sábado, 31 de março de 2018

Charles Darwin previu que não dá para ser cristão e fascista ao mesmo tempo.


O Brasil atual é um país que vem flertando muito de perto com o fascismo. Cresce a cada dia os discursos de ódio, a intolerância em relação aos diferentes e preconceitos dos mais diversos tipos. Esta tendência parece culminar na mais violenta campanha política de todos os tempos na próxima eleição de 2018. Como exemplos lamentáveis temos a execução, por vários tiros, da vereadora Marielle Franco e, depois, outros tiros contra os ônibus de uma caravana que conduzia dois ex-presidentes da república.

O que mais nos causa arrepio é uma parcela de gente que apresenta atitudes extremamente fascistoides e, ao mesmo tempo, se identificam como profundamente cristãs e temente a Deus.

Noutro dia, por exemplo, um deputado federal, que também se apresenta como pastor e líder espiritual de uma denominação religiosa, era entrevistado num programa de rádio quando surgiu o tema do assassinado da vereadora Marielle Franco. Então, o citado pastor fez uma intervenção, em tom de deboche, dizendo que houve tiros contra a cabeça de um esquerdista e que ele demorou dias para morrer, porque a bala demorou a encontrar o cérebro. Uma das participantes do programa, ao ouvir tal disparate, principalmente vindo da parte de alguém que se coloca como sacerdote cristão, disse que desejava saber o endereço da igreja dele para nunca ir lá.

No youtube, vemos  vários ativistas políticos que misturam discurso de ódio aos opositores com fundamentalismo religioso. Dizem que são verdadeiros cristãos, mas divulgam ódio e intolerância pela rede. Promovem perseguições no ambiente digital a quem pensa diferente. Estimulam seus seguidores a atacarem quem expõe pensamento diverso. São intolerantes e preconceituosos, mas tentam provar que são bons cristãos porque doaram alguns trocados para alguma instituição de caridade.

Parece que este padrão de comportamento, que mistura extrema intolerância e ódio com o discurso do bom cristão, encontra terreno fértil em países que na sua história apresenta uma herança escravocrata. A exploração da mão-de-obra escrava desumanizava os indivíduos que se encontravam na posição de cativos. O discurso religioso da época dizia, inclusive, que o escravo não possuía alma e o estatuto jurídico o colocava como um bem da fazenda, como os demais animais semoventes. Os senhores e senhoras de terras eram pessoas respeitadas na sociedade escravista, eram notadas nas missas dominicais e doavam uma boa quantia à igreja; mas tratavam seus trabalhadores com notória desumanidade.

Os movimentos fascistas tiveram início na Itália e ganharam espaço no início do século XX. Despontaram, notadamente, a partir do final da primeira guerra mundial. Segundo o historiador Francisco José C. Falcon, é a própria estrutura do capitalismo em crise que determina o surgimento do fascismo. Verificava-se no interior do capitalismo monopolista uma intervenção cada vez maior do Estado, levando ao que ficou conhecido como "capitalismo monopolista de Estado". A crise, além de econômica, também era política, com o Estado liberal sendo contestado.

Como se depreende do parágrafo acima, não podemos correlacionar a violência contra escravos, no período da história do Brasil colonial e imperial, aos acontecimentos que ocorreram na Europa dominada pelos regimes fascistas. Isto seria incidir em sério anacronismo. A violência  contra os negros advinha do estatuto do trabalho escravo, enquanto na Europa a perseguição às minorias se dava por políticas de Estado que tinham parâmetros xenófobos de limpeza étnica e nacionalismo.

Porém, o que se pretende colocar é que em países de tradição pretérita escravista houve uma herança, que gerou permanências culturais, que facilitam a penetração dos discursos fascistoides entre pessoas que se identificam como cristãs "de carteirinha". Sendo que isto ainda ocorre atualmente.

No século XIX, o naturalista inglês Charles Darwin, idealizador da teoria da evolução das espécies (juntamente com Wallace), participou da viagem de 5 anos do navio Beagle para realizar pesquisas geográficas e de história natural pelo mundo. Em sua estada no Brasil, Darwin mostrou desconforto, numa carta, com a situação do tratamento auferido aos escravos, cujo trecho reproduzimos a seguir:

 " No dia 19 de agosto deixamos finalmente as costas do Brasil. Dou graças a Deus, e espero nunca mais visitar um país de escravos. Até o dia de hoje, sempre ouço um grito distante, lembro-me vivamente do momento doloroso que senti quando passei por uma casa em Pernambuco (Recife). Ouvi os mais angustiosos gemidos, e não tenho dúvida nenhuma de que algum miserável escravo estava sendo torturado. Entretanto, sentia-me tão impotente quanto uma criança, até mesmo para dar demonstrações. Julguei que os gemidos partiam de um escravo trucidado, pois me disseram ser esse o caso, em outra ocasião. No Rio de Janeiro, morei em frente de uma velha senhora que possuía parafusos para comprimir os dedos de suas escravas. Estive numa casa onde um jovem mulato sofria, diariamente e a cada hora, aviltamentos, castigos e perseguições suficientes para despedaçar o espírito mesmo do animal mais desgraçado. E esses atos são praticados por homens que professam amar ao próximo como a si mesmos, que dizem crer em Deus e oram para que Sua vontade se faça sobre a Terra."

Não há como deixar de fazer uma conexão  entre as palavras de Darwin com o discurso de uma senadora brasileira que disse que seus adversários políticos deveriam ser postos a correr debaixo de relhos (chicotes).

A carta de Darwin denota um cientista que não está distanciado das questões humanitárias. Apresenta uma grande sensibilidade e humanidade. Provavelmente, potencializada durante os anos que estudou teologia na Universidade de Cambridge para se tornar pastor anglicano. No entanto, após completar o curso optou pela história natural e embarcou na histórica viagem do Beagle.

As teorias formuladas por Darwin acabaram se contrapondo à doutrina das igrejas cristãs. A igreja prega uma visão de mundo fixista, através do criacionismo, em que a natureza é imutável enquanto uma criação de Deus. Por outro lado, a teoria da evolução das espécies aponta para uma natureza em constante transformação.

As construções teóricas de Darwin  acabaram alterando a visão de mundo a partir de então. Foram utilizadas para dar suporte ideológico à nascente burguesia industrial, Neste sentido, Herbert Spencer foi o principal propagador do "darwinismo social britânico". Pregava que os indivíduos deveriam ser abandonados à própria sorte pelo Estado, pois na luta pela vida os mais aptos venceriam e produziriam o desenvolvimento da sociedade. Discurso muito semelhante ao que é veiculado pela atual extrema direita brasileira ao dizer que "não existe almoço grátis" e, assim, o Estado não deve investir em políticas sociais.

O que Darwin provavelmente não esperava é que sua obra também viesse, futuramente, a ser utilizada como fundamento das ideologias nazistas que pregavam a eugenia. Através da eugenia se defendia a suposta supremacia das raças mais aptas para o desenvolvimento social.

