quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Nostrático: o idioma falado na idade da pedra.




O linguista dinamarquês Holger Pedersen, no início do século XX (1903), ao estudar línguas antigas, como o grego e o hebraico, percebeu padrões semânticos que apontavam para a existência de uma língua ainda mais pretérita, que havia precedido esses idiomas e que serviu de tronco linguístico comum a eles. Para esta proto língua, anterior ao grego e o hebraico, Pedersen deu o nome de "nostrático".

O fato de diferentes línguas apresentarem um tronco linguístico comum não é uma novidade. Um exemplo deste fenômeno, que não podemos esquecer, é a derivação da língua portuguesa, do espanhol e do italiano de um tronco linguístico comum que foi o latim.

Após esta descoberta de Holger Pedersen, muitos linguistas se debruçaram sobre a pesquisa do nostrático. Atualmente, a Universidade de Cambridge, no Reino Unido, constitui um dos principais centros de estudo deste idioma pré-histórico. Inclusive, no portal virtual da Cambridge há uma plataforma de livre acesso para um dicionário de nostrático. (Deixaremos o link do dicionário ao final deste texto).

A intensa pesquisa acadêmica demonstrou que o nostrático influenciou um conjunto bem maior de idiomas pelo globo. Entre eles, podemos citar: as línguas afro-asiáticas, a dravídica, a elamita, a esquimó, o indo-europeu, o sumério e a urálica.

Atualmente, acredita-se que a fase áurea do nostrático se deu no período mesolítico, que compreendeu às mudanças culturais entre o paleolítico e o neolítico. Neste contexto, o nostrático foi a forma de expressão típica de uma fase de intensas mudanças econômicas e sociais. Os grupos humanos deixavam a economia meramente baseada na caça e na coleta e iniciavam a importante revolução agrícola. O homem deixava uma vida nômade para se fixar numa região (passando ao sedentarismo). A implementação de técnicas agrícolas cada vez mais eficazes levaria à obtenção de um excedente de produção que propiciou um modo de vida totalmente inovador, que foi o urbano.

Esse conjunto de transformações culturais e as possibilidades migratórias levando grupos a se fixarem em regiões cada vez mais distantes acarretou na paulatina transformação do nostrático em diversos outros idiomas. Este é, aliás, um fenômeno muito comum na produção da comunicação falada. Para se ter uma ideia, nos tempos atuais há cerca de 6.909 línguas com falantes no mundo. A maioria destas línguas deriva por volta de apenas 35 troncos linguísticos distintos entre si. Certamente, no período pré-histórico também houve uma grande diversidade de códigos falados além do citado nostrático.

Ocorre que a fala é uma característica essencial do ser humano. O homem possui duas dimensões evolutivas: a biológica e a cultural. Na biológica, como ocorre com todas as demais espécies animais, a configuração anotômico-fisiológica foi se transformando através do processo de seleção natural. Por outro lado, a dimensão cultural é única da espécie humana. Através da cultura o homem produz respostas às exigências do meio através da solução de problemas e não mais do puro instinto. Contudo, o acervo cultural deve ser transmitido de uma geração a outra através da língua e da fala. Neste sentido, muitos pesquisadores asseveram que o ser humano não nasce homem, ele se torna homem. É o convívio social e a transmissão da cultura que humaniza o indivíduo. A língua constitui o código formal institucionalizado e a fala é a mensagem enunciada pelos sujeitos da comunicação.

Diversos estudiosos, notadamente em sede antropológica, aventaram várias hipóteses para explicar o surgimento da fala entre os humanos. Temos a teoria onomatopeica da fala que prevê a origem dela através da imitação de sons, ruídos, gritos, dando-lhes um caráter verbal. A teoria dos gestos sugere que a fala surge da tentativa  de se acompanhar, com a língua, os gestos realizados com o corpo. Há a teoria da evolução da cultura material, preconizando que quanto mais sofisticada se tornou a indústria lítica, mais complexo se tornou o cérebro humano, o que possibilitou o evento da fala. A teoria musical, proposta pelos professor Otto Jespersen, imagina que o homem ao aprender a tirar sons rítmicos dos instrumentos dados pela natureza (pedras, madeiras, etc) passou a cantarolar acompanhando a melodia.

Outra tentativa interessante de se explicar a origem da fala é a "teoria da caça". Nesta concepção, a articulação da fala foi uma necessidade imposta a partir do exercício da caça de animais de grande porte. Caçar animais de grande porte era uma tarefa complicada. O homem possui uma estrutura física frágil perante a maioria dos grandes animais. Por isso, o êxito da caçada estava numa ação conjunta dos indivíduos em torno de uma estratégia comum. Para coordenar essa estratégia no campo de caça foi de importância sine qua non o código sonoro. Pois a comunicação por gestos desviaria a atenção visual que deveria estar focada na presa.

Todas estas teorias possuem muitas críticas. Contudo, todas elas podem concorrer, em parte, para a explicação do nascimento da fala.

Estudos anatômicos realizados em fósseis humanos concluíram que não apenas o homo sapiens sapiens, mas diversos outros gêneros humanos possuíam a capacidade para a fala. Muitos daqueles também produziam uma indústria lítica, possuindo cultura. E sabemos que cultura e linguagem andam associadas uma à outra. Notadamente, o homem de neandertal apresentava uma cultura bem desenvolvida. Seus fósseis são achados conjuntamente com objetos manufaturados. E seus ritos funerários apontam para a presença da religião e de uma cultura mais complexa. Provavelmente houve um ou mais idiomas neandertais. O problema é que estes grupos jamais chegaram ao estágio de invenção da escrita. Somente o homo sapiens sapiens desenvolveu uma codificação gráfica para representar a língua falada. Desta forma, não há qualquer vestígio das supostas línguas faladas por outros hominídios.

Saliente-se que foi o advento da escrita que foi tomado como critério para dividir a passagem do homem pelo globo em pré-história e história.

Finalizando, foram formuladas algumas críticas a respeito do marco da escrita para separar história e pré-história. Uma delas declara que a história desprezou 2 milhões de anos, desde o surgimento do homem, para considerar apenas os últimos 5 mil anos (quando surge a primeira forma escrita na Suméria). Outra crítica, bem inteligente, é aquela que expõe que mesmo após a descoberta da escrita, durante quase toda a antiguidade, idade média e modernidade, apenas uma pequena parte da população mundial dominava a escrita. Assim, a história escrita é uma história preponderantemente elitista.

Dicionário de Nostrático da Universidade de Cambridge:

Referências Bibliográficas:

BASTOS, Cleverson Leite; CANDIOTTO, Kleber. Filosofia da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2007.

BERWANGER, Ana Regina; FRANKLIN LEAL, João Eurípedes. Noções de Paleografia e Diplomática. 4ªed. Santa Maria: Ed. da UFSM, 1012.

DUBOIS, Jean (et al). Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 1995.

LEHMANN, Winfred. Introducción a la linguistica histórica. Madrid: Editorial Gredos, 1969.

MONTAGU, Ashley. Introdução à Antropologia. 2ªed. São Paulo: Cultrix, 1977.

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