sábado, 29 de julho de 2017

A única forma de escapar do atraso intelectual não é viajando em milhas, mas viajando em páginas.


Noutro dia, aqui no blog, postei sobre uma foto da campanha publicitária inusitada que um sebo realizou, explorando a polarização e contradições de nossa sociedade atual, chamando a atenção do público para a importância da leitura na formação do nosso acervo de conhecimentos e cultural. 

Digo que a peça publicitária era inusitada e ousada porque convidava os intolerantes de todos os tipos (homofóbicos, racistas, machistas, fundamentalista religiosos, etc...) a ingressarem na loja e no respectivo mundo dos livros, pois poderiam ser ajudados.

Ao postar esta foto em alguns grupos das redes sociais foi imediatamente gerada uma polêmica. Aqueles participantes que se identificaram com estas posturas intolerantes elencadas logo se pronunciaram de forma enérgica contra a foto e os proprietários da loja de livros usados.

O curioso é que a maioria dos argumentos contra o "cartaz" da loja dizia que os donos do sebo estavam sendo intolerantes com quem pensava de forma contrária à deles. Ou seja, a mensagem da livraria era contra atitudes notoriamente intolerantes, como o racismo e a homofobia, mas uma parcela do público percebia intolerância nesta campanha pubicitária. O que me pareceu algo bastante insólito. Seria, mais ou menos, como se o advogado do réu que foi preso por manter alguém em cárcere privado se voltasse contra e processasse a polícia e o Estado pelo fato da condenação à pena de reclusão  importar que seu cliente ficasse, também, em situação de cárcere.

A mensagem que me chamou atenção foi a de um participante, que após trocar algumas postagens criticando o sebo, arrematou afirmando que agora estava livre do "atraso intelectual' que, na sua visão, corresponde ao Brasil. Parece que ele estava vivendo nos Estados Unidos ou Europa.

Esta declaração imediatamente reportou minha memória aos anos 90, quando na universidade estudei sociologia na classe do professor Jonas Resende. Este saudoso mestre era um homem de notável cultura e da cultura (pois tinha atuação destacada na TV Educativa do RJ onde costumava ser um dos debatedores fixos do programa "sem censura"). Possuía formação em direito, filosofia e teologia. Era pastor presbiteriano mas nunca deixou sua formação religiosa se sobrepor aos recortes temáticos estudados na academia. Em uma das aulas ele discorria sobre a influência do meio social no homem. Citou o exemplo dos religiosos eremitas que iam para o deserto com o objetivo de se afastar da sociedade, mas que era uma tarefa difícil e relativa pois o homem, ainda que no deserto, levava a sociedade dentro de si.

Este mesmo exemplo serve ao rapaz que pensa ter deixado para trás o atraso intelectual apenas pelo fato de ter se deslocado geograficamente de um país de terceiro para outro de primeiro mundo. Não é o caso de se afirmar que não aprendemos nada quando viajamos ou moramos no exterior. Conhecemos novas pessoas e outras culturas, o que nos acrescenta algo importante. Porém, não deixamos nossos defeitos, atrasos, falta de empatia, pouca civilidade, preconceitos, só porque mudamos de latitude e longitude. Acontece, que quando nos mudamos temos o ônus de nos levar a nós mesmos para as novas praças.

Está muito enganado quem pensa que nos países de primeiro mundo não exista todo tipo de preconceito, ignorância e outros aspectos considerados socialmente atrasados. E quem viaja costuma reproduzir e buscar no novo local as mesmas categorias de relação e pensamento com as quais já estava habituado. Por exemplo, o indivíduo que está super habituado a comer churrasco não é pelo fato de ir morar na Escandinávia  que, por si só, se tornará vegano. Quem é intolerante e preconceituoso poderá viajar para o outro lado do globo que acabará atraindo e sendo atraído por grupos de semelhante mentalidade.

Assim, se você tiver a possibilidade de viajar não a perca. Agora, mais importante que viajar é não perder a oportunidade de ler. Leia todos os autores e assuntos que puder. Mas leia sem seletividade e nem leia somente com o espírito de combater o autor. Deixe-se, primeiro, ser tomado por aquele novo universo de ideias. Assim, você irá superar qualquer atraso indo apenas de sua casa à biblioteca mais próxima.

"A única forma de escapar do atraso intelectual não é viajando em milhas, mas viajando em páginas".

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Quando o Tribunal da Inquisição levou o diabo para a cama: bruxas, íncubus, súcubus e homossexualidade.


A Ordem Dominicana foi fundada por São Domingos, no início do século XIII, na cidade de Toulouse, na França. Durante a Inquisição, esta ordem religiosa se notabilizou como uma das mais combatentes contra as chamadas heresias. Note-se que não era casual a nomenclatura da ordem constituir, em latim, a expressão "Domini cane" que significa "os cães de Deus" ou "cães guardiões da fé". A bruxaria foi considerada uma das piores entre todas as heresias, pois corrompia ao mesmo tempo a alma e o corpo. Dois frades dominicanos foram os autores de um manual voltado aos juízes da Inquisição, para auxiliá-los no julgamento das mulheres acusadas de bruxaria. Este manual recebeu o título Malleus Maleficarum, que traduzido para português corresponde a "O Martelo das Feiticeiras".

Nas "questões" ou capítulos III, IV e VI, do Malleus Maleficarum, os dominicanos se ocuparam especificamente da dimensão sexual da abominável relação entre o diabo e o ser humano, em especial com as bruxas. Afirmavam que os órgãos do sexo eram a principal porta de entrada para que o demônio corrompesse as pessoas. O livro de , assevera que "é através da lascívia da carne que exercem (os demônios) seu poder sobre os homens". Admitiam, inclusive, a possibilidade de demônios travestidos em forma humana copularem com homens e mulheres. Este era o terreno em que operavam algumas castas demoníacas conhecidas como íncubus e súcubus. Os demônios que apareciam sob a forma feminina e praticavam sexo com homens eram os súcubus. Por outro lado, os demônios que adotavam a forma masculina e se deitavam com mulheres correspondiam aos íncubus.

Os frades, autores do "Martelo das Feiticeiras", trouxeram à luz de sua argumentação várias mitologias pré cristãs para exemplificar a atuação dos diabos em atos de perversão sexual com humanos. Santo Agostinho escreveu que demônios chamados de Dúsios, pelos gauleses, procuravam mulheres devassas para o coito. Santo Isidoro asseverou que os Pãs, da mitologia grega, na verdade, se tratavam dos íncubus. E que os romanos os chamavam de Faunos das Figueiras.