Referências Bibliográficas:

- BAUER; TALCOTT PARSONS; NOLTE; TREVOR-ROPER; WOOLF; FALCON. Coleção Leituras: História - fascismo. 1ªed. Rio de Janeiro: Editora Eldorado, 1974.

- BRAGA, Marcio; GUERRA, Andreia; REIS. José Cláudio. Breve História da Ciência Moderna, volume 4: a belle-époque da ciência. 2ª ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

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segunda-feira, 26 de março de 2018

Para general, o problema do Brasil é o politicamente correto!



Neste último final de semana pude acompanhar a entrevista dada pelo General Eduardo Villas Boas ao programa Conexão Roberto D'Ávila, na rede de televisão fechada. O general é o atual comandante maior do exército brasileiro.

A entrevista versou sobre diversos temas, principalmente sobre questões nacionais e a intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro.

Num dado momento, o comandante filosofou sobre o que acredita ser um grande problema para o país. Dizia, então, que o problema reside na ideologia "politicamente correta".

Nunca gostei do termo "politicamente correto". Ele visa reduzir e simplificar um leque de questões muito complexas. E sempre que tentamos simplificar demais demandas complexas dá margem a críticas e discursos que desvirtuam estas temáticas.

Em regra, o que se convencionou chamar de "politicamente correto" é um esforço de inclusão dos mais diversos segmentos sociais, notadamente daqueles reconhecidos como minorias. Neste sentido, não dá para entender como que o "politicamente correto" poderia ser um problema. Ao contrário, é uma pauta civilizatória. Os contrários à inclusão seriam aqueles que desejam oprimir minorias, excluir os diferentes, ofender quem pensa de modo diverso, etc.

Então, o general expôs algumas pautas do que ele particularmente entende como "politicamente correto", citando o ambientalismo, o indigenismo e o racismo. Continuou discorrendo que quanto mais se fala em ambientalismo, mais ocorrem agressões ao meio ambiente. Quanto mais se fala na questão indígena, mais os índios são vitimados. E, da mesma forma, que ao se enfatizar o racismo dá margem para que ocorram ainda mais atos de racismo. Asseverou, inclusive, que hoje o Brasil, por conta do politicamente correto, está deixando de ser considerado um país mestiço para ser dividido entre brancos e pretos.

Ora, o nosso comandante repetiu um discurso enviesado que teve origem em setores da extrema direita. Sob esta ótica, se transfere o ônus das agressões para quem justamente denuncia a existência de tais preconceitos. Como se aqueles que se dedicam à defesa do meio ambiente fossem os responsáveis pelos latifundiários e madeireiros destruírem as florestas. os que lutam contra a intolerância religiosa fossem responsáveis por grupos de fanáticos que invadem e destroem templos, os sertanistas que defendem os povos indígenas contribuíssem para o assassinato dos índios pelos arrozeiros e assim por diante.

Provavelmente, o general e aquelas vozes da extrema direita preferissem que não houvesse grupos de defesa das minorias. Assim, qualquer agressão sofrida não seria denunciada como um ato contra uma minoria. A morte de um índio, por exemplo, seria apenas mais uma morte comum. Assim como querem fazer acreditar no caso da vereadora Marielle Franco. Como se não existisse intolerância e preconceitos de todo tipo em nossa sociedade

Ao transferir o ônus da agressão para quem defende as minorias, se esquecem que esses problemas todos existem estruturalmente em nosso país muito antes de cunharem a expressão "politicamente correto". Lembremos o caso da morte, por exemplo, de Chico Mendes, entre muitas outras.

Eu até simpatizo com a figura do general Villas Boas. Não sei se pela forma calma de se expressar ou se por conta do sobrenome que lembra os irmãos sertanistas que faziam sempre a defesa de nossos índios. Não sei se o general possui algum grau de parentesco com eles.

Contudo, esta fala do militar somada a outra, anterior, em que pedia carta branca para o exército na intervenção do Rio de Janeiro, para que a instituição não fosse posteriormente julgada, por abusos, em uma nova comissão da verdade, demonstram que nosso exército não conseguiu evoluir sua mentalidade do período do regime militar para cá.

Por ora, parece que as forças armadas não têm como contribuir para um projeto de nação, apenas como força de manutenção do status quo.

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quarta-feira, 21 de março de 2018

O malabarismo lógico irracional de Reinaldo Azevedo para transformar a morte de Marielle em propaganda para a intervenção militar.





Logo após a morte da vereadora Marielle Franco se iniciou uma maratona de reportagens nas televisões e revistas, análises nas rádios e vídeos na internet para tentar pautar o tema e suas consequências para a população ouvinte.

Essa é uma estratégia largamente usada pela direita conservadora que possui o domínio sobre os meios de comunicação. E num país onde a maioria da população não sabe ou não gosta de ler e pesquisar, a imagem passa a ter uma força muito grande na formação das opiniões.

Marielle Franco era notoriamente contrária à intervenção militar. Dizia com propriedade que as comunidades precisavam mais de lápis do que de fuzis. Contudo, os conservadores vêm transformando  a tragédia em ponto a favor de seus projetos de contenção da população através da força, enquanto esvaziam seus direitos mínimos, 

Em programa de televisão, que é transmitido em vídeo pelo youtube, o articulista Reinaldo Azevedo difundiu o mesmo pensamento que diversos extremistas de direita vêm divulgando em seus canais. Tentam convencer de que a pessoa ou pessoas que mataram a vereadora também são contrárias à intervenção. Por isso, escolheram matar uma autoridade para desmoralizar a intervenção.

Só que isto é uma falácia revestida de uma  lógica chinfrim. Primeiro, que ainda nem se sabe com absoluta certeza quem foram os autores. Nem sei se saberemos ao certo algum dia. Segundo, que se foi, como sugerem essas vozes, bandidos ligados ao tráfico com o intuito de desestabilizar a intervenção, jamais elegeriam umas das poucas políticas na câmara dos vereadores que também é contrária à intervenção. O lógico seria escolherem uma autoridade política a favor da intervenção. Ora, sendo os que defendem o fim da intervenção uma minoria, não seria inteligente tirar uma dessas vozes do tabuleiro político. Principalmente, uma que foi tão bem votada.

Assim, é bem capaz que esta "lógica" da rapaziada da direita funcione apenas na fantástica terra de Oz, onde espantalho anda, macaco voa e leão é medroso !

E não adianta usar aquela outra lógica de botequim que relaciona os políticos de esquerda aos traficantes pelo fato de ambos serem contrários à intervenção militar. Acontece que o bandido é contrário pois entende que irá atrapalhar suas atividades criminosas. A inteligência de esquerda é contrária por entender que essa estratégia é ineficiente para o combate ao crime em um país com severas desigualdades sociais.

