quinta-feira, 19 de outubro de 2017

A incoerência dos youtubers conservadores: pedem estado mínimo e o fim dos impostos, mas sonham com a restauração da monarquia.




Há alguns youtubers ultraconservadores que usam seus vídeos para promover uma revolta contra o estado-de-bem-estar-social. Vivem hostilizando as políticas públicas que visam criar uma rede de proteção aos mais pobres. Pregam aquela velha cantilena de que o Estado não deve interferir em nada, sendo apenas um síndico que quase não é visto pelo condomínio, e a redução ou quase extinção dos impostos. Quando se fala em programas que visam distribuir renda e gerar maior justiça social, são energicamente contrários. Fazem a população pouco esclarecida acreditar que o dinheiro de programas fundamentais como o bolsa família, de casas populares e outros não sairia do bolso dos "cidadãos de bens", pelos impostos, se não houvesse tais projetos. Por outro lado, não veem mal algum em pagarmos pelos luxos de uma família real, seu séquito de nobres e pela restauração de mais um poder (o moderador).

Clamam pela monarquia como se ela fosse a solução para um Brasil em crise moral e política. Como se os monarcas fossem figuras impolutas e sacralizadas, sem qualquer desvio ético e moral. Ainda com o prejuízo de que não podem ser retirados de quatro em quatro anos pelas eleições.

Ao contrário, a pesquisa histórica vem demonstrando que a formação corrupta da política brasileira é uma herança que vem desde a colônia e o império com as trocas de favores e influência  entre uma nobreza cujos títulos (Barão e visconde), na maior parte das vezes, eram conseguidos através destas tratativas.Consta que D. João VI, ao chegar na colônia, distribuiu mais títulos de nobreza do que em 700 anos da monarquia portuguesa. O historiador Pedro Calmon afirma em sua obra que lá em Portugal eram necessários 500 anos para uma família requerer a condição de nobre, mas que no Brasil bastavam 500 contos.  Um ditado popular era corriqueiro naquela época:

"Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão e quem furta mais e esconde passa de barão a visconde"

Vários historiadores apontam que eram escandalosas as práticas do clientelismo e a mistura dos negócios públicos com os privados. Que não deviam em nada aos escândalos atuais de grande empresas junto à administração pública. O imperador D. Pedro I era chamado, ironicamente, pelo jornalista Borges da Fonseca de "caríssimo". Não empregava a palavra como uma reverência mas por entender que o monarca saía muito caro aos cofres públicos, como assevera o historiador Marcos Morel na obra "Corrupção, mostra a sua cara".

Estes são alguns fatos narrados pela pesquisa histórica, entre outros, como o tráfico de influência feito por Domitila de Castro e o chamado "bolsinho do imperador".

Há uma matéria que saiu no site do jornal "o globo", sobre a corrupção no império, que deixaremos em link ao final deste texto.

A "família real brasileira", a propósito, ainda hoje causa desfalque econômico na carteira dos brasileiros residentes na cidade de Petrópolis, através da cobrança da "taxa do príncipe", que incide sobre a compra e venda de todos os imóveis no centro histórico do município. O povo chama de "taxa do príncipe" a cobrança do laudêmio que é um instituto jurídico jurássico que nem deveria existir mais. Seu fundamento é que a cidade foi construída nas terras da fazenda do Córrego Seco, que pertencia aos Braganças. Vários projetos tentaram acabar com a cobrança do laudêmio na cidade mas foram barrados pelos interesses contrários. Na verdade, a terra foi indenizada algumas milhares de vezes através da instituição do laudêmio. E continuará sendo eternamente, pelo andar da carruagem!

