do seu artífice, mas  continham um código gráfico que comunicava ideias.

Desta forma, o mais correto seria não se referir ao período anterior à chega do colonizador português como pré-história brasileira, mas como "história pré-colonial do Brasil".

Diz-se que se consolidou o termo pré-história  para a América anterior aos europeu por conta da visão eurocentrista e preconceituosa daqueles. Visto que por muitos anos os historiadores sequer tiveram interesse no estudo dos povos indígenas, deixando este recorte unicamente para uma jovem ciência criada no século XIX, que foi a antropologia.



Os indígenas americanos atuais e seus antepassados possuem sua origem étnica nos grupos asiáticos orientais, denominados como mongoloides. Basta ver que os traços fisionômicos dos nossos indígenas lembram com muita proximidade os japoneses, vietnamitas, chineses e outros povos asiáticos. Porém, conforme os investimentos em pesquisa aumentaram, notadamente na arqueologia, formaram-se equipes de cientistas nacionais que descobriram diversos sítios arqueológicos no Brasil, com informações importantes e que contrariavam várias teorias vindas da academia europeia. Descobriu-se que antes dos indígenas de origem norte-asiática o território brasileiro foi ocupado por uma população semelhante aos povos africanos ou aos aborígenes australianos (negróides). Esta informação reescreveu a visão sobre a forma como as américas foram ocupadas pelos primeiros homens e as datas referentes a esta ocupação. Matéria que vem gerando intensos debates e rusgas entre pesquisadores brasileiros, norte-americanos e europeus. Um dos fósseis encontrados em sítios arqueológicos brasileiros, apelidado de Luzia, foi estudado e passou por um processo de reconstituição fisionômica que gerou a imagem da figura acima.

As arqueólogas brasileiras Niède Guidon e Maria Beltrão são responsáveis por pesquisas de ponta que vêm redesenhando a história do continente. Conforme a pesquisa avança, novo sítios vão sendo descobertos em diversas partes do país. No sítio da Serra da Capivara, no Piauí, há pinturas rupestres de 12 mil anos e outros artefatos que indicam a presença humana  há mais de 48 mil anos. No sítio do Alexandre, no Rio Grande do Norte, descobriu-se 28 esqueletos datados com 9.400 anos. Na Pedra Pintada (Pará) foram descobertos indícios da presença indígena na Amazônia com mais de 11 mil anos. Na Toca da Esperança (Bahia) houve uma descoberta que tem causado muita polêmica no meio acadêmico, ao encontrar vestígios de caçadores na Chapada Diamantina há cerca de 200 ou 300 mil anos. Em Goiás, no sítios das Araras, existem pinturas e evidências que o local é ocupado há pelo menos 11 mil anos. Em Minas Gerais, nos sítios da Lagoa Santa, muitos esqueletos foram encontrados e datados com 12 mil anos. No sítio da Pedra do Ingá, na Paraíba, há inscrições rupestres ainda sendo estudadas e avaliadas quanto à sua datação.



Um dos temas que sofreu uma direta repercussão de todas essas novas descobertas foi aquele à respeito das rotas de entrada do ser humano nos continentes americanos. Há um consenso entre os pesquisadores de que nossa espécie, o homo sapiens sapiens, surgiu na África por volta de 100 a 200 mil anos atrás e de lá migrou para as outras partes do globo. A primeira teoria sobre a entrada do homo sapiens no continente americano entende que se deu pelo Estreito de Bering, que constitui o local mais próximo entre o continente asiático e a América do Norte, que na última era glacial ficou coberto de gelo e uniu ambos os continentes, podendo ser atravessado a pé pelo homem. Posteriormente, o homem teria cruzado o Istmo do Panamá e chegado à América do Sul. Esta rota pode ser vista representada pelas setas verdes na figura acima. Esta é a visão acadêmica tradicional. 

Porém, a última era glacial teve seu apogeu há 20 mil anos atrás. E como as novas pesquisas de campo têm demonstrado, através das datações fósseis e dos demais vestígios, que o homem já habita o continente por volta de 70 mil anos, novas teorias tiveram que explicar a presença humana nas Américas quando ainda não havia uma ponte de gelo sobre o Estreito de Bering. Surgiu, então, a hipótese da chegada nas Américas pelo Oceano Pacífico. Esta hipótese prevê que o homem pré-histórico já conhecia uma navegação rudimentar, que possibilitou a viagem utilizando as inúmeras ilhas encontradas no Pacífico como escalas entre a Ásia e a América do Sul. Essa hipótese é representada na figura acima pelas setas em cor-de-rosa.