Eu, que estou com meio século de vida, sou testemunha que a escalada da militarização e aumento da violência policial não funcionou. Minha avó contava que na época dela as ruas eram patrulhadas por uma dupla de policiais a pé ou em bicicleta que recebiam o apelido de "Cosme e Damião". Quando eles iniciavam a caminha numa rua davam algumas salvas de apitos para que os moradores soubessem da presença policial. Já ao tempo da minha infância, lembro que a polícia portava revólveres e andavam num fusquinha com sirene barulhenta que o povo chamava de "joaninha". Hoje, a polícia conta com carros blindados e armas de guerra (fuzis e metralhadoras). E nem por isso a sensação de insegurança é menor que naqueles velhos tempos, muito pelo contrário !

Desta forma, colocar tanque de guerra nas ruas é apenas mais do mesmo do que já foi feito em todas essas décadas.  Fica evidente que Marielle está cheia de razão. O verdadeiro combate à violência está no âmbito da justiça social.

Vídeo da Reinaldo Azevedo:
https://www.youtube.com/watch?v=9_q_WR70IQg 

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O juiz e o cidadão: onde termina um e começa o outro ?






Na era das redes sociais é difícil que as pessoas se controlem para não tornar público seus pensamentos sobre os mais variados temas. Essa obsessão pela publicidade do pensamento está sendo boa para que possamos desapegar de alguns mitos que acompanharam várias gerações. Sempre se acreditou que algumas castas de pessoas estariam acima do bem e do mal. Assim eram vistos os religiosos, médicos, magistrados, entre outros. Porém, atualmente, as postagens de, pelo menos, uma parte dessas categorias nos tem descortinado uma outra realidade. São pessoas que podem conter as mesmas contradições e falhas que o resto da população. O problema se configura quando as contradições são tão grandes que colocam em xeque sua atuação profissional.

Um caso desses ocorreu comigo em relação ao sacerdote que dirigia a paróquia do bairro onde morava. Certa vez, comentando sobre a crise econômica, o pároco deixou escapar uma mensagem muito preconceituosa, em que culpava o governo por distribuir dinheiro para pessoas pobres e preguiçosas. Essa postagem teve um impacto tão forte que jamais voltei às missas naquela igreja. Não deu para que eu dividisse o padre no altar do cidadão falando no facebook.

Temos visto a celeuma causada por uma magistrada que postou notícias consideradas falsas a respeito da reputação da vereadora Marielle, que morreu esses dias vítima de crime notoriamente político. Para piorar, ainda postou uma outra mensagem sugerindo um paredão para o assassinato de outro político. E como nada que está ruim ainda pode ficar pior, ainda descobriram outra postagem, da mesma juíza, expressando flagrante preconceito contra a inclusão de pessoas com síndrome de down no magistério.

Como vivemos uma notória polarização da sociedade, vários perfis de uma direita mais extremada tentaram defender a magistrada alegando que há uma separação entre a pessoa comum - a cidadã - e a juíza. Que ela realizou as postagens como cidadã e não como juíza. Por isso, não caberia uma representação aos órgãos judiciários competentes para analisar a sua conduta nas redes sociais.

O que não imaginei é que a própria magistrada usasse  esse argumento em seu benefício. Em carta resposta enviada ao jornal "O Dia", a juíza afirma que fez as postagens "fora das funções" e que "não era a desembargadora que se manifestava mas uma cidadã como outra qualquer".

O problema desse argumento é que deseja fazer acreditar que uma pessoa qualquer, que é investida na função da magistratura, ao colocar a toga se transforme num juiz sem nenhum vínculo com sua identidade pessoal. Como que se ao colocar a toga deixasse o cidadão trancado num cofre. É evidente que este pensamento é apenas um mito. Só seria possível se o indivíduo sofresse de um sério transtorno dissociativo de identidade.

Aliás, muitos pesquisadores das áreas das ciências humanas, como sociólogos, antropólogos e historiadores sabem que não existe uma possibilidade de isenção absoluta destes profissionais no trabalho de pesquisa. Por isso, além de toda a metodologia os trabalhos ainda passam por um crivo crítico dentro da própria academia, ganhando maior ou menor credibilidade.

A emenda fica pior que o soneto quando a pessoa, como cidadã, decide realizar manifestações que são próprias do seu ofício. Por exemplo,se um professor de história, quando não está no tablado da sala de aula, em sua folga, comete sérios equívocos históricos, como dizer que Hitler foi personagem da revolução francesa ou que Lampião era integrante da SS nazista, acarretará sérias dúvidas sobre o exercício de sua atividade profissional. A mesma coisa ocorre com um juiz que, nas horas vagas, decide publicar juízos de valor sobre terceiros. Ora, a finalidade da magistratura é exatamente a de formar juízos ! Desta forma, quando um membro da magistratura sai, nas horas vagas, emitindo juízos sobre outrem sem guardar bom senso, traz uma enorme insegurança jurídica para a sociedade. Aqui, sequer estou entrando no caso de tais opiniões configurarem crimes.

Contudo, os próprios operadores do direito e pesquisadores das ciências jurídicas sabem que as ideologias , preconceitos, moralismos, entre outros, dos juízes, acaba interferindo nas decisões processuais. Apesar de todo o regramento processual e material, ainda há um largo campo de manobra para a subjetividade do magistrado se manifestar. Aliás, é por isso que processos idênticos podem ter decisões totalmente diversas quando interpostos a juízos distintos. Há uma excelente matéria sobre este tema na Revista Consultor Jurídico, cujo link deixaremos ao final do texto.

Devemos considerar, ainda, que no caso em tela tudo que um magistrado fala ou escreve fora de suas funções acaba tendo uma carga maior de legitimação frente aos leitores e ouvintes por conta do cargo que ocupa.

  Concluindo, sou apenas mais um cidadão qualquer, preocupado com um juiz qualquer em um tribunal qualquer. Acreditando que tudo que desejamos é que o Brasil não seja um país qualquer !

Carta da magistrada no jornal O Dia:
https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2018/03/5523378-desembargadora-nao-se-arrepende.html#foto=1

Conjur: Ideologia pessoal define decisões de juízes, diz estudo:
https://www.conjur.com.br/2012-jul-06/ideologia-pessoal-define-decisoes-juizes-estudo-ufpr

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domingo, 18 de março de 2018

Por uma ampla reforma do judiciário: os juízes devem assumir este cargo unicamente por meio de provas de concurso ou devem ser eleitos pelo povo ? Uma discussão que a sociedade precisa fazer.




O judiciário há algum tempo parece ter perdido a mão e, em alguns casos, o bom senso. Todo momento somos alertados, em alguma matéria, que das chaminés  dos tribunais teria saído uma "fumaça do mau direito".  Muitos especialistas vêm tecendo severas críticas à espetacularização do processo penal, à forma como usam a ferramenta das conduções coercitivas, à judicialização da política, ao vazamento de informações para a grande mídia, à seletividade dos tribunais, à imoralidade do auxílio-moradia percebido por magistrados que moram na cidade em que trabalham e são proprietários do imóvel que ocupam como residência, entre outros.  Acredito que o ápice das críticas são quanto à manifestações públicas, realizadas via redes sociais na internet. O caso último foi o da desembargadora que pouco após o assassinato da vereadora Marielle publicou que a mesma seria engajada com bandidos e coisas do tipo. Uma publicação que, diga-se de passagem, parece não observar qualquer senso de lógica e de oportunidade. É o tipo de acontecimento que nos traz temor a respeito da mentalidade de nossos julgadores.