É de se salientar que acreditavam que os íncubus e súcubus poderiam gerar crianças nascidas destas relações. Ocorre que a natureza espiritual dos anjos, mesmo os caídos, não lhes permite produzir sêmem; então, um demônio em forma de súcubus se deitava com um homem e recolhia seu esperma, depois, em forma de íncubus, introduzia o sêmem coletado no útero da mulher. Neste caso, o rebento nascido da relação entre uma feiticeira e um demônio era, na verdade, filho de um homem. Contudo, a vantagem para o demônio neste processo é que, sendo conhecedor das forças dos astros, saberia a melhor conjuntura astrológica para fecundar uma mulher e gerar um pessoa que, por tal conjunção astral, teria forte tendência ao mal. Completando, ainda, o fato de que a feiticeira, tendo a fé já corrompida, não iria batizar a criança, facilitando ainda mais o seu uso pelas forças obscuras.

Desta forma, mães solteiras eram notadamente perseguidas naquele tempo. Pois, uma vez que não se sabia ao certo quem era o pai, suspeitava-se que a mulher havia se entregado em devassidão aos íncubus. Isto, provavelmente, fazia com que muitas jovens que descuidadamente engravidavam, viessem a tomar medidas extremas para abortar a criança. Acabou sendo um período fértil na criação de manobras abortivas.

Esta narrativa nos remete à lenda do boto, que se espalhou pela região norte do Brasil. Conta-se que o boto, um mamífero semelhante aos golfinhos, que vive nos rios da Amazônia, se transforma em um belo rapaz durante as festas juninas e seduz as moças das vilas, as levando para a perdição sexual no leito dos rios. Nessas regiões, quando ocorre um caso de mãe solteira fala-se que a criança é filha do boto. Tais lendas são, certamente, permanências culturais que cortam transversalmente o tempo histórico e vão ganhando adaptações nas narrativas locais.

Note-se que, segundo os frades inquisidores, os demônios não tiram qualquer prazer deste tipo de relação. A função é apenas a de corromper o ser humano. Pois foi dado aos demônios, por Deus, a tarefa de promoverem tentações aos homens e castigarem os amaldiçoados.  Vejam que a conjunção carnal fora do matrimônio é de tal forma desprezada pelos cânones, que sequer são todos os demônios que se prestam ao papel de íncubus ou súcubus. Esta tarefa fica subordinada apenas àqueles das castas mais inferiores.

Desta forma, os teólogos da inquisição acreditavam que havia hierarquia entre os demônios, cada qual recebendo nome e atividade específica. Podemos ver no cinema, quando simulam ritos de exorcismo nos filmes, que o sacerdote primeiro tenta extrair o nome da entidade para depois poder expulsá-la. Em "O Martelo das Feiticeiras", há um elenco com estes nomes: Demônio é aquele que anseia por sangue, Belial que significa sem julgo ou soberano por lutar contra aqueles a quem deveria ser submisso, Belzebu é o senhor dos pecadores que abandonaram a fé, Satã que siginifica adversário, Beemot é a besta que torna os homens bestiais, Asmodeus é o diabo da fornicação (a este cabe a transformação em íncubus e súcubus) que fez abater terrível catástrofe sobre Sodoma e Gomorra, Leviatã é o diabo do orgulho e, finalmente, Mamon personifica a avareza e a riqueza.

Quanto às práticas homossexuais, a Igreja era tão dura que pregava ser uma abominação unicamente humana. Sequer os demônios se prestavam a realizar tais perversões. Transcreverei, a seguir. as palavras da obra sobre este tema:

"... cumpre chamar a atenção que...em nenhum lugar se lê que tais demônios incidem nos vícios contra a natureza. Não falamos apenas da sodomia, mas todos os outros pecados em que o ato sexual é praticado fora do canal correto. E a enorme gravidade em pecar-se dessa maneira é demonstrada pelo fato de que todos os demônios igualmente, de qualquer ordem hierárquica, abominam e se envergonham de cometer tais atos."

Concluindo, o Malleus Maleficarum desconstrói qualquer posição de poder da mulher que pactua com o demônio. Afirma que o diabo não necessita das bruxas para fazer o mal. Se aproximam das mulheres porque, desta forma, além de fazer o mal a terceiros, estão, também, corrompendo a mulher que se entrega à feitiçaria. A feiticeira passa a adorar o diabo, que usurpa esta posição de Deus.

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sexta-feira, 28 de julho de 2017

Para a Inquisição as mulheres eram feiticeiras porque foram criadas da costela, que é um osso torto.




*As feiticeiras e o discurso de poder da Igreja através da Inquisição. 

Os monges dominicanos Heinrich Kramer e James Sprenger, no ano de 1484, escreveram a obra chamada Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras, na tradução para o português), que funcionou como um manual para os juízes do Tribunal da Inquisição por quase 400 anos. Foi um documento redigido notoriamente contra a liberdade das mulheres. Através do auxílio de suas afirmações, muitas delas foram condenadas por bruxaria e queimadas em fogueiras.

Cabe lembrar que a grande maioria dos julgamentos pela heresia de bruxaria foi movido contra mulheres. Os historiadores acreditam que a perseguição contra o gênero feminino, efetivado pela Inquisição, colaborou para a conduta dócil e submissa das mulheres no início da idade moderna.

O "Martelo das Feiticeiras" se divide em três partes. Na primeira, visa diagnosticar a presença de uma bruxa. Na segunda, discorre sobre as feitiçarias e como se proteger dos encantamentos. Por último, sobre questões judiciais e administrativas do processo inquisitorial. Cada uma destas três partes é subdividida em capítulos denominados "questões". Na Questão VI, os monges dominicanos escreveram um arrazoado sobre o porquê das mulheres se entregarem mais facilmente à feitiçaria e outras superstições diabólicas que os homens.

É interessante notar como que ainda hoje este discurso se encontra impresso na mentalidade e cultura das sociedades. Através do cinema podemos constatar que as histórias de possessão acontecem, na tela, majoritariamente com mulheres. Neste sentido, podemos rapidamente elencar 3 filmes: "O Exorcista" (1973), "Stigmata" (1999) e "O Exorcismo de Emily Rose" (2005) .

No texto, as mulheres são consideradas as mais propensas a tais pactos com o demônio para infligir mal a terceiros. Algumas falhas morais inerentes ao gênero feminino, como a luxúria e a inveja, citadas pelos dominicanos, abririam caminho a estas abominações. Porém, várias outras alegações se somam a estas. Consideram que a fragilidade física feminina também se dê no plano mental e emocional. Por isso, elas seriam mais suscetível à sugestão da perversão.

