terça-feira, 11 de julho de 2017

Um paradigma cervejeiro para a história. A cerveja como motor da revolução agrícola neolítica.


A humanidade conheceu, até nossos dias, três revoluções agrícolas: a revolução agrícola inglesa (século XVIII), a revolução agrícola da baixa idade média (século XI) e, a mais antiga, a revolução agrícola do neolítico (9 a 12 mil anos atrás).

A revolução agrícola inglesa ocorreu como consequência da revolução industrial. O capitalismo industrial desejava impor a lógica da otimização dos lucros tanto na cidade quanto nos campos. A necessidade de liberação de mão de obra para as fábricas levou a uma série de medidas, cuja principal foi o "cercamento dos campos" (Enclosure Acts). As terras que eram de uso comum dos camponeses passaram para as mãos de grandes proprietários. Os camponeses, incapacitados de tirar o sustento da terra, se dirigiram para as cidades onde formaram a classe operária britânica, passando a trabalhadores assalariados. Na agricultura, substituíram o sistema de produção agrícola extensivo pelo intensivo, implementaram a rotatividade das culturas e o uso da mecanização, para produzir as grandes quantidades de algodão demandadas pelas indústrias têxteis.

No período medieval, por volta do século XI, o aumento populacional já havia provocado mudanças nas técnicas agrícolas que foram reconhecidas como outra revolução agrícola. Uma das principais inovações do período foi a criação do arado.

Certamente, a revolução agrícola que mais alterou a sociedade foi aquela ocorrida no neolítico (idade da pedra polida), entre 12 mil e 9 mil anos atrás. Nesta houve o nascimento da agricultura. Foi quando o homem entendeu os processos naturais de reprodução das espécies vegetais, cujo enterramento das sementes (semeadura) e sua irrigação geravam novas plantas que dariam frutos a serem colhidos futuramente. Com isto, as sociedades poderiam melhor programar os seus recursos alimentícios. A consequência foi da humanidade passar do estágio nômade para o sedentário. Antes da agricultura as tribos precisavam estar em constante movimento, mudando de área conforme a escassez e oferta de alimento. Era a época em que se sobrevivia exclusivamente da coleta de vegetais comestíveis direto da natureza e da caça. Com o domínio da agricultura o homem pôde se fixar permanentemente numa região. O comércio também foi um herdeiro da revolução agrícola, pois passou a haver trocas dos excedentes de produção entre as tribos. A vida urbana, a criação das cidades, foi outra consequência do excedente da produção agrícola. Uma parcela das pessoas podia se dedicar a outras atividades não associadas à obtenção de alimentos. Mas, literalmente, nem tudo eram flores em relação ao surgimento da agricultura. O biólogo e biogeógrafo americano Jared Mason Diamond alerta para as consequências negativas deste processo. Além de ser responsável por desastres naturais como o desmatamento e a superpopulação, ainda influenciou na formação das diferenças em classes sociais e nos conflitos militares. A arqueologia aponta que as primeiras atividades agrícolas ocorreram há cerca de 12 mil anos em Jericó e, depois, seja por difusão ou por desenvolvimento independente e autônomo se espalhou por outras áreas do globo: China (7 mil anos), Europa (6.500 anos), África (5 mil anos) e nas Américas (4.500 anos).

A principal pergunta feita por uma gama de pesquisadores das diferentes áreas é sobre qual teria sido o motivo indutor para o surgimento e consolidação da agricultura. Quais os motivos que levaram o homem à prática agrícola?

A resposta tradicional à esta questão está baseada na crença de que o ser humano entendeu que a agricultura ensejava o planejamento de suas vidas através das colheitas e da estocagem dos víveres obtidos. Desta forma, o homem reduzia os riscos e os medos em relação ao futuro, podendo administrar a natureza segundo sua capacidade intelectual. Assim, a partir do momento que o homem entendeu como funciona a biologia vegetal reprodutiva teria imediatamente iniciado a empresa agrícola. Contudo, há pesquisadores e alguns indícios arqueológicos que vão em sentido contrário. De que a descoberta do processo biológico da plantação não foi forte o suficiente para que o homem se lançasse à tarefa de cultivar os campos, que era necessário a existência de uma forte demanda para que isto ocorresse.