 Todas essas questões abrem a discussão sobre qual judiciário queremos. O atual judiciário, da forma como é concebido, está realmente representando os anseios de todos os setores da população ?

Para mim, hoje, o principal ponto reside sobre a forma como se ingressa e se permanece vitaliciamente nos cargos.

Atualmente, os cargos no judiciário são ocupados unicamente através da realização e aprovação em provas de concurso público. Uma vez aprovado e feita a investidura a pessoa passa a contar com a vitaliciedade do cargo; ou seja, ficará no cargo até se aposentar.

A vitaliciedade e os altos salários da magistratura e do Ministério público são muito atrativos e fomentam a indústria do concurso público. Forma-se um verdadeiro clã de "concurseiros", que são jovens de classe média alta que podem dispor de um tempo de suas vidas para se dedicar unicamente à preparação para tais concursos e permanecer tentando até passar. Aliás, este é o lema de um famoso curso preparatório na cidade do Rio de Janeiro: "não estude para passar, estude até passar". Nasceu, inclusive, todo um campo de prestação de serviços aos concurseiros. Cursinhos, congressos e, até mesmo, empresas que cuidam das inscrições, hotelaria, viagens e traslado de ida e volta para os locais de provas. Desta forma, os jovens postulantes aos cargos realizam um verdadeiro périplo pelo país atrás do sonho de uma vaga.

O modelo de aprovação por concurso público foi um avanço em relação aos tempos passados em que o juiz era indicado diretamente pelas elites dirigentes. Porém, na realidade brasileira este modelo tem demonstrado distorções que precisam ser corrigidas para o bem da eficácia do direito e da crença no judiciário e na democracia.

A principal distorção é, justamente, o fato de que, em regra, a magistratura é composta por pessoas advindas de um mesmo recorte social. Pessoas da classe média alta que tem pouca ou nenhuma intimidade e identificação com as questões mais caras à imensa maioria pobre da população do país. Nas provas dos concursos prepondera a cobrança de um tecnicismo processual e material. Por outro lado, muito pouco ou nada é examinado relativo às questões sociais e humanitárias. Por isso mesmo, podem incidir no erro crasso de confundir uma pessoa oriunda das comunidades pobres com bandidos. O sistema atual pode ter gerado tribunais apoiados em muita decoreba mas pouca humanidade.

sexta-feira, 16 de março de 2018

Leandro Karnal e o novo princípio processual do julgamento justo quando o advogado é caro !



Estive vendo o vídeo de uma entrevista em que o historiador Leandro Karnal analisa as sentenças condenatórias contra o ex-presidente Lula nos processos em curso. Em um dado momento, o festejado professor pontuou que iria externar um argumento "importante"! Então, apurei os ouvidos e prestei ainda mais atenção no que iria dizer o sábio palestrante. Ele, então, justificou a legitimidade das decisões pelo fato do réu contar com advogados caros no patrocínio de sua defesa; diferentemente da maioria das pessoas comuns. Karnal, como que incorporado pelo grande penalista Celso Delmanto, acabava de criar um novíssimo princípio de direito processual penal: "o princípio do julgamento justo quando o advogado cobra caro".

Irei transcrever este trecho a seguir e deixarei o link para o vídeo da entrevista ao final deste texto (sempre estimulo os leitores a ver o vídeo para garantir que não se tenha retirado a fala do seu sentido e contexto original). Palavras do professor Karnal:

"... uma coisa importante: o presidente Lula tem acesso a advogados caros, advogados de altíssimo calibre; ele tem dinheiro e recursos para se defender, ao contrário da maioria daqueles presos que estão hoje no nosso sistema prisional..."

A informação "importante" anunciada por Karnal me decepcionou. Não disse mentira, realmente os advogados do ex-presidente são causídicos de nome respeitado no meio jurídico e que devem ganhar bons honorários. Porém, esta afirmação é tão rasa que poderia perfeitamente ter sido articulada por uma criança a partir dos 12 anos de idade.

Ora, o estimado mestre incidiu em uma prática que jamais pode ser efetuada por um historiador, que é a de desconsiderar o contexto histórico de um fato em análise. Creio que um aluno que completou o primeiro semestre da graduação em história não poderá mais cometer este erro crasso.

Quando compara o processo contra Lula aos demais casos corriqueiros, o historiador está se apartando das construções políticas, econômicas, eleitorais, sociais, dentre outras,  que envolve especificamente o caso do ex-presidente Lula. O processo contra Lula tem repercussão direta no futuro do país. Trata-se de uma importante liderança pública que se colocou como pré-candidato ao pleito presidencial e que lidera amplamente as pesquisas de intenção de voto. O caminhar deste processo poderá ter influência direta sobre a soberania popular de escolher o seu governante.

Adicione-se o fato que amplos segmentos entendem que vivemos uma ruptura democrática. Que estamos em meio a  uma espécie de golpe continuado. Neste sentido, várias universidades acrescentaram, nos cursos de ciências políticas, uma disciplina sobre o golpe de 2016.  

Desta forma, reduzir a análise das sentenças contra Lula ao preço do contrato de prestação de serviços advocatícios parece-nos algo muito distante do estudo que este fato, que entrará para os livros de história, merece. 

Ainda que o citado mestre não concorde com a narrativa da ocorrência de golpe, deveria considerar a possibilidade de interferência dos tribunais no resultado eleitoral. Como muitos pesquisadores dizem: uma judicialização da política ou ativismo judicial.

De fato, já ouvi o mesmo professor dizendo que não há que se falar em golpe no Brasil atual. Acredita que vivemos em normalidade democrática. Partindo desta ideia, sua fala torna-se extremamente deselegante contra os membros do judiciário. Pois insinua que em tempos de normalidade democrática não se pode confiar nas sentenças dos juízes, que julgam de acordo com o patrimônio do advogado.

Por outro lado, o historiador sabe muito bem que o sistema judiciário pode sofrer degenerações em determinadas conjunturas e ocorrer o chamado juízo de exceção, que é muito comum tanto nos períodos revolucionários quanto nos golpes de Estado. Muitos reis, rainhas e outras pessoas muito bem aquinhoadas financeiramente perderam, literalmente, a cabeça ao serem julgadas por tribunais de exceção. 