Acontece que a família real não é pobre. Ainda que existisse previsão legal, deveria ter renunciado à cobrança em prol do desenvolvimentos da cidade e da população. E se não renunciou à época do império e das primeiras décadas da república, seria uma mostra de bom senso renunciar agora. Acontece que Petrópolis, no período imperial, era uma rica cidade com "ilustres" moradores possuidores de títulos de nobreza e que podiam pagar para morar perto do rei ! Ainda nas primeiras década da república, era uma cidade de veraneio que recebia a nata de uma emergente sociedade carioca. Hoje, a realidade da cidade mudou radicalmente. Não há mais barões ou muitos novos ricos circulando pela rua do imperador. A cidade foi se proletarizando com o passar do tempo, tendo suas encostas irregularmente ocupadas e se favelizando. Comércios tradicionais daqueles tempos áureos foram fechando as portas, como a Cada Itararé, o restaurante Falconi, O Fukas, o Patinhas, entre outros. Hoje, os arredores do centro da cidade é composto, na sua imensa maioria, por uma população muito pobre, que sofre muito sempre que tem de pagar a taxa do príncipe.

Concluindo, pedir a restauração da monarquia no Brasil vai de encontro, inclusive, com a tendência mundial dos países que ainda albergam esse regime. A importante historiadora britânica Anna Whitelock afirma que a monarquia britânica deverá deixar de existir dentro de duas décadas. Pois cada vez há um movimento maior de descontentes com os altos gastos para manter a rainha. Em 2014 apuraram um gasto de 125 milhões de reais. Desta forma, para a claudicante economia brasileira seria mais um gasto sem maior proveito para a população.

Matéria do Jornal O Globo sobre as origens coloniais e monárquicas da corrupção brasileira:
https://oglobo.globo.com/sociedade/historia/historiadores-resgatam-episodios-de-corrupcao-no-brasil-colonia-na-epoca-do-imperio-17410324 

Matéria da Revista Galileu com a historiadora Anna Whitelock sobre a monarquia inglesa:
http://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2016/04/monarquia-britanica-deve-deixar-de-existir-em-menos-de-15-anos-diz-historiadora.html

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quarta-feira, 11 de outubro de 2017

"Não existe almoço grátis ! No Brasil, o que sempre existiu foi o "banquete grátis" !





Nos últimos tempos,. sempre que se fala em programas estatais inclusivos e na rede protetiva de assistência social, você deve ter escutado alguém proferindo a frase "não existe almoço grátis" para tentar deslegitimar projetos de cunho social. Repetem esta frase no sentido de que ou o receptor de benefício irá pagar por ele de alguma forma ou, asseveram ser mais provável, que a sociedade é que irá custear as "benesses" do seu próprio bolso. A naturalização desta ideia leva ao aumento do discurso "eu que tô pagando", seja pela bolsa alimentar concedida ao hipossuficiente, ao estudante da universidade pública ou à exposição no museu.

Historicamente, a frase "não existe almoço grátis" foi cunhada nos EUA, no século XIX, quando vários bares anunciavam fornecer almoço gratuito aos fregueses que consumissem bebidas. O truque dos donos de bar estava em oferecer pratos extremamente salgados, que levava os clientes a consumirem ainda mais cerveja. Desta forma, na verdade, a comida nunca saiu de graça. Posteriormente, esta frase ganhou status de princípio econômico na obra do economista Milton Friedman, que a utilizou como título de um de seus livros.

Quando parte considerável da elite financeira brasileira passa a criticar os programas sociais implantados na última década, utilizam deste recurso simplista para fazer a classe média acreditar  que está bancando a farra do almoço grátis. No caso brasileiro, a própria palavra "almoço" é inadequada, pois os projetos sociais ainda estiveram tão aquém da necessidade de desenvolvimento humano, que estavam mais para um lanche mirabel com groselha do que almoço. A realidade de boa parcela da população pobre do país é mais bem representada na frase "vendendo o almoço para pagar o jantar".