Um argumento muito curioso remete ao ato divino de criação da mulher no livro do Gênesis. Consideram que houve um defeito na criação delas quando Deus usou um osso curvado como a costela. Um osso torto vai de encontro à retidão moral do homem. Em nosso tempo, pode parecer uma peça de anedotário, mas era levado a sério pelos teólogos e estudiosos dos textos sagrados. Contudo, perguntamos se o fato de considerarem que houve uma falha no processo Criador não seria, por si só, também, um ato de heresia ? A menos que considerem que Deus propositadamente recorreu a este defeito. Porém, desta forma, como poderiam condenar a mulher por pecar se foi assim projetada ? Perguntas que provavelmente seriam melhor respondidas por um teólogo.

Havia explicitamente um temor especial em relação às parteiras. As parteiras, que pactuavam com o diabo, eram consideradas as mais perigosas de todas as bruxas, pois ofereciam os recém nascidos não batizados às forças malignas. É interessante considerar que naquele tempo, final da idade média e início da idade moderna, as universidades, concebidas pela Igreja, estavam se consolidando como espaço detentor do conhecimento. Desta forma, as parteiras formavam um grupo de mulheres que concorriam com os catedráticos na percepção popular. Somando-se a isto, o fato que os partos realizados em hospitais, naquele período, eram de altíssimo risco, havendo muitas mortes. Os médicos ainda não haviam entendido os processos de contaminação biológica e faziam os partos sem a devida higiene. Muitos vinham das mesas de necrópsia para realizar o parto, sem higienizar as mãos, e transmitiam doenças às mães e aos nascituros. Desta forma, as famílias receavam o ambiente hospitalar e preferiam  a assistência das parteiras.

O discurso de que as bruxas ofereciam recém nascidos aos demônios reforçava na mentalidade popular a necessidade de batizar o mais rapidamente possível as crianças. A criança batizada estaria protegida. Isto favorecia o vínculo com a Igreja da forma mais célere possível.

Outro argumento elencado é que o gênero feminino seria mais carnal que o masculino. Por isso, mais propensa à corrupção demoníaca que age principalmente através dos órgãos sexuais. Muito provavelmente por isso, convencionou-se dizer que as mulheres correspondem ao "sexo frágil".

Na obra em tela, realizaram uma cronologia histórica para comprovar o mal que a mulher pode proporcionar ao se deixar instrumentalizar pelas forças do mal. A cidade próspera de Troia foi destruída pelo rapto de Helena, o reino dos judeus padeceu por conta da "maldita" Jezebel e os romanos sofreram nas mãos de Cleópatra.

Note-se que, no trecho, Cleópatra é descrita como " a pior de todas as mulheres". Não devemos nos esquecer que Cleópatra tinha uma biografia nada conveniente à sociedade patriarcal da época. Provavelmente, foi a mulher que deteve maior poder político na história até então conhecida. Utilizando um termo atual, constituía o símbolo do "empoderamento" feminino.

Contudo, segundo os termos do Malleus Maleficarum, nem tudo estava perdido para as mulheres. Elas possuíam uma forma de conquistar sua redenção. Seria a total submissão à vontade de Deus e da Igreja. Lembram que à primeira pecadora, Eva, se interpôs Maria, Ave, expurgando todos os pecados. O termo "Ave" significa a redenção de "Eva" através de Maria.

Assim, a busca da santidade nos termos pregados pela Igreja conferia o status de boa mulher católica.

Leia mais um artigo sobre o contexto histórico da obra "O Martelo das Feiticeiras":
https://fahupe.blogspot.com.br/2017/07/o-martelo-das-feiticeiras-o-manual-que.html

A Primeira Parte do Malleus Maleficarum em pdf:
http://www2.unifap.br/marcospaulo/files/2013/05/malleus-maleficarum-portugues.pdf 

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quarta-feira, 26 de julho de 2017

A diretora respondeu ao arqueólogo que a escola não estava interessada em "coisas de índio".


O canal brasileiro do portal de notícias alemão Deutsche Welle trouxe um entrevista com o arqueólogo Carlos Augusto da Silva, que é pesquisador e doutor em arqueologia na Universidade Federal do Amazonas (UFAm). Carlos Augusto descende de índios que ocupavam a região e seu pai é carpinteiro. Contudo, apesar das dificuldades conseguiu completar a graduação em arqueologia e trilhar carreira acadêmica que daria condições de realizar o seu sonho de desvendar os segredos escondidos na floresta amazônica.

Ele contou ao repórter que diferente do que se pensou por muitos anos, a Amazônia brasileira também esconde sítios arqueológicos referentes a civilizações que ali se estabeleceram. Contrariando a visão que somente na Amazônia peruana existiram estruturas urbanas de povos pré colombianos.

O problema principal, como sempre, é a falta de investimentos adequados no setor de pesquisa e educação. A arqueologia nacional vive com pouquíssimos recursos. Carlos Eduardo contou que está pesquisando em um sítio que fica exatamente onde está um terminal de ônibus. Ao lado deste local existe um colégio. O arqueólogo se apresentou à diretora propondo realizar uma palestra aos alunos sobre os achados arqueológicos no sítio vizinho. A diretora respondeu que a escola não está interessada em "coisas de índio".

Não sei se a diretora disse exatamente nesses termos, mas não me surpreendo nem um pouco se proferiu ipsis litteris este absurdo. Não é sequer por falta de conhecimento ou ignorância, mas falta de vontade em organizar uma palestra para todos os alunos. É o tipo de coisa que dá algum trabalho. Desde pesquisar as referências do palestrante até mudar a rotina das aulas para o evento. E tem muita gente de má vontade e sem amor à profissão por aí.

No entanto, quando se trata de organizar festas que não são próprias do calendário cultural brasileiro, parece que vem sobrando disposição. Noutro dia, divulgamos aqui no blog o texto de um colega que vem percebendo que várias escolas vem festejando o halloween  e deixando de realizar eventos referentes ao nosso folclore nacional e aos temas indígenas. Com isto, vamos perdendo os elementos multiculturais de nossa identidade nacional.

Assim, não é de se assustar com o resultado de uma pesquisa realizada pelo instituto britânico Ipsos Mori que revelou ser o Brasil o terceiro país mais ignorante sobre si mesmo !

Artigo sobre o Halloween estar mais festejado que o nosso folclore e o índio nas escolas brasileiras:
http://fahupe.blogspot.com.br/2017/05/colonizacao-cultural-quando-escola.html

Sobre a pesquisa do instituto britânico Ipsis Mori:
https://pensadoranonimo.com.br/povo-brasileiro-e-o-terceiro-mais-idiota-do-mundo-revela-estudo-britanico/

Entrevista com o arqueólogo Carlos Augusto da Silva:
http://www.dw.com/pt-br/p%C3%A9-na-praia-o-arque%C3%B3logo-do-terminal-de-%C3%B4nibus/a-39839628

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Propaganda ousada de livraria explora contradições da sociedade brasileira.