É fato que há numerosos especialistas da área jurídica apontando supostas irregularidades nos processos contra Lula e da lava-jato. Logo de início, o primeiro ato processual já é criticado como eivado de irregularidades, que é o caso da não observância do princípio do juiz natural. Se as denúncias contra Lula pairam sobre duas propriedades no Estado de São Paulo, não caberia a indicação de um juízo no Paraná. Além desta, numerosos pontos no rito processual são alvo de críticas; ou seja, o princípio do devido processo legal estaria sendo desrespeitado ou, no mínimo, relativizado. Poderíamos elencar, aqui, uma grande lista de juristas  que apontam tais irregularidades. Vou citar o emérito professor de direito processual penal da UERJ e membro aposentado do Ministério Público do Rio de Janeiro, professor Afrânio Silva Jardim (deixo o link para um texto dele, sobre o juiz natural, ao final do texto). Quanto à atuação do STF, também há muitas críticas de eminentes juristas a respeito de um possível comportamento contraditório do tribunal máximo, que estaria julgando casos semelhantes de forma diversa, apontando para uma seletividade nos julgamentos, como vem analisando, entre outros, o constitucionalista Conrado Hübner Mendes, que é professor na USP. Ainda há inúmeros especialistas da área que acreditam que o ex-presidente é vítima de um lawfare (uma espécie de guerra assimétrica em que o réu é considerado como inimigo e a ordenação jurídica utilizada como instrumento de perseguição).

No entanto, não podemos cobrar conhecimentos jurídicos extremamente técnicos do historiador Karnal, por mais enciclopédico e holístico seja o seu cabedal de conhecimentos. Afinal, já pude assistir a vídeos de Karnal palestrando sobre história, psicologia, autoajuda, religião, felicidade, depressão, vendas, etc...

Por outro lado, também constatamos diversos outros segmentos acadêmicos lançando severas repreensões a toda essa atividade judiciária. 

O respeitado jornal Le Monde Diplomatique Brasil, deste mês (ano11 / número 128), traz como capa o título "tribunais de exceção". A arte da capa sugere um julgamento medieval por enforcamento. Embaixo, a plebe se delicia com os horrores do enforcamento trajando camisas da CBF, acima do cadafalso estão duas importantes figuras do judiciário nacional sendo escoltados por soldados do exército, instituição legitimadora do tribunal de exceção. Ainda podemos ver uma estrutura de madeira em forma de pato, uma referência à FIESP. No interior do jornal várias matérias, com diversos especialistas (cientistas políticos, sociólogos e filósofos), comentando a fragilidade e suposta condução política do processo.  

Luis Felipe Miguel, professor de ciências políticas da UnB, criador da primeira disciplina acadêmica sobre o golpe de 2016, assinou matéria no Le Monde (pags 4 e 5), onde analisa o judiciário como protagonista numa agenda de luta de classes e legitimador dos retrocessos para a classe trabalhadora e outros grupos subalternos. Em outra matéria, a jornalista Grazielle Albuquerque (doutoranda em ciências políticas na Unicamp) discorre sobre a judicialização da política. Aponta o judiciário como um ator completamente envolvido nas decisões políticas do país.

Ainda no jornal Le Monde, Márcia Pereira Leite, professora do departamento de Ciências Sociais da UERJ, e  Juliana Farias, da Unicamp, assinam conjuntamente artigo onde apontam que os ilegalismos, recorrentes no trato do Estado com as comunidades populares,  agora transbordam e atingem personalidades políticas de determinado espectro ideológico. Em certo ponto do artigo, parece até (embora não seja) que responderam ao professor Karnal, quando traçam uma comparação entre Rafael Braga e Luis Inácio Lula da Silva. O primeiro é catador de materiais recicláveis e o segundo ex-presidente da república.  Apesar da distância social, ambos respondem processos onde há mais convicções do que prova substancial propriamente dita. No caso de Rafael, foi preso nas manifestações de 2013 quando portava uma garrafa com pinho-sol. Permanece preso mesmo após a perícia esclarecer que o detergente tem baixíssima capacidade explosiva e não haver prova de sua atuação em atos incendiários.

Ainda há uma corrente que sustenta que o Brasil, assim como outros países do terceiro mundo, estão sofrendo uma interferência externa em sua soberania que foi denominada "guerra híbrida".  Nela, o judiciário é instrumentalizado para perseguir lideranças políticas nacionalistas, com o objetivo de entregar a exploração de recursos estratégicos (petróleo e outros) nas mãos dos conglomerados estrangeiros. Provavelmente, após atingir o objetivo, aqueles membros das autarquias que funcionaram como uma espécie de "agente duplo" ganhariam a prerrogativa de ir trabalhar e morar nos países que patrocinaram o golpe.

Como se vê, com todo esse horizonte de debates, é muito primária e reducionista a afirmação de que o julgamento de Lula se resume à tabela de honorários advocatícios.


Vídeo de Leandro Karnal: as derrotas de Lula
https://www.youtube.com/watch?v=fvgiX_4CBTA 

Professor Afrânio Silva Jardim: Sérgio Moro, de forma inconstitucional. escolheu julgar ex-presidente Lula.
https://www.conjur.com.br/2017-dez-28/afranio-jardim-moro-forma-inconstitucional-escolheu-julgar-lula

Jornal Le Monde Diplomatique Brasil número 128:
https://drive.google.com/file/d/1VNyZdJFKIZxhaNaOPq5OCUjAltNPEQLm/view 

O Brasil é vítima de uma guerra híbrida:
https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/347245/Pepe-Escobar-o-Brasil-%C3%A9-alvo-de-uma-guerra-h%C3%ADbrida.htm 

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Não compre produtos de quem anuncia em canais que propagam ódio na internet.





O assassinato da jovem socióloga e vereadora Marielle Franco foi algo terrível que se abateu sobre todo o país. O fato teve o condão de despertar a sensibilidade de um povo que vinha anestesiado ou indiferente à escalada de acontecimentos que ocorrem no país pós impeachment ou golpe (conforme a leitura de cada um).

Muita gente não conhecia a pesquisadora e política Marielle. Ela fazia política local, na cidade do Rio de Janeiro. Sua preocupação maior estava centrada no bem estar das pessoas que vivam nas periferias e favelas da cidade. Sua biografia aponta para quem sempre esteve interessada nas causas mais nobres: a luta contra a desigualdade, o racismo, a misoginia e outros preconceitos. Defensora incondicional dos direitos humanos. Ou seja, alguém que esteve realizando o bom combate ao lado das causas mais justas e relevantes.

As enormes manifestações pelo ocorrido, em variadas partes do Brasil, nos mostra que ainda há muitos brasileiros que não se impregnaram pelo discurso de ódio que campeia nas ruas e, principalmente, na internet. São milhões de pessoas que entendem perfeitamente a importância das lutas empreendidas por mulheres como Marielle.  Apesar da internet nos passar a ideia de que boa parte da população seja composta por gente de péssimo caráter.