Atualmente, boa parte dos estudiosos entendem que todas essas rotas foram utilizadas pelo homem pré-histórico para chegar no continente americano.

A arqueóloga Maria Beltrão defende que o continente é habitado há muito mais tempo do que supõe estas teorias. Assevera que o homo erectus, que viveu entre 1 milhão a 300 mil anos atrás, já havia colonizado estas terras. Tese muito contestada pelos círculos acadêmicos europeus.

As atuais pesquisas empreendidas no Brasil também estão servindo para desmistificar uma série de outras teorias das academias europeias, que são carregadas de etnocentrismo. Estão sendo derrubadas teses como a "teoria da ocupação tardia dos trópicos", as "teses deterministas geográficas e ecológicas", as teses difusionistas e, ainda, as degeneracionistas. Uma excelente obra que explica todas estas teorias e como elas vêm sendo criticadas e desacreditadas foi escrita pelo historiador italiano Antonello Gerbi, cujo título em português é "O mundo novo: história de uma polêmica 1750-1900".

Para quem deseja se aprofundar mais na pesquisa sobre a pré-história brasileira, há um excelente documentário realizado em vários capítulos e que recebeu o nome de "Arqueologias: em busca dos primeiros brasileiros". Deixaremos os links para os vídeos deste documentário ao final deste texto.

Referências bibliográficas:


  • FUNARI, Pedro Paulo; NOELLI, Francisco Silva. Pré-história do Brasil. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 2015.
  • GERBI, Antonello. O novo mundo: história de uma polêmica 1750 - 1990. 2ª ed. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
  • GOSDEN, Chris. Pré-história. Porto Alegre: L&PM, 2012.
  • NEVES, Walter Alves; PILO, Luis Beethoven. O povo de Luzia: em busca dos primeiros americanos. Rio de Janeiro: Globo, 2008.
  • PAGE, Lake; ADOVASIO, James. Os primeiros americanos. Rio de Janeiro: Record, 2010.
  • VICENTINO, Cláudio; DORIGO, Gianpalolo. História do Brasil. São Paulo: Scipione, 1997.
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Links para o documentário "Arqueologias: em busca dos primeiros brasileiros":

Vídeo 01 - Amazônia:

Vídeo 02 - caçadores coletores:
https://www.youtube.com/watch?v=JdYc7jxJpRk&t=2s

Vídeo 03 - arte:
https://www.youtube.com/watch?v=U3F3rU6pkxo 

Vídeo 04 - engenharia:
https://www.youtube.com/watch?v=SqNOLcfVShU 

Vídeo 05 - os sambaquis:
https://www.youtube.com/watch?v=URNdlEPSyhk 

Vídeo 06 - verão de 1500:
https://www.youtube.com/watch?v=EJF9mgy2VKg 

Amazônia Pré-colonial - Boa Esperança:
https://www.youtube.com/watch?v=Grco2G1lkVg 

Amazônia pré-colonial. Arqueologia e conservação:
https://www.youtube.com/watch?v=sQWGqEkROsQ

História Antiga do Brasil com Eduardo Góes Neves:
https://www.youtube.com/watch?v=v3Tg-z6q97Q 

 




quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

UnB cria disciplina eletiva sobre o golpe de 2016.



"O Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil" é o nome da disciplina eletiva que passa a ser oferecida, neste primeiro semestre de 2018, na grade curricular do curso de graduação em ciências políticas da Universidade de Brasília.

A disciplina visa realizar uma reflexão sobre o contexto do golpe e suas consequências históricas e políticas para o país. O programa prevê um eixo desenvolvido em cinco subtemas, que vão desde o golpe de 1964 até o governo "ilegítimo" de Temer (como aparece descrito na ementa) e a análise do crescimento do parafascismo.


O governo federal, através do ministro Mendonça Filho, já se posicionou informando que irá solicitar à AGU que verifique sobre a legalidade da oferta desta disciplina e, se possível, suspender e retirar a disciplina do currículo. Se a retirada da disciplina ocorrer, fica consubstanciada a censura no meio acadêmico. Abaixo, as palavras do ministro da Educação, conforme veiculadas pela revista Forum:

"Não é possível que no âmbito de uma universidade pública alguém possa aparelhar uma estrutura para defender ideias do PT ou de qualquer outro partido. Estão transformando o curso numa extensão do PT e dos seus aliados", afirmou o ministro.

Por outro lado, o Professor Luis Felipe Miguel, que irá ministrar a disciplina, declarou que " a disciplina se alinha com valores claros, em favor da liberdade.

