domingo, 16 de abril de 2017

A nova hierarquia escolar e a precarização da universidade pública.



De tempos em tempos ocorre uma reorganização de setores sociais conforme vão evoluindo as alterações políticas e econômicas. No Brasil, em regra, essa nova organização é fruto do aprofundamento da concentração de riquezas e o consequente aumento do hiato social entre classes.

Neste sentido, podemos pensar, por exemplo, nas populações rurais, tanto os grandes donos de terra quanto o pequeno agricultor e o camponês sem terra. Era comum, até às primeiras décadas do século passado, em meados de 1920 e 1930, que boa parte das famílias dos abastados fazendeiros ainda morassem na região rural, nas majestosas sedes das fazendas. Conforme avançava para a metade do século, as famílias desses proprietários rurais se deslocam para as cidades, primeiro cidades de médio porte e, depois, para as capitais. Os filhos dos fazendeiros passariam a frequentar os colégios mais tradicionais do país. Posteriormente, caminhando para as décadas finais do século XX, nos anos 80 e 90, acelerando após a entrada do século XXI,  essas famílias passam a dividir sua residência nas grandes capitais do país com casas adquiridas no exterior, na maioria em estados americanos como a Flórida. Esse movimento em direção aos Estados Unidos também é notado no seio familiar de grupos que auferem grandes lucros em outros ramos de atividades, tais como comercial, industrial ou artístico. Por outro lado, boa parte do campesinato sem terra e de pequenos proprietários que acabam engolidos pelos latifúndios, também realizam um movimento migratório para as grandes cidades brasileiras. Contudo, não aproveitarão os benefícios dos grandes centros urbanos. Seus filhos não frequentarão os caros colégios da capital. Esse exército de mão de obra expulso do campo irá adensar as grandes favelas brasileiras.

Desta forma, o campo educacional também foi se reorientando segundo as novas demandas advindas destes movimentos populacionais gerados pelos novos contextos econômicos. Os caros e tradicionais colégios fundados nas principais cidades do país  vieram atender a esta demanda de famílias com grande capacidade financeira concentrada nas melhores cidades e, também, para os filhos de uma classe média mais qualificada geralmente proveniente da burocracia pública. Um grande investimento foi realizado para a construção de universidades públicas de excelência, nas capitais, que atenderiam à demanda desses jovens afortunados A rede escolar pública se organizou para atender à baixa classe média e às camadas mais pobres da população. Para estes, o nível universitário era um sonho distante.

Atualmente, começamos a presenciar uma nova configuração do sistema tomando forma, com mudanças rápidas em todos os níveis da educação.

Surgem, no Rio de Janeiro e São Paulo, colégios estrangeiros, geralmente com sedes na Inglaterra ou EUA, voltados para a nata mais elitizada da nossa sociedade. Trazendo uma grade curricular compatível com a daqueles países e cobrando mensalidades astronômicas por aluno. A maioria das aulas são ministradas na língua inglesa. Dão aos seus alunos a possibilidade de realizar seus estudos colegiais parte no Brasil e parte no exterior, uma vez que as grades são compatíveis. E o mais importante, o objetivo destes jovens estudantes é de realizar sua formação acadêmica naqueles países. As futuras gerações dirigentes do Brasil sairão, muito provavelmente, deste leque de formandos nas universidades britânicas e americanas.

Neste ponto, entra o drama atual das universidades públicas brasileiras. Na época em que foram erigidas houve pesados investimentos para a formação de cursos de excelência porquanto o alvo era atender as necessidades das ricas famílias em dar uma formação de altíssimo nível aos seus filhos. Tanto que sempre foi sabida a dificuldade para um jovem de família pacata ingressar nos cursos das mais afamadas universidades do nosso país. Agora, por outro lado, como o recorte social mais abastado da sociedade está se preparando para tirar o diploma acadêmico no exterior, perde-se a original demanda por uma universidade pública de ponta. Afinal, os setores da alta classe média poderão pagar  por uma universidade privada. E, por isso, também estão surgindo diversos polos universitários privados com boa qualidade de ensino, além das já tradicionais universidades pontifícias da igreja.  As classes médias mais baixas e os setores pobres que desejarem um grau superior acabarão ou em universidades particulares de baixo padrão ou nas precarizadas universidades públicas.

Neste contexto, há que se dizer que poderá ocorrer um ou outro destino para nossas universidades públicas, Numa alternativa se manterão públicas mas com ensino precarizado e os professores passando por um processo de proletarização como já ocorreu com o corpo docente das escolas públicas. Noutra, a privatização das universidades públicas para concorrerem pelos alunos das classes médias mais abastadas.

Hierarquia parecida ocorrerá dentre os diversos equipamentos educacionais à disposição. Os colégios bilíngues estrangeiros recepcionarão o aluno do mais alto padrão financeiro. Os antigos colégios tradicionais acabarão voltados para as classes médias altas. A rede particular mais precária para a baixa classe média. E a rede pública para a grande população em geral e cada vez mais precarizada nas estrutura e no material humano.

Concluindo, o mais dramático que vemos diante deste quadro é a mobilização dos professores das escolas públicas gritando para travar esta engrenagem e exigir condições dignas para trabalhar e formar alunos aptos para o mercado e a vida cidadã. Algo que muitos professores das famosas universidades públicas ainda não conseguiram vislumbrar como um problema deles ou, que ao menos, bate à sua porta. A cereja do bolo é ver a atuação policial descendo a pancada nos professores. Professores, que ao final, estão brigando para oferecer uma educação decente também para o filho do policial. Em regra, os filhos dos policiais fazem parte do corpo discente dos colégios públicos. E o policial bate no professor que está pedindo melhores condições para a educação. No final das contas, o policial está batendo para que a educação continue nesta espiral de degradação e que seu filho não tenha a menor condição de realizar a famosa competição "meritocrática" na futura sociedade brasileira que se avizinha.

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