Uma livraria não se intimidou pela polarização extremada que nosso país vive e resolveu tomar um lado através de marketing ousado para chamar atenção dos clientes. Propõe que a cultura é a única via para superar os discursos reducionistas e extremistas que ganharam espaço nos últimos anos.

Aliás, todas as nações que conseguiram dar um salto de qualidade rumo ao futuro começaram por melhorias no campo da educação e cultura. Porém, o nosso país vai caminhando na contramão ao mudar as regra de exploração do pré-sal que garantiria fundos para revolucionar o setor. Ao contrário, se aprofunda a precarização da escola pública que agora também atinge as universidades públicas. 

Trata-se da Livraria Gregos e Troianos que fica na cidade de Resende, no Estado do Rio de Janeiro.

Parabéns aos proprietários pela ousadia e bom humor em tempos de crise !

Leia também o artigo sobre o mercado de livros usados:
http://fahupe.blogspot.com.br/2017/07/a-desorganizacao-e-ganancia-de-alguns.html 

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O Tribunal da Inquisição: a impossibilidade de se constituir uma defesa para as mulheres acusadas de bruxaria.


A Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício foi uma instituição julgadora criada pela Igreja Católica, com base nos cânones da instituição, que tinha a função de processar, julgar e executar aquelas pessoas cujos atos foram avaliados como heresias por se desviarem dos ensinamentos da igreja. A Inquisição teve seu início na baixa idade média, nos séculos XIII e XIV, e se estendeu pela idade moderna até o século XIX.  Com a divisão da cristandade, após a reforma protestante de Lutero (séc. XVI), tais julgamentos também ocorreram em comunidades protestantes. Um exemplo pode ser visto na obra cinematográfica "As Bruxas de Salém", que narra um caso verídico ocorrido em Massachusetts, no ano de 1692.

Alguns julgamentos famosos empreendidos pela Inquisição correram na Itália e envolveram figuras famosas do meio científico. Os casos mais conhecidos são os dos cientistas Galileu Galilei e Giordano Bruno. Porém, a grande maioria dos processos foram movidos contra mulheres. Estima-se que, na maior parte da Europa, 75% dos processos acusavam mulheres da prática de bruxaria. Em alguns locais, como na Bélgica, chegou a 90%. Calcula-se que mais de 100 mil mulheres morreram pela aplicação da pena de morte na fogueira.

A cultura patriarcal cristã, consolidada no decorrer medieval, influenciou diretamente nesta perseguição que a Inquisição promoveu contra as mulheres. Elas desde eras remotas estavam envolvidas com a produção e difusão de conhecimentos sobre plantas medicinais e outros fatos da natureza. Elas também dominavam as técnicas de ajudar as grávidas no momento de dar à luz (parteiras). Além de técnicas sobre o cultivo das plantas. Acabaram constituindo um grupo de saber concorrente às universidades fundadas pela Igreja ainda na Idade Média e que se consolidavam no início do período moderno. Desta forma, a inquisição teve a função de retrair o gênero feminino destas áreas de conhecimento,  se voltando apenas para os afazeres domésticos.

O tipo de processo que corria nestes tribunais seguia o modelo do sistema inquisitorial. Neste modelo, o juiz não observa uma posição imparcial perante a defesa e a acusação. Ao contrário, o juiz é parte ativamente envolvida na produção de provas contra os acusados. Ele, inclusive, se valia de métodos de tortura para conseguir extrair a confissão dos réus, considerada a rainha das provas. Atualmente, com o desenvolvimento das ciências jurídicas, o modelo de julgamento inquisitorial é vedado pelas legislações processuais modernas. Hoje, adota-se o modelo acusatório, onde o juiz deve guardar uma posição imparcial em relação às partes, defesa e acusação, envolvidas dialeticamente no processo.  Ao menos, assim deveria ocorrer na prática hodierna.

Ocorre que, além do juiz ser parcial e atuar junto à acusação, ainda era muito difícil que alguém aceitasse patrocinar a defesa da mulher acusada de bruxaria. Pois, era muito provável que o defensor acabasse, também, sendo acusado de heresia. Pois o fato de não se crer em bruxas ou nas evidências da ação do demônio através da bruxa era considerado um ato de negação da fé católica. 

Em uma Bula do Papa Inocêncio VIII, que instituía um tribunal destes na Alemanha, pode-se ver pela redação que o direito à defesa é notoriamente cerceado. Abaixo, transcrevo alguns trechos da bula papal:

"... que toda a depravação herética seja varrida de todas as fronteiras e recantos dos fiéis... chegou-nos aos ouvidos que em certas regiões da Alemanha,,, muitas pessoas de ambos os sexos... se desgarraram da fé católica, entregaram-se a demônios, a íncubus e súcubus,... têm assassinado crianças no útero da mãe, novilhos e arruinado os produtos da terra..impediram os homens de realizarem o ato sexual... Nossos queridos filhos Henry Kramer e James Sprenger, professores de teologia da Ordem Dominicana, tenham sido delegados como Inquisidores para que as províncias da Alemanha não se vejam privadas dos benefícios do Santo Ofício...em virtude de Nossa autoridade Apostólica, decretamos e estabelecemos que os mencionados Inquisidores têm o poder de proceder aprisionamento e punição de quaisquer pessoas...solicitamos ao nosso irmão o Bispo de Strasburg, que ele próprio...haverá de ameaçar a todos que vierem a dificultar ou impedir a ação dos Inquisidores, a todos que se lhes opuserem, a todos os rebeldes, de qualquer categoria ou condição que seja... haverá de ameaçá-los com a excomunhão, a suspensão, a interdição, e inclusive com as mais terríveis penas, as piores censuras e os piores castigos, sem direito a apelação..."

Os citados dominicanos, Henry Kramer e James Sprenger, escreveram um manual, no ano de 1484, que durante 400 anos foi utilizado como guia pelos juízes dos tribunais da inquisição. O manual recebeu o nome em latim de Malleus Maleficarum, que em português se traduz como "O Martelo das Feiticeiras". Ele é dividido em 3 partes, entre como reconhecer uma feiticeira, sobre os malefícios das bruxarias e métodos de proteção e sobre como processar e julgar as acusadas. Porém, a primeira questão poderia ser considerada um quarta divisão temática na obra, dirigida àqueles que por ventura desejassem efetuar qualquer intervenção a favor das supostas bruxas. Deixando claro que não crer na existência das bruxas e dos encantamentos seria tratado como heresia. Isto fica claro logo no início do capítulo com as seguintes palavras:

"Se crer em bruxas é tão essencial à fé católica que sustentar obstinadamente opinião contrária há de ter vivo sabor de heresia".