Neste sentido, o livro "Min Europeiska Famiji" (ainda não lançado no Brasil), da escritora e jornalista científica sueca Karin Bojs, defende que a produção de bebidas alcoólicas  teria sido o elemento motivador para que as sociedades se lançassem ao árduo trabalho de cultivo. Entende que mesmo compreendendo o processo natural de crescimento das espécies vegetais, o trabalho de cultivo é muito penoso e que necessita de muitos anos para o domínio de suas técnicas. Por isso, apenas entender que as sementes originariam novas plantas era pouco para que o homem encontrasse motivação para a agricultura. Além do que, as tribos não eram super populosas e que o sistema de coleta na natureza e da caça eram suficientes para suprir a sua pouco sofisticada culinária. Suas conclusões são baseadas em dados acumulados por diferentes linhas de pesquisas arqueológicas, desde a clássica até às inovações recentemente introduzidas por cientistas como Svante Pääbo, que é diretor do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária em Leipzig (Alemanha).

Alguns indícios que dão suporte a esta teoria são os de uso da cerveja em cultos religiosos pré-históricos. Por exemplo, arqueólogos alemães trabalhando no leste da Turquia, no sítio de Gobekli Tepe, fizeram achados de taças e grandes baldes onde encontraram enzimas próprias da fabricação de cerveja. Acreditam que naquele local havia um culto para onde se dirigiam pessoas de uma vasta área para se reunir e celebrar. A cerveja era parte do ritual e dos festejos. Aliás, pode-se dizer que mesmo em sociedades atuais (primitivas ou não) vemos o uso de bebidas alcoólicas como parte dos ritos. Muitas vezes, o álcool ou outra substância entorpecente serve a propósitos de induzir o transe místico nos adeptos. No que tange aos tempos neolíticos, os grãos de cevada e centeio já eram coletados e faziam parte da dieta das populações. Contudo, para a produção regular da cerveja era necessária uma quantidade que estava além da capacidade da simples atividade coletora. Este, foi, portanto, o elemento motivador para o início da agricultura.

A corrente científica em que se baseia a jornalista Karin Bojs defende a teoria do migracionismo. Ou seja, que a agricultura se espalhou não de forma independente e autônoma, ao menos na Europa, mas  por conta da migração de grupos de indivíduos que já a praticavam na região atualmente conhecida como a Síria.

Sobre a cerveja, propriamente dita, a arqueologia aponta que sua invenção se deu na Suméria (atual Iraque), que ficava na antiga Mesopotâmia. Que as pessoas que faziam a colheita (ou coleta segundo a teoria de Karin Jobs) das sementes de cevada as armazenavam em vasos. Durante a noite a chuva se infiltrava nos vasos e o contato da água com as sementes provocava a fermentação e produção do líquido de cor dourado característico. Alguém resolveu experimentar e o sabor foi aprovado. Nascia, assim, a cerveja, que inicialmente recebeu o nome de "cerevisia" em homenagem à deusa Ceres (deusa das plantas). Um longo caminho de experimentações, como a introdução do lúpulo nos mosteiros medievais, deram à cerveja o sabor que conhecemos atualmente. Quem estiver na cidade de Petrópolis, poderá conhecer essa história de forma bem didática e com recursos visuais no museu da Cervejaria Bohêmia. 

Concluindo, atualmente os historiadores não colocam a invenção da agricultura como uma imediata e completa ruptura com a atividade de coleta. As duas atividades conviveram de forma paralela por muito tempo. Inclusive, na fase inicial, a agricultura consistia em método apenas complementar na alimentação da sociedade.

Abaixo, iremos deixar links para vídeos e entrevistas com os pesquisadores citados neste artigo:

Vídeo com a palestra traduzida "Sociedade em Colapso" do biólogo evolucionista Jared Diamond:
https://www.youtube.com/watch?v=szkKzVM93cQ 

Entrevista no jornal El País com a jornalista científica Karin Bojs:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/04/10/ciencia/1491844482_674868.html 

Entrevista feita pela FAPESP com o biólogo Svante Pääbo:
http://revistapesquisa.fapesp.br/2001/05/01/nos-e-os-macacos/ 

Participe do grupo "prophisto" de História Geral & Brasil no facebook:
https://www.facebook.com/groups/prophisto/ 






Nenhum comentário:

Postar um comentário