sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Avenida Central



Resenha de texto da autora Armelle Enders (brasilianista).



A autora Armelle Enders é historiadora titular da cadeira de história do século XIX na Universidade Paris 4, em Sorbonne, e conferencista de História do Brasil na Escola Prática de Altos Estudos de Paris. Trata-se de uma brasilianista, pois especialista em História do Brasil e, especialmente, do Rio de Janeiro.

Nesta obra, a autora cumpre o objetivo de esclarecer o contexto urbano da capital federal do Brasil, na época o Rio de Janeiro, durante a primeira república. Apontando as reformas empreendidas para mostrar ao mundo uma capital moderna, segundo os padrões europeus, e as questões decorrentes deste processo. Aborda a dicotomia entre o atendimento aos anseios da população das classes mais altas, atendidos pelas reformas, e o abandono dos populares que sofreram grandes percalços por conta das obras de revitalização da capital. E, por consequência, o clima de tensão que vai se manifestar em revoltas como a chibata e mais à frente a revolta da vacina.

O presidente Rodrigues Alves nomeou Pereira Passos como prefeito para cumprir o objetivo de promover a chamada “ação civilizatória” na capital, que seria a grande reforma que se daria em dois aspectos: as grandes obras urbanísticas e a reforma no âmbito comportamental.

Tendo Paris como inspiração, promoveu o alargamento das ruas, construção de praças ajardinadas, canalização dos rios, abriu a avenida central e promoveu a derrubada do Morro do Castelo, que os sanitaristas indicavam como motivo da falta de circulação do ar na cidade e consequente motivo para infestação de epidemias. Ainda sob pretexto sanitário e urbanístico, removeu vários sobrados que serviam de moradias coletivas, desalojando e empurrando para a periferia milhares de pessoas.

No que diz respeito ao comportamento, serviu para tentar tirar do centro da cidade as práticas mais populares, como venda de animais abatidos nas ruas, conduzir bois pelas vias publicas, proibição de ambulantes, combate ao candomblé e outras práticas religiosas de matriz africana e manifestações carnavalescas como o entrudo.

Com as reformas houve um deslocamento da vida cultural da Rua do Ouvidor para a Avenida Central, onde empresários pretendiam construir a Broadway carioca. Grandes exposições nacionais e internacionais foram realizadas para mostrar e atrair turistas para a cidade. E aos poucos ocorre a mistura de culturas na cidade, quando as tias baianas começam a ocupar espaços nas calçadas das principais ruas da cidade. A culinária e a música negra irão ganhar força na cidade.

No campo esportivo, de início se instalou na cidade o Jockey Club  Fluminense, inspirado no de Paris. Logo surgiram os clubes de remo com apelo popular. Contudo, os competidores eram oriundos das classes abastadas e restava aos populares a posição na torcida. Uma grande revolução esportiva ocorre quando Oscar Cox introduz o futebol na cidade. Surgem clubes ligados à elite, como o Fluminense, e na periferia coube ao Bangu difundir o futebol nos meios proletários. 

Por conta das tensões sociais, começam a aflorar revoltas, como a que foi liderada pelo marinheiro  João Cândido contra a forma com que os marinheiros, de origem humilde e na maioria negros e mestiços, eram tratados pelos superiores.

O artigo é muito interessante e demonstra as contradições de uma sociedade que, no início do século XX, apresentava aspirações europeias e teve dificuldade de enxergar a riqueza que a diversidade étnica poderia lhe conferir. Somente o contato dos diversos elementos durante o tempo, possibilitando a circularidade cultural, vai promover as sínteses que levarão ao Rio de Janeiro construir sua identidade peculiar e consolidar a posição de precursora das tendências nacionais.

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