Temos ouvido muito de setores políticos conservadores e de algumas lideranças religiosas com discursos histriônicos que existe um complô contra o arranjo da família tradicional. Dizem que os comunistas querem acabar com a família tradicional. Que as feministas querem acabar com a família tradicional. Que o movimento lgbt deseja acabar com a família tradicional. E assim por diante, havendo a eleição de diversos inimigos daquele modelo familiar julgado, por eles, como ideal.
Ocorre que a sociedade não é estática. As relações humanas são dinâmicas e em consequência os diversos institutos sociais vão sofrendo alterações com o passar do devir histórico. No caso da família, existe um multiplicidade de fatores que interferiram na sua configuração.
O que estes setores mais conservadores esquecem de salientar é que a própria evolução capitalista e do respectivo mercado constituíram forças determinantes para alterar os arranjos familiares.
Muitos jovens que falam atualmente em "família tradicional" se remetem apenas ao núcleo formado por pai, mãe e filhos. Tendo em vista algum tempo atrás, esta noção era mais abrangente e compreendia também os avós, tios e primos. Principalmente, nas primeiras décadas do século passado quando ainda não havia se super intensificado o processo de urbanização. Era comum nas zonas rurais e mesmo em cidades grandes famílias vivendo juntas em casarões e todos trabalhando conjuntamente as terras e negócios da família.
No final da década de 60 e no correr da década de 70 ainda podíamos ver esse antigo arranjo familiar em alguns filmes e programas de televisão. Um dos exemplos clássicos da TV foi o seriado "The Waltons" ou "A Família Walton", que passava nas tardes de sábado. Provavelmente, quem tem menos de 40 anos nunca ouviu falar desta série. Mostrava a rotina de um destes grande núcleos familiares em que todos viviam juntos num casarão e trabalhavam na terra e na serraria da família. Trata-se da foto que postamos no início deste texto. Embora, nesta época da exibição da série era intensa a modificação da configuração familiar. O fenômeno da urbanização entrava em grande aceleração. E era interessante ao mercado e ao capital industrial que os núcleos familiares se dividissem para aquecer a construção civil, a indústria automotiva e de eletrodomésticos.
Quando passava este seriado, eu ainda era criança pequena e ficava maravilhado com aquela família em que todo mundo morava junto, com a casa sempre cheia. E moravam numa casa, com animais e plantas. Eu, por outro lado, fui filho da moderna configuração familiar, somente com os pais e filho morando num apartamento. Para ver os avós só quando estes ou nós viajávamos para o encontro, pois estávamos em cidades diferentes. E a casa cheia de gente somente em datas especiais, quase que somente na ceia de natal.
Esta fragmentação era vista com bons olhos pelo mercado. E passou a ser comum em programas e propagandas se incutir que o ideal de vida de um homem era ter sua esposa e filhos, sua casa própria e seu automóvel. O automóvel era importante como símbolo de respeito e liberdade. Hoje, se o casal ainda vive junto, cada membro da família (pai, mãe e filhos) tem seu carro. Cada pequeno núcleo familiar ter sua casa era um grande negócio para fomentar a construção civil. Nem que morassem em pequenas casas ou apartamentos. E cada um ter sua casa também significava multiplicar o número de vendas de geladeiras, televisores, rádios, máquinas de lavar, etc.
A família Walton consumia bem menos. Eles tinham um carro de passeio que atendia a todos da casa para quando iam ao centro comercial. Tinham também uma caminhonete para atender às necessidades da fazenda e da serraria. Tinham uma geladeira, um rádio, um fogão,..., que atendia às necessidades de todos.
E pensar que antigamente quando tínhamos uma linha telefônica fixa era mais que necessário para atender a todos na casa. Agora, cada qual tem que ter seu próprio telefone celular para não se sentir imensamente infeliz. As operadoras de telefonia agradecem.