A UnB emitiu a seguinte nota:

"A proposta de criação de disciplinas é de responsabilidade das unidades acadêmicas, que têm autonomia para propor e aprovar conteúdos, em seus órgãos colegiados".

Irei deixar um link para a Ementa da disciplina, onde traz toda a bibliografia utilizada no curso. É bom para os interessados em história monitorarem os lançamentos recentes que estão sendo utilizados pelas universidades. Futuramente, estas obras constituirão parte do acervo de fontes primárias sobre o contexto histórico atual vivido no país.

Ementa da disciplina "O Golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil":

Matéria da Revista Forum:

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"Disciplina se alinha com valores claros, em favor da liberdade"... - Veja mais em https://noticias.uol.com.br/p


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Nostrático: o idioma falado na idade da pedra.




O linguista dinamarquês Holger Pedersen, no início do século XX (1903), ao estudar línguas antigas, como o grego e o hebraico, percebeu padrões semânticos que apontavam para a existência de uma língua ainda mais pretérita, que havia precedido esses idiomas e que serviu de tronco linguístico comum a eles. Para esta proto língua, anterior ao grego e o hebraico, Pedersen deu o nome de "nostrático".

O fato de diferentes línguas apresentarem um tronco linguístico comum não é uma novidade. Um exemplo deste fenômeno, que não podemos esquecer, é a derivação da língua portuguesa, do espanhol e do italiano de um tronco linguístico comum que foi o latim.

Após esta descoberta de Holger Pedersen, muitos linguistas se debruçaram sobre a pesquisa do nostrático. Atualmente, a Universidade de Cambridge, no Reino Unido, constitui um dos principais centros de estudo deste idioma pré-histórico. Inclusive, no portal virtual da Cambridge há uma plataforma de livre acesso para um dicionário de nostrático. (Deixaremos o link do dicionário ao final deste texto).

A intensa pesquisa acadêmica demonstrou que o nostrático influenciou um conjunto bem maior de idiomas pelo globo. Entre eles, podemos citar: as línguas afro-asiáticas, a dravídica, a elamita, a esquimó, o indo-europeu, o sumério e a urálica.

Atualmente, acredita-se que a fase áurea do nostrático se deu no período mesolítico, que compreendeu às mudanças culturais entre o paleolítico e o neolítico. Neste contexto, o nostrático foi a forma de expressão típica de uma fase de intensas mudanças econômicas e sociais. Os grupos humanos deixavam a economia meramente baseada na caça e na coleta e iniciavam a importante revolução agrícola. O homem deixava uma vida nômade para se fixar numa região (passando ao sedentarismo). A implementação de técnicas agrícolas cada vez mais eficazes levaria à obtenção de um excedente de produção que propiciou um modo de vida totalmente inovador, que foi o urbano.

Esse conjunto de transformações culturais e as possibilidades migratórias levando grupos a se fixarem em regiões cada vez mais distantes acarretou na paulatina transformação do nostrático em diversos outros idiomas. Este é, aliás, um fenômeno muito comum na produção da comunicação falada. Para se ter uma ideia, nos tempos atuais há cerca de 6.909 línguas com falantes no mundo. A maioria destas línguas deriva por volta de apenas 35 troncos linguísticos distintos entre si. Certamente, no período pré-histórico também houve uma grande diversidade de códigos falados além do citado nostrático.

Ocorre que a fala é uma característica essencial do ser humano. O homem possui duas dimensões evolutivas: a biológica e a cultural. Na biológica, como ocorre com todas as demais espécies animais, a configuração anotômico-fisiológica foi se transformando através do processo de seleção natural. Por outro lado, a dimensão cultural é única da espécie humana. Através da cultura o homem produz respostas às exigências do meio através da solução de problemas e não mais do puro instinto. Contudo, o acervo cultural deve ser transmitido de uma geração a outra através da língua e da fala. Neste sentido, muitos pesquisadores asseveram que o ser humano não nasce homem, ele se torna homem. É o convívio social e a transmissão da cultura que humaniza o indivíduo. A língua constitui o código formal institucionalizado e a fala é a mensagem enunciada pelos sujeitos da comunicação.

Diversos estudiosos, notadamente em sede antropológica, aventaram várias hipóteses para explicar o surgimento da fala entre os humanos. Temos a teoria onomatopeica da fala que prevê a origem dela através da imitação de sons, ruídos, gritos, dando-lhes um caráter verbal. A teoria dos gestos sugere que a fala surge da tentativa  de se acompanhar, com a língua, os gestos realizados com o corpo. Há a teoria da evolução da cultura material, preconizando que quanto mais sofisticada se tornou a indústria lítica, mais complexo se tornou o cérebro humano, o que possibilitou o evento da fala. A teoria musical, proposta pelos professor Otto Jespersen, imagina que o homem ao aprender a tirar sons rítmicos dos instrumentos dados pela natureza (pedras, madeiras, etc) passou a cantarolar acompanhando a melodia.

