quarta-feira, 26 de julho de 2017

O Tribunal da Inquisição: a impossibilidade de se constituir uma defesa para as mulheres acusadas de bruxaria.


A Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício foi uma instituição julgadora criada pela Igreja Católica, com base nos cânones da instituição, que tinha a função de processar, julgar e executar aquelas pessoas cujos atos foram avaliados como heresias por se desviarem dos ensinamentos da igreja. A Inquisição teve seu início na baixa idade média, nos séculos XIII e XIV, e se estendeu pela idade moderna até o século XIX.  Com a divisão da cristandade, após a reforma protestante de Lutero (séc. XVI), tais julgamentos também ocorreram em comunidades protestantes. Um exemplo pode ser visto na obra cinematográfica "As Bruxas de Salém", que narra um caso verídico ocorrido em Massachusetts, no ano de 1692.

Alguns julgamentos famosos empreendidos pela Inquisição correram na Itália e envolveram figuras famosas do meio científico. Os casos mais conhecidos são os dos cientistas Galileu Galilei e Giordano Bruno. Porém, a grande maioria dos processos foram movidos contra mulheres. Estima-se que, na maior parte da Europa, 75% dos processos acusavam mulheres da prática de bruxaria. Em alguns locais, como na Bélgica, chegou a 90%. Calcula-se que mais de 100 mil mulheres morreram pela aplicação da pena de morte na fogueira.

A cultura patriarcal cristã, consolidada no decorrer medieval, influenciou diretamente nesta perseguição que a Inquisição promoveu contra as mulheres. Elas desde eras remotas estavam envolvidas com a produção e difusão de conhecimentos sobre plantas medicinais e outros fatos da natureza. Elas também dominavam as técnicas de ajudar as grávidas no momento de dar à luz (parteiras). Além de técnicas sobre o cultivo das plantas. Acabaram constituindo um grupo de saber concorrente às universidades fundadas pela Igreja ainda na Idade Média e que se consolidavam no início do período moderno. Desta forma, a inquisição teve a função de retrair o gênero feminino destas áreas de conhecimento,  se voltando apenas para os afazeres domésticos.

O tipo de processo que corria nestes tribunais seguia o modelo do sistema inquisitorial. Neste modelo, o juiz não observa uma posição imparcial perante a defesa e a acusação. Ao contrário, o juiz é parte ativamente envolvida na produção de provas contra os acusados. Ele, inclusive, se valia de métodos de tortura para conseguir extrair a confissão dos réus, considerada a rainha das provas. Atualmente, com o desenvolvimento das ciências jurídicas, o modelo de julgamento inquisitorial é vedado pelas legislações processuais modernas. Hoje, adota-se o modelo acusatório, onde o juiz deve guardar uma posição imparcial em relação às partes, defesa e acusação, envolvidas dialeticamente no processo.  Ao menos, assim deveria ocorrer na prática hodierna.

Ocorre que, além do juiz ser parcial e atuar junto à acusação, ainda era muito difícil que alguém aceitasse patrocinar a defesa da mulher acusada de bruxaria. Pois, era muito provável que o defensor acabasse, também, sendo acusado de heresia. Pois o fato de não se crer em bruxas ou nas evidências da ação do demônio através da bruxa era considerado um ato de negação da fé católica. 

Em uma Bula do Papa Inocêncio VIII, que instituía um tribunal destes na Alemanha, pode-se ver pela redação que o direito à defesa é notoriamente cerceado. Abaixo, transcrevo alguns trechos da bula papal:

"... que toda a depravação herética seja varrida de todas as fronteiras e recantos dos fiéis... chegou-nos aos ouvidos que em certas regiões da Alemanha,,, muitas pessoas de ambos os sexos... se desgarraram da fé católica, entregaram-se a demônios, a íncubus e súcubus,... têm assassinado crianças no útero da mãe, novilhos e arruinado os produtos da terra..impediram os homens de realizarem o ato sexual... Nossos queridos filhos Henry Kramer e James Sprenger, professores de teologia da Ordem Dominicana, tenham sido delegados como Inquisidores para que as províncias da Alemanha não se vejam privadas dos benefícios do Santo Ofício...em virtude de Nossa autoridade Apostólica, decretamos e estabelecemos que os mencionados Inquisidores têm o poder de proceder aprisionamento e punição de quaisquer pessoas...solicitamos ao nosso irmão o Bispo de Strasburg, que ele próprio...haverá de ameaçar a todos que vierem a dificultar ou impedir a ação dos Inquisidores, a todos que se lhes opuserem, a todos os rebeldes, de qualquer categoria ou condição que seja... haverá de ameaçá-los com a excomunhão, a suspensão, a interdição, e inclusive com as mais terríveis penas, as piores censuras e os piores castigos, sem direito a apelação..."

Os citados dominicanos, Henry Kramer e James Sprenger, escreveram um manual, no ano de 1484, que durante 400 anos foi utilizado como guia pelos juízes dos tribunais da inquisição. O manual recebeu o nome em latim de Malleus Maleficarum, que em português se traduz como "O Martelo das Feiticeiras". Ele é dividido em 3 partes, entre como reconhecer uma feiticeira, sobre os malefícios das bruxarias e métodos de proteção e sobre como processar e julgar as acusadas. Porém, a primeira questão poderia ser considerada um quarta divisão temática na obra, dirigida àqueles que por ventura desejassem efetuar qualquer intervenção a favor das supostas bruxas. Deixando claro que não crer na existência das bruxas e dos encantamentos seria tratado como heresia. Isto fica claro logo no início do capítulo com as seguintes palavras:

"Se crer em bruxas é tão essencial à fé católica que sustentar obstinadamente opinião contrária há de ter vivo sabor de heresia".

Artigo sobre o manual dos inquisidores: Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras)
https://fahupe.blogspot.com.br/2017/07/o-martelo-das-feiticeiras-o-manual-que.html

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