A grande reunião familiar, como em the Waltons, também servia às questões de solidariedade geracional. Os familiares adultos e jovens trabalhavam e ajudavam a sustentar as crianças. Quando as crianças cresciam trabalhavam na propriedade e ajudavam a sustentar e a cuidar dos idosos que já não tinham condições de contribuir. Isto gerava uma vida mais tranquila para todos os membros da família. Hoje, com todos vivendo separadamente, percebe-se a necessidade doentia de se ganhar cada vez mais dinheiro para tentar assegurar uma reserva para uma a velhice que não saberemos em que condições se dará. Só sabemos que a tendência atual é dos velhos ficarem sozinhos. Mas este medo é bom para motivar as pessoas a trabalharem cada vez mais.
Contudo, como disse, o seriado dos Waltons foi apresentado neste tempo de aceleração das mudanças. E durante a década em que foi exibido a família fictícia passou pela mesma transformação da sociedade. Eles eram inicialmente uma família do interior do estado da Virgínia. O grande argumento da vida de cooperação conjunta é que se passava durante o tempo da grande depressão nos EUA. Depois, veio a guerra e os filhos maiores de alistaram. O filho mais velho, que era o protagonista entrou para a universidade, se formou jornalista e foi para Nova Iorque. Depois, os demais filhos e filhas foram se casando e constituindo seus núcleos. Deixando no público o olhar saudosista de um passado mas a certeza e a resignação de que o imperativo dos novos tempos não podiam ser freados.
Na minha família há um caso singular sobre a força do mercado sobre as mentalidades. Uma das minhas tias tem duas filhas. Ambas casaram e foram morar com os maridos em apartamentos. Uma delas teve um casal de filhos e depois se separou. A outra filha não teve filhos e nem terá mais pela idade e nem deseja adotar. Minha tia hoje com mais de 80 anos mora sozinha Os três (tia e duas filhas) moram separadas mas no mesmo bairro. Todos tinham plenas condições de estar morando juntos na antiga casa que era de minha tia. Porém, nenhum deles quer perder sua "liberdade ou independência".
Porém, em alguns países da Europa há um movimento contrário. Li notícia que grupos de idosos da mesma família ou de amigos têm se reunido para morar todos juntos e restabelecer vínculos mais próximos de convivência e solidariedade.
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Ocorre que a sociedade não é estática. As relações humanas são dinâmicas e em consequência os diversos institutos sociais vão sofrendo alterações com o passar do devir histórico. No caso da família, existe um multiplicidade de fatores que interferiram na sua configuração.
O que estes setores mais conservadores esquecem de salientar é que a própria evolução capitalista e do respectivo mercado constituíram forças determinantes para alterar os arranjos familiares.
Muitos jovens que falam atualmente em "família tradicional" se remetem apenas ao núcleo formado por pai, mãe e filhos. Tendo em vista algum tempo atrás, esta noção era mais abrangente e compreendia também os avós, tios e primos. Principalmente, nas primeiras décadas do século passado quando ainda não havia se super intensificado o processo de urbanização. Era comum nas zonas rurais e mesmo em cidades grandes famílias vivendo juntas em casarões e todos trabalhando conjuntamente as terras e negócios da família.
No final da década de 60 e no correr da década de 70 ainda podíamos ver esse antigo arranjo familiar em alguns filmes e programas de televisão. Um dos exemplos clássicos da TV foi o seriado "The Waltons" ou "A Família Walton", que passava nas tardes de sábado. Provavelmente, quem tem menos de 40 anos nunca ouviu falar desta série. Mostrava a rotina de um destes grande núcleos familiares em que todos viviam juntos num casarão e trabalhavam na terra e na serraria da família. Trata-se da foto que postamos no início deste texto. Embora, nesta época da exibição da série era intensa a modificação da configuração familiar. O fenômeno da urbanização entrava em grande aceleração. E era interessante ao mercado e ao capital industrial que os núcleos familiares se dividissem para aquecer a construção civil, a indústria automotiva e de eletrodomésticos.
