O monarca francês Luiz XIV, no século XVII, foi o autor da famosa frase que sintetiza o período absolutista: L'Etat c'est moi" ( o Estado sou eu ). Talvez tenha sido o soberano que de forma mais aberta tratou o Estado como uma ficção jurídica e real. Afinal, não importava o povo ou as instituições do governo francês. O que importava era unicamente a sua vontade.
A expressão "ficção jurídica" é um conceito formulado pela ciência do direito. Temos uma ficção jurídica quando o universo jurídico realiza uma interpretação dos fatos diversa do que se vê na realidade. A atual discussão sobre a "pejotização" exemplifica bem esse tema. Passam a reconhecer o trabalhador como uma empresa individual. Contudo, na verdade é um trabalhador comum. O tratamento de empresa individual satisfaz o interesse econômico do mercado. O jurista alemão Rudolf Von Jhering definia a ficção jurídica como uma mentira técnica consagrada pela necessidade.
Um país não deixa de constituir uma ficção jurídica. O que temos na prática são pessoas vivendo nas diversas áreas do planeta. E por uma ficção jurídica se reconhece que uma determinada porção de terra, habitada por uma sociedade dotada de uma certa identidade cultural e que forma uma nação, com governo soberano, trata-se de uma pessoa jurídica de direito internacional.
No entanto, a atual situação da política brasileira nos remete a refletir se o Brasil não passa do plano da ficção em todos os sentidos. É de se ver que está muito difícil de encontrar os elementos formadores da identidade nacional no país. Só o futebol e a seleção não são o bastante. Vivemos numa sociedade fragmentada e partida em vários planos. A tentativa de se criar uma mentalidade nacionalista com a criação dos heróis da pátria, usando figuras como Caxias e outros, definitivamente não logrou êxito.
E a nossa suposta soberania parece algo que se desfaz como bolha de sabão frente aos grandes interesses internacionais. É com extrema facilidade que grupos internacionais conseguem mudar os rumos do país. Além de conseguirem facilmente acesso às riquezas naturais dentro de nossos limites territoriais. O exemplo mais atual foi a pressão pelos poços petrolíferos do pré sal.
Irei postar a seguir um texto elaborado pelo economista e professor da FGV - Luiz Carlos Bresser-Pereira - que tangencia esta questão :
Um país não deixa de constituir uma ficção jurídica. O que temos na prática são pessoas vivendo nas diversas áreas do planeta. E por uma ficção jurídica se reconhece que uma determinada porção de terra, habitada por uma sociedade dotada de uma certa identidade cultural e que forma uma nação, com governo soberano, trata-se de uma pessoa jurídica de direito internacional.
No entanto, a atual situação da política brasileira nos remete a refletir se o Brasil não passa do plano da ficção em todos os sentidos. É de se ver que está muito difícil de encontrar os elementos formadores da identidade nacional no país. Só o futebol e a seleção não são o bastante. Vivemos numa sociedade fragmentada e partida em vários planos. A tentativa de se criar uma mentalidade nacionalista com a criação dos heróis da pátria, usando figuras como Caxias e outros, definitivamente não logrou êxito.
E a nossa suposta soberania parece algo que se desfaz como bolha de sabão frente aos grandes interesses internacionais. É com extrema facilidade que grupos internacionais conseguem mudar os rumos do país. Além de conseguirem facilmente acesso às riquezas naturais dentro de nossos limites territoriais. O exemplo mais atual foi a pressão pelos poços petrolíferos do pré sal.
Irei postar a seguir um texto elaborado pelo economista e professor da FGV - Luiz Carlos Bresser-Pereira - que tangencia esta questão :
"Nação e vergonha.
Nunca a nação brasileira esteve tão mal quanto está hoje. Nada é mais importante para um povo do que se transformar em nação, ocupar um território, construir um Estado, e, assim, contar com uma instituição política para realizar seus objetivos de segurança, liberdade, bem-estar econômico, justiça social e proteção do ambiente. A nação é a sociedade política básica, e o Estado, seu instrumento de ação coletiva por excelência. Por isso os povos lutam tanto para formar seu estado-nação – a unidade político-territorial soberana constituída por uma nação, um território e um Estado.
Uma nação é forte ou fraca conforme seus membros partilhem de uma história e um destino comum, e conforme seja mais, ou menos, coesa e solidária. Contra a coesão e a solidariedade de cada nação agem forças internas – o conflito de classes que será tanto maior quanto for a desigualdade entre as famílias, – e forças externas: o poder imperial das nações mais fortes econômica e culturalmente, que buscam mantê-la subordinada, incapaz de competir na cena internacional.
A última vez que a nação brasileira foi forte – solidária e independente – foi nos anos 1980 quando ocorreu a transição democrática, quando os brasileiros se uniram, comprometeram-se com a democracia e a diminuição das desigualdades, e aprovaram a Constituição de 1988. Nos anos seguintes o país avançou nesses dois pontos, mas o desenvolvimento econômico, que parecia garantido porque fora muito grande entre 1930 e 1980, deixou de acontecer.
Entre 1930 e 1990 o Brasil foi governado por uma coalizão de classes desenvolvimentista e nacionalista formada por empresários, trabalhadores e a burocracia pública; desde 1990, está subordinada a uma coalizão liberal e dependente formada por capitalistas rentistas, financistas, classe média tradicional e interesses estrangeiros.