Artigo sobre o manual dos inquisidores: Malleus Maleficarum (O Martelo das Feiticeiras)
https://fahupe.blogspot.com.br/2017/07/o-martelo-das-feiticeiras-o-manual-que.html

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terça-feira, 25 de julho de 2017

Para que um candidato "light", nas eleições presidenciais de 2018, tenha aceitação popular é necessário haver um bode na sala.



A teoria do bode na sala visa apresentar uma fórmula para que o público aceite uma solução ruim pelo medo de ver uma outra ainda pior ser implementada. Então, conta-se uma fábula em que um pai de família, que morava numa casa simples, era permanentemente pressionado pelos familiares que se queixavam do tamanho pequeno da sala do imóvel. Por isso, ele se dirigiu até um homem sábio levando a questão e foi orientado no sentido de adquirir um bode e deixá-lo acomodado justamente na sala da casa. Assim, a permanência dos moradores naquele cômodo passou a ser insuportável. Tanto que as pessoas apenas passavam pela sala e logo se recolhiam aos seus aposentos. Passado um mês, o pai de família se desfez do bode e todos passaram a novamente frequentar a sala, só que agora sem reclamações. Ao contrário, todos pareciam satisfeitos com o retorno à situação anterior.

Esta fábula do bode na sala me faz pensar nos acontecimentos que ocorrem neste ano de 2017 e que antecedem as eleições presidenciais do ano seguinte. Acontece que raramente vivenciamos no país uma fase em que não há nomes de peso e que sejam do agrado popular para concorrer ao pleito presidencial. O único candidato que realmente possui o carisma das grandes lideranças é o ex presidente Lula, mas que muito provavelmente será impedido de concorrer. Tirando este, vivemos um grande vazio de nomes que possam empolgar o eleitorado. A crise não é só política, mas também de material humano na política. E a crise se dá em todos os espectros políticos, da direita à esquerda.

Dos demais candidatos, Ciro Gomes apresenta o discurso mais contundente, mas até agora não empolgou o eleitorado de esquerda que deseja mobilizar. Os partidos mais à esquerda, como PSOL e PSTU também não possuem uma candidatura forte. O PSOL teve a desilusão do seu quadro mais forte perder as eleições no Rio de Janeiro para um bispo da Universal com alto grau de rejeição. No outro polo, a direita parece um deserto de novidades. Ainda com os velhos nomes da política paulista se degladiando pela cabeça de chapa. O moço de Minas Gerais que foi a grande aposta em 2015 parece com sérios problemas até mesmo para ganhar um pleito provinciano.

O status quo precisa desesperadamente de uma candidatura viável e forte de centro-direita. Afinal, não houve toda aquela mobilização de esforço para apear a primeira presidenta do poder à toa.

Neste quadro de total vazio, surge então a tática de colocar o bode na sala. Se a população acreditar que um candidato de extrema direita, com discurso totalmente inapropriado, tenha fortes chances de chegar ao topo da vida política nacional; então, se no último minuto da prorrogação vencer um candidato da direita mais light, acabará sendo recebido com sentimento de alívio pelo desesperado eleitorado.

Somente com esta estratégia sendo regida a partir dos subterrâneos políticos, que consigo entender um candidato que aparece com boas chances nas pesquisas apresentar atitudes e discursos totalmente desarrazoados. Nos últimos tempos já se falou que fazendeiros devem receber camponeses sem terra com arma de fogo. Que os simpatizantes e partidos comunistas devem ser banidos com a criminalização deste ideário. Que o descendente de quilombola não serve sequer de mero reprodutor. Dentre várias outras bobagens que certamente inviabilizarão totalmente suas chances de vitória. Afinal, ainda acredito que a maioria da população brasileira tenha um  mínimo de bom senso!

A única lógica que consigo perceber neste caos é que podem estar usando, como diria o saudoso "Agente 86", o velho truque do bode na sala !!!

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O Martelo das Feiticeiras: o manual que condenou milhares de mulheres à fogueira e o gênero das divindades.


Queimem a bruxa ! Queimem a bruxa !! Este era um coro recorrente em várias praças espalhadas pela Europa no período da renascença. Ao mesmo tempo que a sociedade europeia acompanhava feitos que entrariam para a história, como as grandes viagens marítimas descobrindo novos mundos e a ascensão da burguesia, as mulheres ardiam em chamas nas fogueiras da inquisição sob a acusação de bruxaria.

O imaginário construído desde o medieval cristão imprimia nas mentalidades a imagem de mulheres que estabeleciam pactos com o demônio através do prazer do sexo, que ganhavam poderes mágicos de causar doenças aos homens, crianças, animais e de levar pragas às colheitas. Eram as bruxas que nas madrugadas voavam pelas aldeias e vilas montadas em vassouras e realizavam cultos pagãos dentro dos bosques.

A perseguição e julgamento das mulheres acusadas de bruxaria eram realizados pela instituição eclesiástica conhecida como o Tribunal do Santo Ofício ou, apenas, Inquisição. Naquele tempo de transição entre sistemas econômicos, do modelo feudal para o capitalismo, a inquisição serviu como moduladora das massas que precisavam ser domesticadas para formar uma mão-de-obra dócil. Por isso, homens e mulheres morreram condenados pelos juízes religiosos da inquisição. Os homens eram acusados de heresia e as mulheres de bruxaria. Ocorre que o número de mulheres assassinadas foi muito maior que o de homens. Dos casos de condenação à morte, uma média de 75% eram de mulheres. Em alguns locais, como na Bélgica, as mulheres constituíram 90% dos processos. Estima-se que mais de 100 mil delas foram torturadas e queimadas.

Naquela época, o Papa Inocêncio VIII havia nomeado dois monges dominicanos, Heinrich Kramer e James Sprenger, para processar e julgar as acusações de feitiçaria na Alemanha. Estes dois monges escreveram em 1484 um manual que serviu de referência para os demais julgadores da Santa Inquisição. Esse documento recebeu o nome em latim de Malleus Maleficarum, que em português corresponde a "O Martelo das Feiticeiras". Esta obra funcionou durante 4 séculos como manual oficial do estado teocrático para realizar a caça às bruxas.