Entre as muitas entrevistas que foram feitas pelos telejornais, um dos companheiros de partido da socióloga disse algo muito certo. Que foi um crime muito além da própria vereadora. O crime foi contra toda uma sociedade de pessoas moradoras da periferia e das favelas, que estão sendo caladas e tiradas da política por grupos intolerantes, canalhas, antidemocráticos e tudo de pior que existe na alma humana.

Outra fala acertada nas entrevistas foi a que disse que por trás dos assassinos tiveram muitas outras mãos ajudando a apertar o gatilho. Neste ponto, eu coloco todos os influenciadores que disseminam uma cultura de ódio pelos meios de comunicação, principalmente na televisão e na internet.

A internet, então, tem sido um local pródigo para todo tipo de extremista vomitar suas falácias e xingar toda pessoa que pensa de forma diferente. Temos diversos canais de vídeos onde o sujeito ganha dinheiro influenciando jovens a odiar quem é diferente. Muitos deles fazem um coquetel explosivo de extremismo político com fundamentalismo religioso. Para mim, quem ganha dinheiro espalhando ódio nem pode mais ser considerado ser humano. É um verme. 

Por isso, acredito que a imensidão de pessoas que não aceitam esse tipo de discurso deveria fazer uma grande campanha para que não se adquira produtos de empresas que apoiam estes canais através de anúncios.

Vamos rodar esta ideia para frente!

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quarta-feira, 14 de março de 2018

A evolução humana não se deu em linha reta.


Sempre que falamos em evolução da espécie humana, vem à mente aquela gravura com uma sequência que se inicia com um chimpanzé e vai passando por outros estágios até chegar ao homem atual. Ocorre que esta imagem é uma simplificação que leva o observador a diversas conclusões muito equivocadas sobre o tema.

A evolução das espécies é uma temática que se refere ao campo da biologia. No entanto, em sede acadêmica, o pesquisador na área de evolução precisa dominar diversas disciplinas, tais como: biologia evolutiva, arqueologia, antropologia física, antropologia sociocultural e paleoantropologia. Porém, no ensino médio, é comum que os alunos exponham questões e curiosidades sobre este assunto durante as aulas de história; notadamente durante as aulas de pré-história. Neste caso, o professor deve indicar o colega de biologia para que os alunos tenham informações mais aprofundadas. No entanto, é sempre interessante que o docente de história domine um pouco sobre o tema para ter a oportunidade de demonstrar a importância do conhecimento interdisciplinar na transversalidade de alguns conteúdos.

Por isso, iremos desenvolver algumas noções atualizadas sobre o estudo da evolução humana.

terça-feira, 13 de março de 2018

Resumos de História da África.



A história da África vem sendo cada vez mais pesquisada e abordada tanto na universidade quanto na escola. Fato de grande importância, visto que a sociedade brasileira tem o privilégio de ser formada, em boa parte, por esta riquíssima herança cultural. Há uma grande diversidade de povos e culturas. Não se resumindo apenas ao Egito, como era estudado anteriormente.

Nesse sentido, iremos colocar abaixo, em ordem cronológica dos temas, os links para todos os resumos de História da África que postamos nesse blog. Bons estudos e que seja útil !!!

- Pré-história da África:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/03/historia-da-africa-pre-historia-africana.html

- Os Almorávidas:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/03/historia-da-africa-os-almoravidas.html

- O Império de Mali:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/03/historia-da-africa-o-imperio-de-mali.html

- A Expansão Banta:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/03/historia-da-africa-expansao-banta.html

- O Império Songai:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/03/historia-da-africa-o-imperio-songai.html

- O Reino de Ghana:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/04/historia-da-africa-reino-de-ghana.html

- Comparação entre os Reinos Songai e Mali:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/04/historia-da-africa-comparativo-entre-os.html

- Escravidão Islâmica:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/05/historia-da-africa-escravidao-islamica.html

- A escravidão entre os africanos:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/05/historia-da-africa-escravidao-entre-os.html 

- O processo de escravidão e o comércio de escravos:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/05/historia-da-africa-o-processo-de.html 

- Guiné Central e Oriental:
http://fahupe.blogspot.com.br/2014/06/guine-central-e-oriental.html

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Desmistificando a história politicamente incorreta.




Os guias politicamente incorretos estão na moda nas editoras, livrarias e entre os leitores mais jovens. São livros que prometem desconstruir alguns clichês e mitos históricos com uma linguagem divertida e ao alcance de todos. Contudo, quando o assunto é história, a academia não vem poupando críticas a tais leituras; que, segundo os especialistas, não entregam o que prometem. São obras realizadas sem o devido rigor metodológico historiográfico. E o pior, com visível viés político e ideológico. Desta forma, apenas trocam alguns clichês por outros que estão ao gosto ideológico do autor.

Quanto à metodologia, os historiadores apontam que os guias pecam em não fazer um exame correto das fontes históricas. Selecionam algumas fontes que convêm e omitem outras. Muitas vezes, quando citam uma fonte de maior peso acadêmico, acabam pinçando trechos descontextualizados para dizer algo que o autor da fonte não disse. Talvez, por isso, o professor Leandro Karnal, numa palestra que pode ser vista no youtube, declarou, ao analisar uma desses guias sobre a história da América latina, que identificou o uso de desonestidade intelectual.

Nunca gastei meus suados contos de réis na compra desse tipo de leitura, mas acompanhei algumas coisas a respeito em um programa, no history channel, baseado num desses livros.  Além de não enxergar uma tentativa de fazer uma verdadeira pesquisa histórica, ainda traz uma série de narrativas que constituem lugar comum na mentalidade nacional. Por exemplo, não se poupou críticas à história e cultura indígena e africana. Ora, isso (depreciar as minorias) é o de mais comum que aconteceu na sociedade brasileira. Por isso, não entendo essas obras como "politicamente incorretas". Essa expressão gera a ideia de se fazer algo transgressor e inovador. No entanto, depreciar a cultura indígena e negra não são novidade alguma nos países latinos.

Se o livro gerar nos jovens a curiosidade pelos temas, um tanto melhor. Cabe ao professor pegar o gancho e aprofundar seus alunos no universo da pesquisa. Porém, o péssimo nisso tudo é que vários ativistas digitais vêm usando este material para causar uma relação de tensão entre alunos e professores. Como se o professor já não tivesse vários obstáculos no ofício de empreender o processo de aprendizagem.

Por isso, é bom que os docentes conheçam um pouco sobre as graves falhas que esses livros contêm. Pois, vez por outra, algum aluno tentará se opor ao conteúdo das aulas usando esse material. 

Há uma excelente resenha de cada capítulo deste guia em um grupo do facebook de nome "O Incorreto no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil". Suas análises devem ser lidas atentamente pelos professores. E aqui mesmo neste blog temos textos sobre alguns pontos destes guias. Deixaremos, abaixo, links para todos esses materiais:

Leandro Karnal sobre o Guia Politicamente Incorreto da América Latina.
https://www.youtube.com/watch?v=jw0_sKp4e1s 

Grupo no facebook: "O Incorreto no Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil":
https://www.facebook.com/HisIncorreta/

Se os paleoíndios foram responsáveis pela destruição da megafauna americana:
http://fahupe.blogspot.com.br/2018/03/os-indigenas-exterminaram-as-preguicas.html

A feijoada não foi criada pelos escravos, mas pelos franceses?
http://fahupe.blogspot.com.br/2018/01/um-projeto-propositalmente-incorreto-da.html

Zumbi dos Palmares era escravocrata ?
http://fahupe.blogspot.com.br/2017/11/o-zumbi-dos-palmares-possuia-e-vendia.html

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sexta-feira, 9 de março de 2018

Jornalista Leda Nagle com medo do Guilherme Boulos matador !



A antiga jornalista e apresentadora Leda Nagle recebeu, para entrevista, em seu canal no youtube, o ator e comediante Gregório Duvivier. Durante a entrevista surgiu a política como tema da conversa, quando Duvivier elogiou a candidatura de Boulos, que é uma reconhecida liderança de movimentos sociais pela moradia. Neste momento, a jornalista apresenta um semblante de preocupação e espanto ao dizer que Boulos seria uma pessoa perigosa e que queria matar pessoas. Afirmativa que foi desmentida pelo entrevistado.

Eu não sou advogado do Guilherme Boulos e nem seu eleitor. Embora eleitor da esquerda, eu esgotaria todas as opções de candidatos desse espectro político antes de pensar em votar nele. Até porquê sou muito crítico ao papel do PSOL no início das manifestações que levaram à desestabilização do governo Dilma e possibilitaram que o país sofresse uma verdadeira invasão dos interesses capitalistas internacionais. Porém, o fato é que não consegui identificar falas do citado líder social (Boulos) no sentido de qualquer tipo de ação onde pessoas fossem mortas. 

Por outro lado, existem múltiplas passagens do deputado Jair Bolsonaro declarando frases nesse sentido. Tais como distribuir fuzis a fazendeiros para receber os camponeses sem terra à bala, que a ditadura devia ter matado mais umas 30 mil pessoas, entre outras. Só que ao contrário do medo em relação ao Boulos "matador", a jornalista recebeu Bolsonaro em sua casa, para entrevista, com toda pompa, circunstância, sorrisos e abraços.

Pegou muito mal as afirmações da entrevistadora, principalmente após ter recebido de forma tão amável o deputado que faz questão de dizer que é da bancada da "bala" !  A única forma da jornalista tentar salvar um mínimo de imparcialidade é, agora, chamar o Guilherme Boulos para ser entrevistado. Certamente será uma entrevista de conteúdo muito mais produtivo que aquela com o "mito".

Por que será que Leda não acha Bolsonaro perigoso e nem disse que ele pretende matar pessoas ? Talvez, o problema real de muita gente que ganha a vida frequentando a sala de visitas dessa elite do atraso não seja propriamente matar pessoas, mas quem eles pretendem matar ! Se for para matar pobre, tá tudo bem !!!

Abaixo, vídeo de Leda Nagle com Gregório Duvivier sobre o Boulos "matador". (ouça sobre Boulos a partir do minuto 21:30)
https://www.youtube.com/watch?v=Aa2hhR0ArOc

Vídeo de Leda Nagle pagando mico com o 'mito" Bolsonaro.
https://www.youtube.com/watch?v=kKDh5k-SmaE

Entrevista de Bolsonaro dizendo que deveriam matar uns 30 mil no país sem importar com morte de inocentes:
https://www.youtube.com/watch?time_continue=127&v=WWOWsUiddhg

Comício de Bolsonaro que afirma que no seu governo fazendeiro terá fuzil para atirar em sem terra:
https://www.youtube.com/watch?v=Ztwza1DFc8w

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quinta-feira, 8 de março de 2018

Os indígenas exterminaram as preguiças gigantes?


Noutro dia, eu estava vendo um daqueles programas de guias politicamente incorretos da história no canal History Channel Brasil. Naquele episódio decidiram desconstruir todas as narrativas positivas em torno dos povos indígenas. Disseram que os índios eram desde bêbados contumazes até que trocariam a vida ao ar livre por um shopping center se tivessem a oportunidade.. Duas afirmativas que me chamaram mais a atenção foram as de que os índios teriam sido responsáveis pela extinção de diversos animais de grande porte e outra de que destruíram boa parte das florestas usando a coivara, que era um método de plantação através do uso de queimadas para limpar o terreno.

Vários "especialistas não-especialistas" foram ouvidos, durante o programa, com o intuito de legitimar a narrativa que desejavam transmitir ao telespectador. Digo que eram "especialistas não-especialistas" pelo fato de não ter identificado nenhum arqueólogo, historiador ou antropólogo participando das entrevistas usadas para emprestar "autoridade" à narrativa. Nos créditos só apareciam jornalistas, escritores e um doutor em ecologia ! Acredito que a presença de antropólogos, historiadores e arqueólogos era imprescindível para a análise de sociedades indígenas no período pré-colonial.

Muitos dos argumentos demonstravam uma inconsistência que não combina com algo produzido pelo meio acadêmico.

Dizer, por exemplo, que os paleoíndios não possuíam o conceito de ecologia e por isso não preservavam o meio ambiente parece surreal. Sequer os homens brancos que colonizaram as Américas já tinham elaborado tal conceito, que só foi criado no século XIX. Ocorre que determinados conceitos somente são criados a partir de uma demanda. Os índios não necessitavam discutir "consciência ecológica". Viviam num sistema bem preservado, onde os rios possuíam vida, os alimentos não estavam impregnados de agrotóxicos, o ar era puro, o mar não estava lotado de material plástico e, principalmente, não havia indústrias gerando alta quantidade de poluentes.

A afirmação que se o índio conhecesse o shopping center não iria mais desejar ficar ao ar livre parece mais infantil do que algumas ideias da galera do ensino fundamental. O shopping sequer é unanimidade na sociedade atual. Ele surge para atender um população induzida a consumir cada vez mais e, por outro lado, com medo da insegurança das ruas. Há algumas décadas atrás, as pessoas mais idosas tinham resistência ao shopping. Embora já participassem de uma sociedade de forte consumo, preferiam o passeio público (o calçadão) para ver "as modas" nas vitrines. Os grandes centros comerciais fechados foram ganhando espaço por conta do medo que a escalada da violência gerou. Sem contar que há um grande número de pessoas que vivem nas grandes cidades e nunca sentiram uma relação de pertencimento com o ambiente do shopping. São os excluídos da sociedade de consumo. Além do que, ainda há aqueles que em cidades litorâneas, como Rio ou Fortaleza, não trocam uma dia na praia pelo shopping nos dias de sol. Quanto mais dizer que o índio, com sua cultura preservada, iria trocar um passeio para pescar num rio pelo ambiente do centro comercial.

