sábado, 31 de março de 2018

Charles Darwin previu que não dá para ser cristão e fascista ao mesmo tempo.


O Brasil atual é um país que vem flertando muito de perto com o fascismo. Cresce a cada dia os discursos de ódio, a intolerância em relação aos diferentes e preconceitos dos mais diversos tipos. Esta tendência parece culminar na mais violenta campanha política de todos os tempos na próxima eleição de 2018. Como exemplos lamentáveis temos a execução, por vários tiros, da vereadora Marielle Franco e, depois, outros tiros contra os ônibus de uma caravana que conduzia dois ex-presidentes da república.

O que mais nos causa arrepio é uma parcela de gente que apresenta atitudes extremamente fascistoides e, ao mesmo tempo, se identificam como profundamente cristãs e temente a Deus.

Noutro dia, por exemplo, um deputado federal, que também se apresenta como pastor e líder espiritual de uma denominação religiosa, era entrevistado num programa de rádio quando surgiu o tema do assassinado da vereadora Marielle Franco. Então, o citado pastor fez uma intervenção, em tom de deboche, dizendo que houve tiros contra a cabeça de um esquerdista e que ele demorou dias para morrer, porque a bala demorou a encontrar o cérebro. Uma das participantes do programa, ao ouvir tal disparate, principalmente vindo da parte de alguém que se coloca como sacerdote cristão, disse que desejava saber o endereço da igreja dele para nunca ir lá.

No youtube, vemos  vários ativistas políticos que misturam discurso de ódio aos opositores com fundamentalismo religioso. Dizem que são verdadeiros cristãos, mas divulgam ódio e intolerância pela rede. Promovem perseguições no ambiente digital a quem pensa diferente. Estimulam seus seguidores a atacarem quem expõe pensamento diverso. São intolerantes e preconceituosos, mas tentam provar que são bons cristãos porque doaram alguns trocados para alguma instituição de caridade.

Parece que este padrão de comportamento, que mistura extrema intolerância e ódio com o discurso do bom cristão, encontra terreno fértil em países que na sua história apresenta uma herança escravocrata. A exploração da mão-de-obra escrava desumanizava os indivíduos que se encontravam na posição de cativos. O discurso religioso da época dizia, inclusive, que o escravo não possuía alma e o estatuto jurídico o colocava como um bem da fazenda, como os demais animais semoventes. Os senhores e senhoras de terras eram pessoas respeitadas na sociedade escravista, eram notadas nas missas dominicais e doavam uma boa quantia à igreja; mas tratavam seus trabalhadores com notória desumanidade.

Os movimentos fascistas tiveram início na Itália e ganharam espaço no início do século XX. Despontaram, notadamente, a partir do final da primeira guerra mundial. Segundo o historiador Francisco José C. Falcon, é a própria estrutura do capitalismo em crise que determina o surgimento do fascismo. Verificava-se no interior do capitalismo monopolista uma intervenção cada vez maior do Estado, levando ao que ficou conhecido como "capitalismo monopolista de Estado". A crise, além de econômica, também era política, com o Estado liberal sendo contestado.

Como se depreende do parágrafo acima, não podemos correlacionar a violência contra escravos, no período da história do Brasil colonial e imperial, aos acontecimentos que ocorreram na Europa dominada pelos regimes fascistas. Isto seria incidir em sério anacronismo. A violência  contra os negros advinha do estatuto do trabalho escravo, enquanto na Europa a perseguição às minorias se dava por políticas de Estado que tinham parâmetros xenófobos de limpeza étnica e nacionalismo.

Porém, o que se pretende colocar é que em países de tradição pretérita escravista houve uma herança, que gerou permanências culturais, que facilitam a penetração dos discursos fascistoides entre pessoas que se identificam como cristãs "de carteirinha". Sendo que isto ainda ocorre atualmente.

No século XIX, o naturalista inglês Charles Darwin, idealizador da teoria da evolução das espécies (juntamente com Wallace), participou da viagem de 5 anos do navio Beagle para realizar pesquisas geográficas e de história natural pelo mundo. Em sua estada no Brasil, Darwin mostrou desconforto, numa carta, com a situação do tratamento auferido aos escravos, cujo trecho reproduzimos a seguir:

 " No dia 19 de agosto deixamos finalmente as costas do Brasil. Dou graças a Deus, e espero nunca mais visitar um país de escravos. Até o dia de hoje, sempre ouço um grito distante, lembro-me vivamente do momento doloroso que senti quando passei por uma casa em Pernambuco (Recife). Ouvi os mais angustiosos gemidos, e não tenho dúvida nenhuma de que algum miserável escravo estava sendo torturado. Entretanto, sentia-me tão impotente quanto uma criança, até mesmo para dar demonstrações. Julguei que os gemidos partiam de um escravo trucidado, pois me disseram ser esse o caso, em outra ocasião. No Rio de Janeiro, morei em frente de uma velha senhora que possuía parafusos para comprimir os dedos de suas escravas. Estive numa casa onde um jovem mulato sofria, diariamente e a cada hora, aviltamentos, castigos e perseguições suficientes para despedaçar o espírito mesmo do animal mais desgraçado. E esses atos são praticados por homens que professam amar ao próximo como a si mesmos, que dizem crer em Deus e oram para que Sua vontade se faça sobre a Terra."

Não há como deixar de fazer uma conexão  entre as palavras de Darwin com o discurso de uma senadora brasileira que disse que seus adversários políticos deveriam ser postos a correr debaixo de relhos (chicotes).

A carta de Darwin denota um cientista que não está distanciado das questões humanitárias. Apresenta uma grande sensibilidade e humanidade. Provavelmente, potencializada durante os anos que estudou teologia na Universidade de Cambridge para se tornar pastor anglicano. No entanto, após completar o curso optou pela história natural e embarcou na histórica viagem do Beagle.

As teorias formuladas por Darwin acabaram se contrapondo à doutrina das igrejas cristãs. A igreja prega uma visão de mundo fixista, através do criacionismo, em que a natureza é imutável enquanto uma criação de Deus. Por outro lado, a teoria da evolução das espécies aponta para uma natureza em constante transformação.

As construções teóricas de Darwin  acabaram alterando a visão de mundo a partir de então. Foram utilizadas para dar suporte ideológico à nascente burguesia industrial, Neste sentido, Herbert Spencer foi o principal propagador do "darwinismo social britânico". Pregava que os indivíduos deveriam ser abandonados à própria sorte pelo Estado, pois na luta pela vida os mais aptos venceriam e produziriam o desenvolvimento da sociedade. Discurso muito semelhante ao que é veiculado pela atual extrema direita brasileira ao dizer que "não existe almoço grátis" e, assim, o Estado não deve investir em políticas sociais.

O que Darwin provavelmente não esperava é que sua obra também viesse, futuramente, a ser utilizada como fundamento das ideologias nazistas que pregavam a eugenia. Através da eugenia se defendia a suposta supremacia das raças mais aptas para o desenvolvimento social.

Referências Bibliográficas:

- BAUER; TALCOTT PARSONS; NOLTE; TREVOR-ROPER; WOOLF; FALCON. Coleção Leituras: História - fascismo. 1ªed. Rio de Janeiro: Editora Eldorado, 1974.

- BRAGA, Marcio; GUERRA, Andreia; REIS. José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, volume 4: a belle-époque da ciência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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