O Malleus Maleficarum se dividia em três partes. Na primeira, os dominicanos ensinavam aos juízes como reconhecer uma bruxa em suas atitudes e seus disfarces. Na segunda, explicava todos os males que as feiticeiras poderiam infligir através das bruxarias e encantamentos e sobre os métodos de proteção. Na última parte, traziam as formalidades do processo no que tange à inquirição e condenação das acusadas.

O fato da mulher ser o foco principal do tribunal residia num certo protagonismo que a mulher ainda trazia consigo de tempos imemoriais das sociedades humanas. O terror da inquisição resultaria, por consequência, em tornar o gênero feminino e o seu corpo submisso à nova ordem do patriarcado.

Na tradução brasileira do "Martelo das Feiticeiras", colocado no mercado pela Editora Rosa dos Ventos, há uma pequena introdução, muito interessante, concebida pela escritora e economista Rose Marie Muraro, que também foi uma reconhecida intelectual do movimento feminista brasileiro. Nesta introdução, a escritora traz o percurso histórico das sociedades humanas, quanto às relações entre gêneros, desde o surgimento do homem até o período moderno e a repercussão que os diversos arranjos sociais tiveram na concepção da imagem mental das divindades. Em períodos que a humanidade se organizou de forma matricêntrica as divindades supremas eram percebidas com formas femininas; por outro lado, quando passamos ao patriarcado a imagem do ser supremo passou a ter representação masculina.

Segundo Rose M. Muraro, durante todo o tempo que compreende  do surgimento do ser humano no planeta até os dias atuais, em boa parte as sociedades se constituíram de forma matriarcal. No vasto período de tempo antes do homem dominar as técnicas da fabricação de armas com pedras e madeira, tanto a mulher como o homem viviam de forma igualitária. Pois a economia de coleta e de caça de pequenos animais não importava na predominância de um dos sexos sobre o outro. Nesse período, o gênero masculino também ainda não havia entendido a sua participação na geração da vida. Por isso, a mulher ganhou um ar sagrado, pois ela era capaz de gerar a vida. A capacidade de gerar a vida era associada pelos primeiros grupos humanos ao poder de fertilizar o solo e os animais. Era um poder dado pelos deuses à mulher. Por isso, foi um período em que a mulher gozava de uma posição privilegiada no arranjo social.

Posteriormente, com a escassez de alimentos, houve a necessidade do ser humano dominar a construção de armas para realizar a caça de animais maiores e, também, para usá-las nos conflitos entre diversos grupos pela posse dos territórios de caça. Ao mesmo tempo, o homem entendeu a sua participação biológica na procriação. Neste momento ocorreu a distinção entre homens e mulheres, com prevalência do sexo masculino, que chegou até nossos dias. Iniciou-se o tempo do patriarcado.

Estudando as diversas manifestações religiosas da antiguidade, a autora conseguiu visualizar a modificação do discurso religioso conforme a sociedade se transformava. Nas tradições mais pretéritas, os mitos fundadores delegavam a uma deusa-mãe a criação do universo; como no caso da deusa Géia para os gregos e de Nanã Buruquê do mito Nagô, que originou o candomblé. Depois, há uma fase onde aparecem deuses andróginos, como no hinduísmo e no conceito do yin e yang chinês, onde os princípios masculino e feminino governavam o mundo em conjunto. Posteriormente, há uma nítida transição na questão do gênero divino em tradições onde a criação se inicia com uma deusa que vem a ser destronada por um deus masculino. Nestes, temos como exemplo a mitologia sumeriana em que a deusa Siduri reinava em um jardim das delícias sendo destronada pelo deus solar e, também, na tradição asteca a Mãe Terra, de nome Xoxiquetzl, é destronada pelo deus Huitzilopochtli. Por fim, a partir do segundo milênio antes de Cristo não se encontram mais registros de deusas mulheres na mitologia da criação. As tradições persa e cristã são exemplos.

Concluindo, seria muito edificante à humanidade se os sexos, feminino e masculino, convivessem em harmonia e cooperação, conforme prega a essência original da ideologia feminista que busca a igualdade entre os gêneros. Porém, se para alguns homens a palavra "feminismo" for o problema,  que sejamos, ao menos, humanistas.

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segunda-feira, 24 de julho de 2017

Bolsonaro apresentou projeto para criminalizar o comunismo. Entrando na fase da "limpeza" ideológica.



Foi proposto um projeto de lei que criminaliza o comunismo pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro. Segundo o político, o discurso e símbolos comunistas seriam considerados um fomento ao embate de classes sociais e passaria a figurar na lei antiterrorismo com penas de 2 a 5 anos de prisão e multa.

O dispositivo visa coibir um amplo espectro de hipóteses que estarão tipificadas como de apoio ao comunismo. Serão proibidas a fabricação, comercialização, distribuição ou veiculação de símbolos ou propagandas consideradas favoráveis ao comunismo.

Acredito que se tal monstrengo legislativo passar no Congresso Nacional, teremos o recolhimento de numerosas obras literárias a respeito da temática. Provavelmente serão proibidas a venda e posse de livros como  "O Manifesto do Partido Comunista". 

Professores de história, por exemplo, estarão em maus lençóis se possuírem tais obras em suas estantes. Particulares e bibliotecas talvez tenham que queimar seus livros. E, provavelmente, o tema terá de ser banido das aulas ou conduzido de forma a estabelecer o pensamento único.

Porém, de certa forma, isto demonstra um certo desespero em relação ao enfrentamento das ideias propostas por Marx e Engels ainda no século XIX. Quanto maior é a repressão mais se demonstra a fragilidade do status quo. 

Queimem as bruxas e os livros !

Matéria sobre a criminalização do comunismo no Brasil:

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sábado, 22 de julho de 2017

A crise global da meritocracia.


Meritocracia é uma palavra que foi utilizada pela primeira vez ou criada por Michael Young em seu livro "Rise of the Meritocracy", que vislumbrava uma organização social de um tempo futuro onde a posição social do indivíduo seria determinada pelo seu QI e esforço pessoal. Posteriormente, o termo passou a ser empregado tanto no meio empresarial, para justificar a ascensão da carreira dos empregados, quanto na esfera pública, usada para fundamentar o acesso ao serviço público por meio de concursos de provas. 

Houve um aprofundamento deste tipo de ideologia quando a meritocracia passou a critério usado pelos governos em relação às políticas públicas. Desta forma, beneficiando àqueles sobre os quais se acredita que são merecedores deste tratamento por conta de suas habilidades, inteligência e esforço.

Principalmente nos países de terceiro mundo,  onde as desigualdades sociais são abissais, fica mais evidente ao senso comum de que o sistema meritocrático é viciado e baseado em falsos pressupostos de igualdade formal e de oportunidade entre os indivíduos.