Voltando ao tema principal, é verdade que nas américas existiu uma megafauna (animais de grande porte) que conviveu com os seres humanos no período glacial e que depois foi extinta. Dentre eles podemos citar a preguiça gigante, o tigre-de-dente-de-sabre, o tatu gigante, o mastodonte, a anta gigante, entre outros. Porém, não dá para fazer essa afirmação determinista que os índios foram os responsáveis pela sua extinção por conta da caça predatória. Esta é apenas uma das teorias a respeito do ocorrido. E, provavelmente, a extinção se deu pela concorrência de múltiplos fatores.

A tese que a caça empreendida pelos índios foi a responsável por essa grande extinção de espécies se apoia em alguns achados fósseis de esqueletos desses animais da megafauna, principalmente preguiças gigantes, em sítios onde homens pré-históricos habitaram e faziam suas refeições. Vários destes esqueletos apresentavam lesões interpretadas como resultantes da ação perfurante de flechas e lanças. Porém, se pensamos que seria fácil a caçada de uma preguiça gigante, devemos lembrar que várias outras espécies, de dificílimo enfrentamento para a tecnologia da época, como o caso dos tigres-de-dente-de-sabre e mastodontes, também se extinguiram no mesmo período.

Ocorre que a estrutura física humana é muito frágil em relação aos animais de grande porte. Um caçador ou vários deles não logra muita vantagem contra um perigoso tigre, leão ou elefante. É verdade que a produção de tecnologia de abate, como as flechas e lanças, deram uma condição superior ao homem. Contudo, ainda assim era muito arriscada essa empreitada. Por isso, acredita-se que quando caçavam estes grandes animais, os caçadores pré-históricos davam preferência àqueles mais velhos ou doentes que, por essa condição, ofereciam menor resistência. Desta forma, a caça para a subsistência não seria suficiente para causar a extinção em massa de várias espécies.  Outro ponto que devemos levar em conta é o fato do homem pré-histórico, por conta deste alto risco oferecido pelos grandes animais, dar preferência à caça dos animais de pequeno porte para conseguir sua fonte de proteínas.

Os arqueólogos acreditam que desde o evento da descoberta da produção de fios e redes que a principal fonte de alimentação carnívora foram os animais de pequeno porte. Devemos às mulheres o desenvolvimento destas técnicas de fiação, tecelagem e cestaria. Essa descoberta é chamada por alguns pesquisadores como "a revolução do barbante". O fato é que a produção de redes facilitou muito a captura de animais pequenos e peixes. Uma das técnicas utilizadas até os dias atuais é a de se colocar, num ponto da mata, várias armadilhas de redes presas em galhos de árvores. Feito isto, os caçadores dão a volta na mata indo para um ponto mais distante. Então, começam a caminhar em direção às redes, fazendo um grande barulho com gritos e batendo varas de bambu nas folhagens. Os pequenos animais ouvem a algazarra, se espantam, e fogem para o lado contrário, indo diretamente de encontro às redes. Os animais que ficam presos são facilmente capturados e abatidos.

Tenho na minha estante um livro de autoria de uma verdadeira autoridade acadêmica sobre este recorte histórico, que é o arqueólogo e historiador Pedro Paulo Funari. Na obra "Pré-história do Brasil", escrita juntamente com o professor Francisco Silva Noelli, os autores reservaram um item para discutir justamente sobre o caso da extinção destes animais da megafauna brasileira (páginas 56 e 57). Além da ação humana, os autores elencaram duas outras fortes possibilidades que podem ter contribuído para essa extinção em massa: as mudanças climáticas ocorridas no período e o surgimento de doenças epidêmicas.

Naquele período, por volta de 10 mil A.P. (antes do presente), o clima da Terra vinha sofrendo intensas mudanças. A era glacial chegava ao seu ápice e as condições se transformavam até chegar ao que temos atualmente. Muitas espécies que não possuíam plasticidade suficiente para se adequar àquelas mudanças acabaram sendo extintas.  Este fator, inclusive, serve de fundamento para a crítica de vários biólogos sobre a frase, atribuída a Herbert Spencer, de que a seleção natural corresponde à sobrevivência do "mais apto". Segunda a visão moderna, o melhor seria dizer "a sobrevivência do apto". O "mais apto" corresponderia a uma super especialização. E a espécie super especializada num determinado meio, sem uma margem de maleabilidade, não resistiria caso houvesse mudanças nas características ambientais. O homem, por exemplo, é apto a viver em várias paisagens naturais distintas; sendo que onde não conseguiu se adaptar biologicamente o fez através dos avanços culturais (ex: confecção de casacos para habitar em lugares gelados).

A outra possibilidade foi a disseminação de epidemias entre os animais da megafauna. Uma das teorias da chegada do homem no continente americano é através da ponde te gelo que se formou, durante a glaciação, no estreito de Bering. Esta travessia também pode ter sido realizada por outras espécies animais, que introduziram novos vírus e parasitas na fauna local  Sem imunidade para essas novas doenças, muitas espécies deixaram de existir. Há a possibilidade dos próprios homens terem trazido, consigo, animais para o novo continente a ser ocupado. Os autores mencionam que no século XIX, na África, várias espécies se extinguiram por conta de doenças trazidas pela introdução do gado europeu naquele ecossistema.

Para o professor Funari, a maior probabilidade é que todos esses fatores tenham contribuído para o desaparecimento dos animais de grande porte do continente americano.

A outra questão abordada no programa, sobre os índios terem causado grande destruição na cobertura vegetal por causa do uso de queimadas, também não guarda relação com a realidade pesquisada. Os índios eram predominantemente caçadores e coletores. A agricultura realizada por eles era muito reduzida. Não existia agricultura em larga escala. O que faziam eram pequenas clareiras onde plantavam uma pequena horta. Além disso, as tribos eram semi-nômades, se movimentavam pelo território, acompanhando a sazonalidade da caça e da coleta (hoje a pesquisa aponta que havia outras tribos com cultura sedentária, que usava o mesmo espaço por longos períodos). Estima-se que cada local desses, que ficava para trás, levava cerca de 20 a 40 anos para ser reocupado pela tribo. constituindo tempo suficiente para a mata se regenerar. 

Referência bibliográfica:

FUNARI, Pedro Paulo; NOELLI, Francisco Silva. Pré-história do Brasil. 4ª ed. São Paulo: Contexto, 2015.

Abaixo deixarei alguns vídeo do programa de televisão supra citado.

O Mito do Bom selvagem:
https://www.youtube.com/watch?v=UOwM4jlVsMQ&list=PLAr322Yg8UkDm3DB919nYT95CwvNZNYsE&index=5 

A destruição da mata:
https://www.youtube.com/watch?v=5QhRVNC3VNw&list=PLAr322Yg8UkDm3DB919nYT95CwvNZNYsE&index=6 

Índio não conhece ecologia:
https://www.youtube.com/watch?v=ZH3yTSuNtjw&list=PLAr322Yg8UkDm3DB919nYT95CwvNZNYsE&index=7 

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