Outra tentativa interessante de se explicar a origem da fala é a "teoria da caça". Nesta concepção, a articulação da fala foi uma necessidade imposta a partir do exercício da caça de animais de grande porte. Caçar animais de grande porte era uma tarefa complicada. O homem possui uma estrutura física frágil perante a maioria dos grandes animais. Por isso, o êxito da caçada estava numa ação conjunta dos indivíduos em torno de uma estratégia comum. Para coordenar essa estratégia no campo de caça foi de importância sine qua non o código sonoro. Pois a comunicação por gestos desviaria a atenção visual que deveria estar focada na presa.

Todas estas teorias possuem muitas críticas. Contudo, todas elas podem concorrer, em parte, para a explicação do nascimento da fala.

Estudos anatômicos realizados em fósseis humanos concluíram que não apenas o homo sapiens sapiens, mas diversos outros gêneros humanos possuíam a capacidade para a fala. Muitos daqueles também produziam uma indústria lítica, possuindo cultura. E sabemos que cultura e linguagem andam associadas uma à outra. Notadamente, o homem de neandertal apresentava uma cultura bem desenvolvida. Seus fósseis são achados conjuntamente com objetos manufaturados. E seus ritos funerários apontam para a presença da religião e de uma cultura mais complexa. Provavelmente houve um ou mais idiomas neandertais. O problema é que estes grupos jamais chegaram ao estágio de invenção da escrita. Somente o homo sapiens sapiens desenvolveu uma codificação gráfica para representar a língua falada. Desta forma, não há qualquer vestígio das supostas línguas faladas por outros hominídios.

Saliente-se que foi o advento da escrita que foi tomado como critério para dividir a passagem do homem pelo globo em pré-história e história.

Finalizando, foram formuladas algumas críticas a respeito do marco da escrita para separar história e pré-história. Uma delas declara que a história desprezou 2 milhões de anos, desde o surgimento do homem, para considerar apenas os últimos 5 mil anos (quando surge a primeira forma escrita na Suméria). Outra crítica, bem inteligente, é aquela que expõe que mesmo após a descoberta da escrita, durante quase toda a antiguidade, idade média e modernidade, apenas uma pequena parte da população mundial dominava a escrita. Assim, a história escrita é uma história preponderantemente elitista.

Dicionário de Nostrático da Universidade de Cambridge:

Referências Bibliográficas:

BASTOS, Cleverson Leite; CANDIOTTO, Kleber. Filosofia da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2007.

BERWANGER, Ana Regina; FRANKLIN LEAL, João Eurípedes. Noções de Paleografia e Diplomática. 4ªed. Santa Maria: Ed. da UFSM, 1012.

DUBOIS, Jean (et al). Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 1995.

LEHMANN, Winfred. Introducción a la linguistica histórica. Madrid: Editorial Gredos, 1969.

MONTAGU, Ashley. Introdução à Antropologia. 2ªed. São Paulo: Cultrix, 1977.

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sábado, 17 de fevereiro de 2018

Pré-história e seleção natural: a evolução física do ser humano em 2 milhões de anos.






Os achados fósseis submetidos aos métodos de datação do carbono 14 e do argônio 40 apontam que a espécie humana surgiu na face do planeta há, mais ou menos, dois milhões de anos. Desde os primeiros hominídios paleantrópicos até o homo sapiens sapiens houve um série de transformações físicas e orgânicas guiadas pela seleção natural das mutações mais positivas para a melhor adaptação ao meio. 

O processo de hominização (formação do homem) se deu no continente africano ainda coberto por extensa cobertura florestal. Neste período, aquelas primeiras espécies próximas ao homem viviam nas árvores e tinham alimentação basicamente vegetariana e de insetos. Porém, durante o Plioceno as florestas africanas se transformaram nas savanas, gerando uma nova pressão adaptativa. Na savana a disponibilidade de alimento vegetal é muito menor e, assim, quem não se adaptasse a uma nova dieta proteica, conseguida através da atividade de caça, tenderia a desaparecer. Nós estamos aqui justamente por conta daqueles primeiros homens terem conseguido realizar esta transição na dieta. Aliás, a versatilidade alimentar do ser humano é um dos fatores que o levou a dominar todo o globo. Nosso sistema digestório pode digerir uma boa variedade vegetal, insetos (na China há espetinhos de escorpião e gafanhotos vendidos nas feiras), peixes, aves, anfíbios, répteis e mamíferos.