Uma dinâmica muito simples que pode ser feita em sala de aula para que a classe visualize a questão é aquela em que o professor propõe uma corrida entre ele e o aluno mais veloz escolhido pelos seus colegas. O vencedor será aquele que tocar primeiro na parede onde fica a janela, que está situada no lado oposto à parede da porta de entrada da sala. Só que os competidores, professor e aluno, partirão de pontos diferentes. O professor parte da porta de entrada e o aluno partirá do início do corredor de acesso às salas de aula. Será provável o aluno não aceitar o desafio sob estas condições. Se aceitar, o professor mesmo estando velho, gordo e com artrite em um dos joelhos irá bater primeiro. E o "mérito" da vitória é certamente do professor, pois correram sob as regras socialmente pactuadas.

No exemplo acima, o professor só perderá a prova por acidente, ou tendo uma queda ou mesmo sofrendo um infarto. Porém, esta vitória acidental do aluno seria o ponto fora da curva, algo eventual e pontual. Contudo, quando ocorre uma dessas situações meramente acidentais, na vida social e econômica, os meios de comunicação propagandeiam o feito como justificativa e legitimação do critério meritocrático. É claro que não são noticiados os inúmeros casos onde, mesmo se esforçando muito, as pessoas não conseguem reconhecimento e vida digna. Neste sentido, surgem algumas lendas urbanas como o do homem pobre que passou para o vestibular de medicina achando apostilas no lixo, dentre outras histórias fantásticas. A classe média é a principal destinatária deste discurso midiático. Por isso, ela passa a sentir tanta identificação com a agenda da elite financeira, pois acredita que com trabalho duro um dia se tornará integrante daquele seleto grupo. Só que os meios de comunicação não tornam claro que o número dos integrantes da classe média que tiveram um decréscimo no padrão de vida e se tornaram pobres é esmagadoramente maior do que os casos pontuais de alguns que se tornaram milionários.

Na Europa, finalmente, acontece que a "ficha está caindo" para boa parte da nova geração de cidadãos provenientes das classes médias que buscam reconhecimento profissional e posição social através dos estudos e do esforço. A chamada geração "milenium", daqueles perfeitamente adaptados às novas tecnologias e com educação formal de pós graduados, está desencantada e frustrada com o mercado de trabalho após as reformas trabalhistas, que geraram empregos com poucas garantias, baixa remuneração (incompatível com a expectativa gerada pelos estudos) e funções que não conduzem à satisfação pessoal. A preparação intelectual não está sendo correspondida pela nova realidade das relações de trabalho. De forma que na Espanha se fala que a próxima geração será a "nem nem", que nem trabalha e nem estuda. A taxa de desemprego na Espanha chegou a 40% , nos EUA os salários são os mais baixos dos últimos 30 anos e na Itália há quase que 5 milhões de desempregados em situação de pobreza absoluta.

O economista Guy Standing, professor na Universidade de Londres, criou o termo "precariado" para se referir a esta classe emergente em todo o mundo e que está sob a insegurança de empregos não permanentes e com pouquíssimas garantias trabalhistas. Em seu livro "A corrupção do capitalismo: por que rentistas prosperam e o trabalho não recompensa", ele analisa os motivos pelos quais hoje vivemos num sistema onde o trabalho duro e o talento não são premiados. Explica que isto teve origem na política econômica gestada nos anos 80 e 90 por economistas  de matriz neoliberal. Eles criaram um sistema rentista, baseado em direitos privados, que afastou a sociedade de uma verdadeira situação de mercado livre. Assim, a competição no mercado livre de trabalho é fictícia no capitalismo atual. Isto ocorre porquanto os proprietários do grande capital estão extraindo rendas do resto da economia e da sociedade. Como consequência, há pessoas super capacitadas e brilhantes compondo o precariado e, por outro lado, gente sem nenhum talento ganhando milhões.

As reformas trabalhistas que geraram esta grande frustração às novas gerações europeias estão chegando agora no Brasil e na América do Sul, juntamente com a onda conservadora. O Congresso Nacional aprovou a reforma trabalhista que retirou as garantias mínimas dos trabalhadores asseguradas pela CLT, prevendo a supremacia do negociado sobre o legislado, e ainda virá a reforma previdenciária. A população, em geral, não se deu conta de que a mesma lógica está sendo instalada por aqui. Acontece que esta elite rentista que tem interesse nas reformas se utiliza de um grande sistema difusor de ideias para obter o consenso e a adesão de ampla maioria da população em torno de sua agenda. Diariamente os grandes canais de televisão, as rádios, os tabloides, revistas e grandes sites jornalísticos fazem o papel de moldar as mentes da audiência.

Desta forma, resta a cada pessoa, cuja visão despertou para a realidade, fazer o papel de realizar estes contrapontos através das redes sociais, dos pequenos blogs, dos grupos e bate-papos, para nos entrincheirar nesta guerrilha da informação. 

Artigo sobre a reforma trabalhista no Brasil:
http://operamundi.uol.com.br/dialogosdosul/reforma-trabalhista-na-espanha-e-no-brasil/15072017/ 

Artigo sobre a pobreza na Itália:
http://exame.abril.com.br/economia/quase-5-milhoes-de-italianos-vivem-em-pobreza-absoluta/ 

Artigo sobre as consequências da reforma trabalhista na Espanha:
http://www.dmtemdebate.com.br/reforma-trabalhista-espanhola-faz-cinco-anos-assim-e-a-geracao-de-jovens-desencantados-que-ela-deixou/ 

Entrevista com o economista inglês Guy Standing:
http://www.ihu.unisinos.br/569536-estamos-rumo-a-um-sistema-onde-trabalho-duro-e-o-talento-nao-sao-premiados-afirma-guy-standing 

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sexta-feira, 21 de julho de 2017

Capitalismo selvagem e privatizações conseguiram transformar os mortos em consumidores.



O capital sempre necessita de uma área nova para explorar, sob pena de haver estagnação econômica. Essa nova área pode ser literalmente um espaço geográfico novo, que não era alcançado pelo grande capital, ou uma atividade que antes não era dominada mas que passa a sofrer dominação da economia de mercado.

Um exemplo clássico da competição capitalista por novas áreas de influência foi o processo de colonização efetuado no continente africano e na Ásia entre 1880 e 1914, que acabou precipitando a primeira guerra mundial. Esta foi notadamente uma guerra pela expansão de áreas de influência econômica (como a maioria das guerras, na verdade).

