quarta-feira, 19 de abril de 2017

Luta de classes estereotipada no filme "Setembro em Shiraz".


Esta semana a tv fechada iniciou a exibição da película "Setembro em Shiraz". Tendo Adrian Brody e Shohreh Aghdashloo estrelando como protagonistas da estória. Mostra as agruras de uma família judia de classe alta iraniana, moradores na cidade de Shiraz ( que também pode ser grafada como Xiraz ou Chiraz), à época dos acontecimentos que desencadearam a revolução iraniana. O título do filme provavelmente faz uma referência à sexta feira negra, ocorrida em 8 de setembro de 1978, quando o regime do Xá perpetrou um massacre, através do exército, contra os opositores.

O ator Adrian Brody, diga-se de passagem, deve estar resgatando algum tipo de carma cinematográfico ainda não catalogado pelos nossos amigos kardecistas. Pois através de sua trajetória cinematográfica já foi perseguido pelos cruéis nazistas, por um gorila ciumento gigante e, agora, por revolucionários islâmicos ferozes.

O recorte histórico em tela compreendeu a convergência de múltiplos fatores; ou seja, a revolução iraniana foi resultado de um leque multifacetado de motivações que, num dado momento histórico, se convergiram a favor da liderança religiosa do aiatolá Khomeini. Este foi contrario ao, então, governo dos Xás, na época comandado pelo Xá Reza Pahlevi.

Entre os diversos fatores envolvidos na revolução iraniana podemos elencar fatores políticos, religiosos e culturais. A questão política, com a mudança do regime, caindo a monarquia que foi substituída por uma república islâmica. Destaque-se a importante questão religiosa que envolveu este processo, levando o país para uma teocracia. Ainda a tensão no campo da identidade cultural, com a ocidentalização na cultura e costumes por conta da aproximação com os Estados Unidos e Europa promovida pelas políticas do governo monárquico. Por fim, não menos importante, o fator econômico e social que teve na "revolução branca", uma suposta modernização imposta pelo Xá Reza Pahlevi, a desastrosa consequência de arruinar a vida de milhões de camponeses, que precisaram abandonar os campos e migrar em direção às grandes cidades onde houve um intenso processo de favelização.

A visão hollywoodiana de "Setembro em  Shiraz", entretanto, quase que resume este contexto, através da narrativa das falas dos personagens, à questão socioeconômica, com a luta entre classes ocorrendo em meio à revolução. É verdade que no cinema a narrativa não se dá apenas pela oralidade dos personagens. Há uma diversidade de elementos cenográficos propondo narrativas paralelas aos textos das falas. Através da observação destes diversos elementos cenográficos, outros fatores, além do social, são sugeridos ao telespectador mais atento. Por exemplo, logo no início do filme, a festa promovida pelos personagens de Adrian Brody e Shohreh Aghdashloo, em sua pomposa casa, com música de discoteca americana e a postura dos costumes destes personagens e seus convidados, como suas roupas mais "modernas", contrastam com a postura e vestimenta da empregada da casa, que se apresenta de forma mais recatada, indicando as tensões nos costumes entre a população mais apegada aos preceitos religiosos e a elite com maior abertura ao ocidente. Da mesma forma, o pronome de tratamento - irmão - utilizado entre os personagens ligados à revolução denota a forte presença da questão religiosa no processo revolucionário. A política é rapidamente mencionada quando, na prisão, o personagem de Adrian Brody é torturado e interrogado sobre suas supostas relações com o Xá. Porém, o que fica mesmo marcado como justificativa da trama é o enfrentamento entre classes. Sequer o fato de se tratar de uma família judia em meio a uma revolução em país de ampla maioria islâmica se torna um argumento notado.

De fato, a degeneração do tecido social com grande pobreza e altíssimas taxas de inflação foi o principal combustível da revolução.  Esta foi a conjuntura que levou o povo a formar junto aos revolucionários. Não há revolução sem o apoio popular. O apelo popular cria o ambiente para que forças distintas estejam lado a lado na primeira fase da revolução iraniana. Nesta fase, intelectuais islâmicos de esquerda, setores liberais e religiosos fundamentalistas se uniram contra a monarquia de Reza Pahlevi. Num segundo momento, os aiatolás tomam o poder, quando há o afastamento entre esses grupos políticos.

Desta forma, não há problema quando o filme torna a questão social o argumento central do desenvolvimento da trama. Sequer o ambiente de violência seria de se criticar, pois como já disse o historiador Leandro Karnal, em uma de suas muitas palestras, a violência é intrínseca aos processos revolucionários. A manipulação  ocorre quando os principais personagens da trama que sustentam, de início, uma narrativa de luta por justiça social, depois se revelam de moral duvidosa. Fica evidente que agem contra os personagens abastados por questão de revanchismo. Sugerindo a narrativa daqueles que não tiveram competência para se estabelecer e aproveitam a conjuntura para espoliar a propriedade dos que trabalharam duro para vencer na vida por seus méritos pessoais. E o casal que simboliza a elite passa por tudo com muita dignidade e, ao final, ainda mostram um grande gesto de generosidade para com a mãe daquele personagem que fazia o discurso social mas que agia sem princípios, ao doar sua mansão para ela. Este tipo de reducionismo imprime uma mensagem na mente dos telespectadores, que não possuem o conhecimento para fazer o discernimento histórico e crítico da narrativa, que tenta criminalizar o ativismo social.

A revolução iraniana foi uma das mais importantes revoluções populares da história da humanidade. Comparada à revolução francesa e russa, mas pouco estudada em nossas escolas e faculdades. O filme pode ajudar a levantar o debate e o interesse. Mas sempre com olhar crítico para as construções realizadas na tela.

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Referências bibliográficas:

Coggiola, Osvaldo. A Revolução Iraniana. 2.ed. São Paulo: Editora Unesp, 2008.

Demant, Peter. O Mundo Muçulmano.  3.ed. São Paulo: Contexto, 2011.



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