Por outro lado, na história econômica brasileira sempre ocorreram verdadeiros "banquetes" grátis oferecidos pelo povo às elites. A começar pelo nosso modelo agrário centrado no latifúndio que é herdeiro direto das sesmarias coloniais, quando a administração portuguesa concedia vastas áreas de terras a determinados colonos portugueses sem qualquer pagamento ou meritocracia e, ainda, concedendo títulos como de barão. Isto foi um enorme banquete grátis na terra brasilis. Não satisfeitos, além de ganhar muita terra desta forma ainda ganharam mão-de-obra a custo zero, através da escravização dos indígenas e, posteriormente, de milhares de africanos capturados e trazidos à força para trabalhar a terra sem nada receber destes senhores. Desta forma, foram algumas centenas de anos com muito banquete grátis. Com a abolição da escravatura, as péssimas condições de trabalho e baixíssimo salários continuaram a beneficiar aquelas mesmas elites coloniais que, agora, começam a diversificar os investimentos também no setor industrial nascente. A entrada em vigor das leis trabalhistas e previdenciárias tentaram corrigir alguns desses abusos econômicos. Contudo, até hoje vemos que a prática do "banquete" grátis para os ricos continua a todo vapor nas tratativas que os atores da corrupção realizam por debaixo dos panos e das mesas. 

Desta forma, pense criticamente quando ouvir a balela do "não existe almoço grátis" para desmerecer e atacar os programas sociais. Estes programas não existem para dar nada a ninguém, mas para corrigir as distorções acumuladas por séculos de "banquetes grátis".

No Brasil, nunca existiu almoço grátis para os pobres, somente banquetes grátis para os ricos.

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terça-feira, 10 de outubro de 2017

A heresia científica do doutor Pirula: "nunca li a obra de Marx, mas sei que o marxismo é impraticável por definição".



O youtuber conhecido como "doutor Pirula" possui um canal de vídeos na rede social youtube onde iniciou uma proposta de postagens científicas sobre biologia e paleontologia. Parece que o mesmo tirou a graduação em biologia e se especializou, obtendo o doutoramento, na área de paleontologia.

De fato, o canal possui, principalmente, no seu início, alguns bons vídeos sobre biologia e o estudo da vida no passado da Terra. Porém, como com todo "youtuber" a perspectiva de ganhos econômicos com o "adsense" promove uma corrida atrás de inscritos e visualizações que acabam por corromper a ideia original do canal. Este padrão é percebido em todos os canais monetizados. Os youtubers para aumentarem seus rendimentos acabam saindo da sua área para comentar qualquer "treta" de internet, ainda que seu conhecimento sobre o assunto seja obscuro e raso. Assim, passam a falar de política, futebol, religião, moralismo, doces e salgados ou qualquer outro assunto que esteja rendendo polêmica.

No caso do dr. Pirula, fazer polêmica com paleontologia é um tanto difícil. Não que elas não existam, como a discussão sobre uma datação aqui e a funcionalidade de um peça anatômica encontrada acolá. Mas é o tipo de polêmica circunspecta aos bancos acadêmicos, que não gera maior interesse no universo das redes sociais. E nem gera as chamadas "tretas" que trazem grande audiência. Jamais veremos vídeos com um debate polêmico entre o T. Rex e o Carcharodontossauro (dinossauro carnívoro que habitava a região do Estado do Maranhão).

Ocorre que o youtuber em questão prestou recentemente uma entrevista ao canal político conservador do MBL  (Movimento Brasil Livre) onde proferiu a seguinte pérola: 

"...nunca li a obra de Marx, mas sei que o marxismo é impraticável por definição."  

(O link para este vídeo se encontra ao final deste texto)

Gostaria de saber como o midiático doutor chegou a esta importante conclusão ! Teria sido pelo tarô, jogo de búzios, vidência, psicografia ou pela posição dos astros ?

Acredito que nem o astrólogo, dublê de filósofo, Olavo de Carvalho cometeria esta heresia acadêmica. Ele, ao menos, tenta convencer sua audiência de que pesquisou exaustivamente sobre os temas que emite opinião.

É preocupante o estado da pesquisa no Brasil quando os pós graduados emitem juízos de valor sobre temas acadêmicos sem ter conhecimento sedimentado de fato sobre o que estão falando. 

Provavelmente, esta "heresia acadêmica" dialoga  com a perspectiva de agradar o público do canal e ganhar inscritos.