No entanto, como o globo terrestre é geograficamente limitado e  ainda não foram encontrados outros planetas habitados para explorar seu mercado, mão de obra e recursos naturais; então, para que haja a contínua expansão dos mercados dentro de um sistema fechado é necessário que o capital se debruce sobre novas áreas de atuação que antes não estavam sob a lógica do mercado. Uma das formas de se fazer isso é através do investimento em inovações. Por exemplo, a invenção do computador pessoal e programas como o Windows e a internet criaram um novo mercado que faz girar muito dinheiro. A outra forma é o capital pressionar os Estados para que retraiam sua atuação social e em áreas estratégicas e as deixem para a exploração privada. Neste ponto que surgem as tão famosas e decantadas privatizações.

Há muito tempo temos ouvido na grande imprensa várias vozes que asseveram que nossas vidas e a qualidade dos serviços melhorarão bastante se vários destes serviços prestados pelo governo passarem para a iniciativa privada. Nesta lógica, empresas como as telefônicas, a Embratel, a Vale do Rio Doce e muitas mais foram vendidas a grandes grupos privados de investimento. Não podemos nos esquecer da precarização das universidades públicas e da previdência social, que tem o mesmo objetivo.

Uma das últimas atividades privatizadas na cidade do Rio de Janeiro foi a administração dos cemitérios. E para a surpresa das famílias que têm seus entes queridos enterrados, todos estão sendo convocados pela empresa particular que venceu a licitação para fazer um cadastro dos jazigos, nichos e ossários para fim de cobrança anual de até R$500,00 por conta da manutenção dos mesmos. Assim, além das verbas de enterro, cremação, repasses do governo entre outras; agora, irão arrecadar cerca de 33 milhões de reais ao ano, segundo matéria do jornal O Dia, por transformar o cemitério numa espécie de condomínio. Muito provavelmente, mais para a frente a anuidade se tornará mensalidade. Acontece, que as famílias quando adquiriram seus jazigos (o mesmo para os nichos e ossários) já pagaram muito caro para que, justamente, ficassem perpetuamente com a família sem necessidade de novos pagamentos. Porém, toda a relação contratual anterior foi jogada fora e a nova administradora, privada, poderá "despejar" os entes das famílias que não aceitarem pagar à nova empresa pelo que já pagaram no passado.

Do jeito que a coisa vai, ninguém mais poderá dizer: "Descanse em paz" !

Matéria do Jornal O Dia sobre a privatização e cobrança nos cemitérios:
http://odia.ig.com.br/noticia/rio-de-janeiro/2015-07-20/cemiterios-vao-cobrar-de-proprietarios-taxas-de-ate-r-500-pelos-jazigos.html

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quarta-feira, 19 de julho de 2017

A história documentada sobre uma aguardada invasão alien durante a ditadura militar brasileira.


Quando deu 5 horas da madrugada do dia 8 de março de 1980, naves extraterrestres provenientes de Júpiter estariam aterrisando na pequena cidade de Casimiro de Abreu, no Estado do Rio de Janeiro. Esta foi a previsão feita pelo senhor Edílcio Barbosa, que se apresentava como um contato entre os homens e os jupiterianos. Ele ficou conhecido pela alcunha de "o mensageiro de Júpiter". Esta seria mais uma estória comum sobre discos voadores se não fosse a dimensão que alcançou naquela época. 

Não se sabe se por mera brincadeira ou por algum fenômeno psicológico coletivo que muitas pessoas da cidade, que ouviam as previsões de Edílcio, começaram a visualizar luzes e objetos estranhos no céu noturno do município. Houve relatos de quem viu os discos durante o dia em pastos das fazendas vizinhas. A narrativa foi tomando cada vez mais força até a marcação da data e hora que os seres do planeta vizinho viriam fazer contato ou invadir. 

Milhares de pessoas lotaram a pequena cidade naquele dia 08 de março. A imprensa brasileira e a internacional enviaram equipes. Rede Globo, Estadão, canadenses, americanos, argentinos e uruguaios estavam presentes para o que prometia ser um dia inesquecível para a humanidade.

A prefeitura da cidade resolveu tomar medidas protocolares para quando se recebe uma altíssima autoridade nacional ou internacional. O cerimonial da prefeitura organizou uma recepção com desfile em carro aberto no carro do corpo de bombeiros e um café da manhã com os visitantes no salão nobre da prefeitura. O mais curioso é que o senhor prefeito realizou, com as verbas da prefeitura, a aquisição de uma enciclopédia Barsa para presentear os viajantes espaciais. 

Ocorre que o horário passou e as naves não apareceram. Segundo Edílcio, por conta da grande aglomeração de pessoas a comitiva de Júpiter desistiu do pouso. Em terra, a frustração deu lugar a uma grande brincadeira com gaivotas de papel e aplausos até para passarinhos que surgiam voando !

Eu gostaria de saber que fim levou a enciclopédia ! A Barsa era uma das melhores enciclopédias da época, junto com a Britânica. O valor para comprar uma era alto. Só classe média e alta poderiam ter uma dessas. Espero que tenham doado a obra para um colégio público da cidade.

 A ciência não pode afirmar e nem negar absolutamente que exista vida em outros pontos do universo. Se este fenômeno (surgimento da vida) ocorreu no planeta Terra, possivelmente se repete em outros sistemas planetários. Os entusiastas pela vida extraterrestre elaboraram a equação de Drake, desenvolvida para calcular a quantidade de civilizações capazes de emitirem sinais de rádio. Há cientistas que creem na vida em outros mundos mas não em contatos de ovnis. Era o caso do falecido diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, professor Ronaldo Mourão. Ele afirmava ser possível haver vida, mas que as distâncias astronômicas impossibilitavam contato entre elas seja por meio de qual tecnologia fosse.

Esses videntes ou contatos terrestres de seres alienígenas possuem características semelhantes às de figuras que ficaram conhecidas na história como líderes messiânicos, tais como Jacobina Mentz, Padre Cícero, Antônio Conselheiro, o monge José Maria,  Senhorinho e outros. Todos possuem uma grande capacidade de mobilização popular. Contudo, as lideranças messiânicas religiosas influenciaram em organizações populares de resistência ao estado de opressão que o povo vivia. Por outro lado, os videntes que conversam com alienígenas apenas mobilizam em torno da aparição, sem consequências maiores nos arranjos sociais. Porém, no aspecto psicológico escapista, de fuga da realidade, há uma certa proximidade entre ambos.

Aliás, esta é uma das explicações sociopsicológicas para o fato de tanta gente ter acreditado em Edílcio. O Brasil vivia a época de opressão do regime militar. Neste contexto, imaginar algo que transcendia à realidade política do país trazia esperança de mudanças. 

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Abaixo o vídeo com o documentário "Efeito Casimiro", que conta a história deste artigo: