sábado, 11 de abril de 2015

O Titanic como metáfora das crises econômicas




O historiador Edgar de Decca, da Universidade de Campinas, construiu um interessante diálogo entre o filme Titanic e a sociedade imperialista europeia do período moderno. Uma comparação, que no viés econômico, ainda pode ser estendida para os dias atuais. Vejamos o trecho em que o citado professor realiza este paralelo no artigo "O colonialismo como a glória do império", que integra o livro "O Século XX: tempo das certezas", organizado por Daniel Aarãon Reis Filho:

"O navio representa um microcosmo da sociedade da Europa moderna do período imperialista, com seu andar superior repleto de personagens típicos da burguesia abastada e ociosa, da agonizante aristocracia e da classe média ascendente, todos eles turistas em busca de aventuras e fantasias no além-mar. Nos andares inferiores, amontoam-se trabalhadores que emigram para países distantes da Europa em busca de sonhos de felicidade. Não deixa de ser significativo que todos estão no mesmo barco, que, entretanto, ao afundar, privilegia o salvamento dos mais abastados e deixa os trabalhadores jogados à própria sorte. Uma semelhança muito grande com o que acontecia na vida cotidiana das grandes cidades européias e que também encontraria continuidade na aventura imperialista. Todos parecem ter o seu sonho satisfeito  dentro do navio: os burgueses, porque suas aventuras e fantasias iriam se transformar em lucros capitalistas fabulosos na expansão e exploração econômica imperialista; a aristocracia decadente, por acreditar no sonho imperial cavalheiresco da expansão e da dominação europeia no mundo; a classe média ascendente, porque esperava alcançar os cargos burocráticos e militares da administração colonial; e os trabalhadores por sonharem com terras distantes, onde iriam começar uma nova vida diferente das agruras das grandes cidades industriais e da pobreza do trabalho rural assalariado. O elemento emblemático do filme Titanic é esse navio, símbolo da vitória da tecnologia e da ciência, que se acreditava indestrutível e impossível de submergir, como se a confiança na ciência e na técnica fosse de tal grandeza, a ponto de cegar os homens para a possibilidade de um desastre. Todos aqueles que participavam da viagem, de uma maneira ou de outra, acreditaram nessa fantasia criada pela tecnologia industrial e apenas perceberam o tamanho do pesadelo quando acordaram tarde demais. Se pudéssemos resumir a experiência imperialista numa única imagem, o Titanic seria sem dúvida uma das mais completas. Evidentemente, existiram outras, mas que talvez não tenham alcançado a dimensão real desse navio, que de sonho maravilhoso transformou-se num enorme pesadelo."

O navio luxuoso que ante ao desastre privilegiava salvar os ricos deixando os pobres à própria sorte ainda é uma perfeita metáfora para as crises econômicas do século XXI.

É exatamente este o cenário que vimos na Europa atual, quando trabalhadores gregos e espanhóis saem Às ruas revoltados contra as famosas medidas de "austeridade" que são receitadas pelos grandes fundos econômicos mundiais, cuja solução prevê a manutenção dos altos lucros e concentração de renda que beneficia a minoria dona do grande capital em detrimento dos trabalhadores.

é o mesmo receituário que vemos no Brasil, quando os efeitos da crise mundial se tornam mais visíveis, com estagnação econômica e aumento da inflação, são realizados os "ajustes" que de certa forma sempre cortam direitos da grande população. E não pensem que os opositores ao atual governo, que de suas varandas gourmets batem em panelas de R$1.500,00 desejam algo diferente. Ao contrário, querem aprofundar as medidas que precarizam a vida e destroem direitos do proletariado, como o caso do PL das terceirizações.

Nesse cabo-de-guerra a nossa classe média está repetindo o discurso reacionário da direita, contrário às conquistas sociais e pedindo pelo corte de importantes programas de inclusão. Em boa parte nossa classe média é desinformada, mas não é apenas falta de esclarecimento político, econômico e social. Trata-se de uma posição histórica de antagonismo em relação às classes mais depauperadas da nossa sociedade. Ser classe média em uma nação subdesenvolvida com um grande fosso social entre as classes tem os seus atrativos.

Por isso, foi criado para o Brasil o termo "Belíndia", que se referia ao país onde uma pequena classe rica vivia como os ricos da Bélgica e a imensa parte da população pobre como se vivesse na Índia. E para as classes médias, exceto pela questão da violência, viver na Belíndia é muito mais interessante do que viver num país cujo capitalismo seja menos excludente. A pessoa que é das classes médias na Belíndia pode ter seus pequenos servos, como faxineiras diaristas, lavadeiras e passadeiras, coisa que uma pessoa da classe média na Finlândia, por exemplo, não tem acesso, pois não existe uma distância econômica que permita isso.

É neste sentido que assistimos a uma simpática senhorinha, classe média, numa das passeatas, explicar ao repórter que depois das bolsas e outras medidas inclusivas do governo, não existe mais mão-de-obra no Ceará. Todos estariam vivendo de bolsa felizes e abastados. Que existe a mã-de-obra, existe. Contudo, é só dar um pouco de condições que ninguém mais vai se sujeitar a um trabalho sem condições dignas.


Um comentário:

  1. ótimo Texto! hoje o Titanic foi apresentado na Record, já o vi várias vezes e tinha esse sentimento de que ali estava uma representação da sociedade moderna industrial, mas hoje essa percepção ficou tão clara que precisei buscar mais referências para pensar! Obrigada!

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