Os governos liberais de Collor e de Cardoso instalaram no país o atual regime de política econômica liberal; os governos petistas de Lula e Dilma tentaram mudar este quadro, mas fracassaram; lograram apenas uma melhoria na distribuição de renda.
Em 1990, com a abertura comercial e a desmontagem do mecanismo que mantinha a taxa de câmbio competitiva, as empresas industriais deixaram de poder competir internacionalmente e desencadeou-se um processo de desindustrialização e baixo crescimento. Não bastasse essa nova dependência, depois de muitos anos de autonomia nacional, o sistema eleitoral proporcional de listas abertas encareceu brutalmente as campanhas políticas, e levou os políticos a mergulharem em um sistema político-empresarial de corrupção de grandes proporções. Para completar, dada a incompetência demonstrada pela presidente Dilma Rousseff e o autoritarismo das elites econômicas oligárquico-liberais, em 2016 um golpe de Estado feriu a democracia brasileira, ao mesmo tempo em que entregou o país a uma quadrilha encastelada no Palácio do Planalto.
Que dizem os brasileiros disso tudo? Estão envergonhados, profundamente envergonhados. Segundo pesquisa do Datafolha, 47% dos entrevistados têm mais vergonha do que orgulho de serem brasileiros. Houve um aumento brusco desse sentimento que, em dezembro passado, já atingia um número elevado, 28% dos brasileiros.
Nunca, repito, a nação brasileira esteve tão fraca e dividida; nunca o liberalismo e a dependência pesaram tanto quanto hoje; nunca tantos brasileiros foram desempregados; nunca estiveram tão sem perspectivas, tanto à direita quanto à esquerda. Nunca foi mais importante que repensemos nossa vida social, recuperemos nossa autonomia nacional, e construamos um projeto de nação independente, democrático, desenvolvimentista, social e ambiental."
Nunca a nação brasileira esteve tão mal quanto está hoje. Nada é mais importante para um povo do que se transformar em nação, ocupar um território, construir um Estado, e, assim, contar com uma instituição política para realizar seus objetivos de segurança, liberdade, bem-estar econômico, justiça social e proteção do ambiente. A nação é a sociedade política básica, e o Estado, seu instrumento de ação coletiva por excelência. Por isso os povos lutam tanto para formar seu estado-nação – a unidade político-territorial soberana constituída por uma nação, um território e um Estado.
Uma nação é forte ou fraca conforme seus membros partilhem de uma história e um destino comum, e conforme seja mais, ou menos, coesa e solidária. Contra a coesão e a solidariedade de cada nação agem forças internas – o conflito de classes que será tanto maior quanto for a desigualdade entre as famílias, – e forças externas: o poder imperial das nações mais fortes econômica e culturalmente, que buscam mantê-la subordinada, incapaz de competir na cena internacional.
A última vez que a nação brasileira foi forte – solidária e independente – foi nos anos 1980 quando ocorreu a transição democrática, quando os brasileiros se uniram, comprometeram-se com a democracia e a diminuição das desigualdades, e aprovaram a Constituição de 1988. Nos anos seguintes o país avançou nesses dois pontos, mas o desenvolvimento econômico, que parecia garantido porque fora muito grande entre 1930 e 1980, deixou de acontecer.
Entre 1930 e 1990 o Brasil foi governado por uma coalizão de classes desenvolvimentista e nacionalista formada por empresários, trabalhadores e a burocracia pública; desde 1990, está subordinada a uma coalizão liberal e dependente formada por capitalistas rentistas, financistas, classe média tradicional e interesses estrangeiros.
Os governos liberais de Collor e de Cardoso instalaram no país o atual regime de política econômica liberal; os governos petistas de Lula e Dilma tentaram mudar este quadro, mas fracassaram; lograram apenas uma melhoria na distribuição de renda.
Em 1990, com a abertura comercial e a desmontagem do mecanismo que mantinha a taxa de câmbio competitiva, as empresas industriais deixaram de poder competir internacionalmente e desencadeou-se um processo de desindustrialização e baixo crescimento. Não bastasse essa nova dependência, depois de muitos anos de autonomia nacional, o sistema eleitoral proporcional de listas abertas encareceu brutalmente as campanhas políticas, e levou os políticos a mergulharem em um sistema político-empresarial de corrupção de grandes proporções. Para completar, dada a incompetência demonstrada pela presidente Dilma Rousseff e o autoritarismo das elites econômicas oligárquico-liberais, em 2016 um golpe de Estado feriu a democracia brasileira, ao mesmo tempo em que entregou o país a uma quadrilha encastelada no Palácio do Planalto.
Que dizem os brasileiros disso tudo? Estão envergonhados, profundamente envergonhados. Segundo pesquisa do Datafolha, 47% dos entrevistados têm mais vergonha do que orgulho de serem brasileiros. Houve um aumento brusco desse sentimento que, em dezembro passado, já atingia um número elevado, 28% dos brasileiros.
Nunca, repito, a nação brasileira esteve tão fraca e dividida; nunca o liberalismo e a dependência pesaram tanto quanto hoje; nunca tantos brasileiros foram desempregados; nunca estiveram tão sem perspectivas, tanto à direita quanto à esquerda. Nunca foi mais importante que repensemos nossa vida social, recuperemos nossa autonomia nacional, e construamos um projeto de nação independente, democrático, desenvolvimentista, social e ambiental."
Página do professor Bresser Pereira:
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