A dieta rica em proteínas foi uma das causas do aumento do volume do cérebro humano. Enquanto o volume cerebral dos australopitecus era de 600c.c. o do homem moderno é de 1350c.c. A maior capacidade cerebral levou o homem para um novo paradigma adaptativo, que foi a dimensão da produção de cultura. Neste momento, o homem deixa de se guiar puramente pelos instintos e passa a ser um solucionador de problemas.

Contudo, para que o homem se tornasse um caçador foi necessária uma adaptação na postura física. Para que ganhasse um melhor campo de visão sobre suas presas, a elevação do corpo para a postura ereta foi de suma importância. Não apenas a visão é beneficiada pela postura ereta, como os braços ficam liberados durante a caminhada ou a corrida para manusearem artefatos de ataque (lanças, arcos e flechas, boleadeiras, etc). 

Ao adotar o andar bípede, na posição ereta, outras modificações ocorreram gradativamente com a nossa engenharia corporal. Uma delas foi o aumento da musculatura da região glútea. O quadril ficou no centro de gravidade do corpo ereto, tendo sua musculatura uma importante função na manutenção postural.

Hoje em dia as mulheres dão muito valor a esta musculatura glútea fazendo uma série de exercícios em academias para torná-la mais volumosa e sem estrias. Talvez, seja o resultado de uma pressão adaptativa de milhões de anos ainda atuando no inconsciente humano.

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terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Crítica e subserviência no carnaval carioca: Paraíso do Tuiuti e Unidos da Tijuca pontuam os dois lados da política nacional.



A simpática escola de samba do tradicional bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, ousou realizar, talvez, o maior enredo de crítica política de todos os tempos no carnaval carioca. Contou a história, na avenida, do golpe de Estado ocorrido em 2016, quando a presidente Dilma foi  impedida sem a adequada configuração de crime de responsabilidade fiscal. 

Trouxe um destaque representando como vampiro o presidente ainda em exercício. Algo de um ineditismo fantástico. A cereja no bolo é que o rapaz que representou o presidente-vampiro trata-se de um professor de história.

A ala dos "manifestantes-patos-fantoches-camisa-de-seleção" simboliza aquele mar de gente de pouquíssimo bom senso, com baixíssima leitura da conjuntura, que não acompanha profundamente a política e sem conhecimento histórico que se deixa manipular e passa a reverberar, como papagaios, ideias que são contrárias aos seus próprios interesses.

O mais fantástico foi o fato da escola conseguir que um dos principais meios de comunicação a serviço dos interesses dominantes realizasse a transmissão nacional e internacional desta narrativa que é diariamente abafada por estes mesmos veículos.

O resultado foi que o samba funcionou e a escola levantou a Marquês de Sapucaí.  Isto, no entanto, não é garantia de que a escola consiga retornar no desfile do sábado das campeãs. As escolas menos famosas têm extrema dificuldade em receber notas adequadas com o desfile que realizam. Algo que me chama a atenção são as notas da bateria. Quando escolas famosas quase sempre recebem a nota dez, efusivamente proclamada pelo Jorge Perlingeiro, e as escolas menores recebem notas mais baixas. Como se o sambista da mangueira ou de Vila Isabel soubesse tocar o tamborim melhor que os de outras praças.

Para piorar, o ingrediente político poderá se voltar contra a escola e sua diretoria. Não consigo deixar de pensar nos diretores dessa escola como possíveis alvos como foram os reitores das universidades públicas.



Por outro lado, tivemos o carnaval promovido pela Unidos da Tijuca. Uma escola que já pode-se considerar entre as mais fortes da cidade, tendo em vista que já conseguiu o título de campeã em passado recente. 

A Tijuca optou por uma fórmula mais fácil, que é a de bajular aqueles mesmos meios de comunicação através de uma homenagem do enredo a um de seus diretores. 

Em época eleitoral de tanta efervescência política, escolher este tema parece uma estratégia pouco corajosa. Ainda que se desejasse realizar uma homenagem a alguém das artes, houve várias personalidades importantes que faleceram em 2017 que acredito mais interessantes para se transformar em enredo. Uma delas foi a inesquecível Eva Todor. No meio musical tivemos o passamento de Luiz Melodia, Almir Guineto e do Belchior. 

Na quarta-feira de cinzas iremos saber o que valeu mais: se a crítica social e política ou a simples bajulação.

A Tijuca poderá até ser novamente campeã do carnaval carioca, mas a Paraíso do Tuiutí já entrou para história !!!

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