sexta-feira, 28 de julho de 2017

Para a Inquisição as mulheres eram feiticeiras porque foram criadas da costela, que é um osso torto.




*As feiticeiras e o discurso de poder da Igreja através da Inquisição. 

Os monges dominicanos Heinrich Kramer e James Sprenger, no ano de 1484, escreveram a obra chamada Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras, na tradução para o português), que funcionou como um manual para os juízes do Tribunal da Inquisição por quase 400 anos. Foi um documento redigido notoriamente contra a liberdade das mulheres. Através do auxílio de suas afirmações, muitas delas foram condenadas por bruxaria e queimadas em fogueiras.

Cabe lembrar que a grande maioria dos julgamentos pela heresia de bruxaria foi movido contra mulheres. Os historiadores acreditam que a perseguição contra o gênero feminino, efetivado pela Inquisição, colaborou para a conduta dócil e submissa das mulheres no início da idade moderna.

O "Martelo das Feiticeiras" se divide em três partes. Na primeira, visa diagnosticar a presença de uma bruxa. Na segunda, discorre sobre as feitiçarias e como se proteger dos encantamentos. Por último, sobre questões judiciais e administrativas do processo inquisitorial. Cada uma destas três partes é subdividida em capítulos denominados "questões". Na Questão VI, os monges dominicanos escreveram um arrazoado sobre o porquê das mulheres se entregarem mais facilmente à feitiçaria e outras superstições diabólicas que os homens.

É interessante notar como que ainda hoje este discurso se encontra impresso na mentalidade e cultura das sociedades. Através do cinema podemos constatar que as histórias de possessão acontecem, na tela, majoritariamente com mulheres. Neste sentido, podemos rapidamente elencar 3 filmes: "O Exorcista" (1973), "Stigmata" (1999) e "O Exorcismo de Emily Rose" (2005) .

No texto, as mulheres são consideradas as mais propensas a tais pactos com o demônio para infligir mal a terceiros. Algumas falhas morais inerentes ao gênero feminino, como a luxúria e a inveja, citadas pelos dominicanos, abririam caminho a estas abominações. Porém, várias outras alegações se somam a estas. Consideram que a fragilidade física feminina também se dê no plano mental e emocional. Por isso, elas seriam mais suscetível à sugestão da perversão.

Um argumento muito curioso remete ao ato divino de criação da mulher no livro do Gênesis. Consideram que houve um defeito na criação delas quando Deus usou um osso curvado como a costela. Um osso torto vai de encontro à retidão moral do homem. Em nosso tempo, pode parecer uma peça de anedotário, mas era levado a sério pelos teólogos e estudiosos dos textos sagrados. Contudo, perguntamos se o fato de considerarem que houve uma falha no processo Criador não seria, por si só, também, um ato de heresia ? A menos que considerem que Deus propositadamente recorreu a este defeito. Porém, desta forma, como poderiam condenar a mulher por pecar se foi assim projetada ? Perguntas que provavelmente seriam melhor respondidas por um teólogo.

Havia explicitamente um temor especial em relação às parteiras. As parteiras, que pactuavam com o diabo, eram consideradas as mais perigosas de todas as bruxas, pois ofereciam os recém nascidos não batizados às forças malignas. É interessante considerar que naquele tempo, final da idade média e início da idade moderna, as universidades, concebidas pela Igreja, estavam se consolidando como espaço detentor do conhecimento. Desta forma, as parteiras formavam um grupo de mulheres que concorriam com os catedráticos na percepção popular. Somando-se a isto, o fato que os partos realizados em hospitais, naquele período, eram de altíssimo risco, havendo muitas mortes. Os médicos ainda não haviam entendido os processos de contaminação biológica e faziam os partos sem a devida higiene. Muitos vinham das mesas de necrópsia para realizar o parto, sem higienizar as mãos, e transmitiam doenças às mães e aos nascituros. Desta forma, as famílias receavam o ambiente hospitalar e preferiam  a assistência das parteiras.

O discurso de que as bruxas ofereciam recém nascidos aos demônios reforçava na mentalidade popular a necessidade de batizar o mais rapidamente possível as crianças. A criança batizada estaria protegida. Isto favorecia o vínculo com a Igreja da forma mais célere possível.

Outro argumento elencado é que o gênero feminino seria mais carnal que o masculino. Por isso, mais propensa à corrupção demoníaca que age principalmente através dos órgãos sexuais. Muito provavelmente por isso, convencionou-se dizer que as mulheres correspondem ao "sexo frágil".

Na obra em tela, realizaram uma cronologia histórica para comprovar o mal que a mulher pode proporcionar ao se deixar instrumentalizar pelas forças do mal. A cidade próspera de Troia foi destruída pelo rapto de Helena, o reino dos judeus padeceu por conta da "maldita" Jezebel e os romanos sofreram nas mãos de Cleópatra.

Note-se que, no trecho, Cleópatra é descrita como " a pior de todas as mulheres". Não devemos nos esquecer que Cleópatra tinha uma biografia nada conveniente à sociedade patriarcal da época. Provavelmente, foi a mulher que deteve maior poder político na história até então conhecida. Utilizando um termo atual, constituía o símbolo do "empoderamento" feminino.

Contudo, segundo os termos do Malleus Maleficarum, nem tudo estava perdido para as mulheres. Elas possuíam uma forma de conquistar sua redenção. Seria a total submissão à vontade de Deus e da Igreja. Lembram que à primeira pecadora, Eva, se interpôs Maria, Ave, expurgando todos os pecados. O termo "Ave" significa a redenção de "Eva" através de Maria.

Assim, a busca da santidade nos termos pregados pela Igreja conferia o status de boa mulher católica.

Leia mais um artigo sobre o contexto histórico da obra "O Martelo das Feiticeiras":
https://fahupe.blogspot.com.br/2017/07/o-martelo-das-feiticeiras-o-manual-que.html

A Primeira Parte do Malleus Maleficarum em pdf:
http://www2.unifap.br/marcospaulo/files/2013/05/malleus-maleficarum-portugues.pdf 

Participe do grupo "prophisto" de História Geral & Brasil no facebook:
https://www.facebook.com/groups/prophisto/

Para colaborar e incentivar nosso blog basta compartilhar esta postagem na sua rede social. Obrigado!



Nenhum comentário:

Postar um comentário