Quando passava este seriado, eu ainda era criança pequena e ficava maravilhado com aquela família em que todo mundo morava junto, com a casa sempre cheia. E moravam numa casa, com animais e plantas. Eu, por outro lado, fui filho da moderna configuração familiar, somente com os pais e filho morando num apartamento. Para ver os avós só quando estes ou nós viajávamos para o encontro, pois estávamos em cidades diferentes. E a casa cheia de gente somente em datas especiais, quase que somente na ceia de natal.
Esta fragmentação era vista com bons olhos pelo mercado. E passou a ser comum em programas e propagandas se incutir que o ideal de vida de um homem era ter sua esposa e filhos, sua casa própria e seu automóvel. O automóvel era importante como símbolo de respeito e liberdade. Hoje, se o casal ainda vive junto, cada membro da família (pai, mãe e filhos) tem seu carro. Cada pequeno núcleo familiar ter sua casa era um grande negócio para fomentar a construção civil. Nem que morassem em pequenas casas ou apartamentos. E cada um ter sua casa também significava multiplicar o número de vendas de geladeiras, televisores, rádios, máquinas de lavar, etc.
A família Walton consumia bem menos. Eles tinham um carro de passeio que atendia a todos da casa para quando iam ao centro comercial. Tinham também uma caminhonete para atender às necessidades da fazenda e da serraria. Tinham uma geladeira, um rádio, um fogão,..., que atendia às necessidades de todos.
E pensar que antigamente quando tínhamos uma linha telefônica fixa era mais que necessário para atender a todos na casa. Agora, cada qual tem que ter seu próprio telefone celular para não se sentir imensamente infeliz. As operadoras de telefonia agradecem.
A grande reunião familiar, como em the Waltons, também servia às questões de solidariedade geracional. Os familiares adultos e jovens trabalhavam e ajudavam a sustentar as crianças. Quando as crianças cresciam trabalhavam na propriedade e ajudavam a sustentar e a cuidar dos idosos que já não tinham condições de contribuir. Isto gerava uma vida mais tranquila para todos os membros da família. Hoje, com todos vivendo separadamente, percebe-se a necessidade doentia de se ganhar cada vez mais dinheiro para tentar assegurar uma reserva para uma a velhice que não saberemos em que condições se dará. Só sabemos que a tendência atual é dos velhos ficarem sozinhos. Mas este medo é bom para motivar as pessoas a trabalharem cada vez mais.
Contudo, como disse, o seriado dos Waltons foi apresentado neste tempo de aceleração das mudanças. E durante a década em que foi exibido a família fictícia passou pela mesma transformação da sociedade. Eles eram inicialmente uma família do interior do estado da Virgínia. O grande argumento da vida de cooperação conjunta é que se passava durante o tempo da grande depressão nos EUA. Depois, veio a guerra e os filhos maiores de alistaram. O filho mais velho, que era o protagonista entrou para a universidade, se formou jornalista e foi para Nova Iorque. Depois, os demais filhos e filhas foram se casando e constituindo seus núcleos. Deixando no público o olhar saudosista de um passado mas a certeza e a resignação de que o imperativo dos novos tempos não podiam ser freados.
Na minha família há um caso singular sobre a força do mercado sobre as mentalidades. Uma das minhas tias tem duas filhas. Ambas casaram e foram morar com os maridos em apartamentos. Uma delas teve um casal de filhos e depois se separou. A outra filha não teve filhos e nem terá mais pela idade e nem deseja adotar. Minha tia hoje com mais de 80 anos mora sozinha Os três (tia e duas filhas) moram separadas mas no mesmo bairro. Todos tinham plenas condições de estar morando juntos na antiga casa que era de minha tia. Porém, nenhum deles quer perder sua "liberdade ou independência".
Porém, em alguns países da Europa há um movimento contrário. Li notícia que grupos de idosos da mesma família ou de amigos têm se reunido para morar todos juntos e restabelecer vínculos mais próximos de convivência e solidariedade.
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