Vídeo da entrevista do doutor Pirula no canal do MBL:
https://www.youtube.com/watch?v=ecOVrDtLDLw&t=318s 

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segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Professores da UERJ numa "sinuca-de-bico".





No último dia 03 de outubro os professores da UERJ anunciaram mais uma greve por conta dos constantes atrasos de salários sofridos pelos docentes da instituição. Além dos atrasados de salários ainda têm que trabalhar num ambiente sem a devida infraestrutura e manutenção, como salas sem lâmpadas e a precaríssima condição de limpeza.

Neste cenário, a sociedade carioca e fluminense apoia totalmente o movimento dos professores da universidade em mais uma tentativa de conseguir ter sua situação econômica e de trabalho restabelecida. Afinal, quem é que consegue trabalhar decentemente sem condições mínimas de higiene e infraestrutura e, principalmente, ter tranquilidade para se deslocar da casa para o trabalho sem ter dinheiro e com as contas atrasadas. 

Assim, é legítimo que os funcionários e demais trabalhadores ligados à UERJ lancem mão da única arma que possuem que é o direito de greve. No entanto, as sucessivas greves parecem não sensibilizar o executivo estadual.

Acontece que a greve é uma ferramenta de pressão que tem a sua força sustentada sobre alguns pressupostos. Quando a greve ocorre na esfera privada a força do movimento grevista reside na paralisação dos meios de produção e consequente perda financeira do negócio. Afinal, os "patrões" não irão para a linha de produção. Quando a greve se dá na esfera do funcionalismo público será mais bem sucedida quando se trata de atividade estratégica para o governo, que não pode paralisar. E outro pressuposto para o sucesso grevista para o funcionalismo é o desgaste político que o executivo sofrerá com o movimento.

Ocorre que, joga contra os interesses dos docentes o fato do atual executivo do estado ser uma espécie de "governo zumbi". Trata-se de um governo que já morreu politicamente há bastante tempo. Sendo assim, não há como o movimento grevista dos professores causar estragos no capital político da atual administração. Para piorar, a educação e a ciência também não estão sendo tratadas pelos governos estadual e federal, que estão ocupados pelo mesmo partido, como algo importante e estratégico para a administração. Ao contrário, temos visto a execução de um dos maiores projetos de desmonte da educação pública superior no país em todos os tempos. Os enormes cortes de verbas nestas áreas são a prova do desmonte.

Neste contexto, a greve acaba não surtindo o efeito esperado. E ainda deve ser recebida com alegria por aqueles que desejam a precarização e privatização total do ensino superior. Pois a cada greve os telejornais fazem matérias alusivas às precárias condições na universidade. E não sejamos ingênuos em achar que a mídia está apoiando os professores. A constante veiculação de matérias mostrando as dificuldades enfrentadas pelos alunos são um incentivo para que parte do corpo discente faça transferência para faculdades privadas e que haja menor procura nos vestibulares. No final, esta "realidade" fabricada acabará legitimando o discurso  de que é melhor privatizar a universidade.

Esta é a grande sinuca-de-bico em que a Associação dos Docentes da UERJ se encontra. A greve é a única ferramenta que o trabalhador possui para reivindicar seus direitos, mas as sucessivas greves atuais provavelmente são até estimuladas por um governo que tem o projeto de desmontar a educação pública superior. 

Mesmo a via judicial é vista com suspeição nos dias atuais. A mobilização do judiciário por meio processual daria resultado prático ? Hoje, muitos juristas têm analisado e denunciado que parte do poder judiciário vem atuando de forma política e, talvez, a serviço do projeto político ora instalado no executivo. Inclusive, o professor e notável processualista penal Afrânio da Silva Jardim, que é docente da UERJ, tem repetidamente analisado a politização na atuação do judiciário.e do Ministério Público. Desta forma, será que o nosso judiciário teria a mesma celeridade para obrigar o governo a pagar os salários dos professores do que teve para prender um reitor de universidade que acabou se suicidando por conta da opressão vexatória ?

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