O
filme, em tela, trata-se de uma obra satírica do cinema nacional, lançado em
1995, dirigido pela diretora Carla Camurati, que tem como protagonistas os
personagens da infanta Carlota Joaquina de Bourbon e de D. João VI. Nele se faz
referência ao recorte histórico que compreende os fatos que deram início ao
processo de independência do Brasil em relação ao modelo colonial empreendido
por Portugal, tais como: a viagem da família real para o Brasil (1808), a abertura
dos portos aos ingleses, elevação do Brasil a Reino Unido ao de Portugal em
1815 e, por conta da Revolução do Porto, o retorno de D. João VI à Europa.
Apesar
do estilo satírico e do cometimento de erros históricos, pode-se elencar várias
referências aos acontecimentos históricos na dada película cinematográfica.
Observamos
a questão dos casamentos arranjados pela nobreza e realeza da época. Naquele
tempo, entre os nobres, não se levava a paixão e empatia dos jovens por um
parceiro. Ao contrário, os casamentos eram arranjados e acordados desde cedo,
segundo interesses políticos, para que os reinos pudessem tirar proveito
político e econômico do enlace.
Há
a passagem do falecimento de D. José I e a interdição de Dona Maria I, que
ganhou a alcunha de “a louca”, que leva à ascensão de D. João VI ao trono
português.
Podemos,
também, citar o contexto internacional das guerras napoleônicas que acabam
com a decisão da mudança da corte para o
Brasil e a presença, explícita no filme, do elemento inglês participando dos
acordos entre Portugal e Inglaterra, segundo os interesses militares e,
principalmente, comerciais britânicos.
Vemos,
ainda, os fatos da chegada da Corte ao Brasil. A expropriação de propriedades
para alojamento da realeza e sua corte. A questão da subida dos preços de
aluguéis e de gêneros alimentícios no Rio de Janeiro, por conta da presença de
D. João VI. Como, também, decisões de D. João VI ao criar equipamentos
governamentais para que se elevasse a condição de colônia a reino, tal qual a
criação do Banco do Brasil.
A
maior crítica que se faz à obra consiste na visão extremamente estereotipada
das figuras de D. João VI e de Dona Carlota Joaquina. Ambos são mostrados de
forma intensamente debochada. D. João VI como um glutão de pouca inteligência e
Dona Carlota Joaquina como alguém com pouco senso ético e muito descontrole dos
impulsos sexuais.
Em
relação a D. João VI fica evidente que a película carrega nas tintas
negativamente em relação à sua condição intelectual. A visão estratégica de D.
João VI de mudança da Corte da Europa para a América portuguesa e sua atuação
de estadista na criação de condições (bancos, bibliotecas, ministérios, etc)
para que o Brasil alçasse a condição de Reino Unido e, assim, sustentasse para
si a coroa do império, denotam a habilidade e inteligência de D. João VI para
os assuntos de Estado.
Os
historiadores portugueses Jorge Pedreira e Fernando Dores Costa, da
Universidade Nova de Lisboa, traçaram um perfil da preparação educacional de D.
João VI na obra “D. João VI, um príncipe entre dois continentes”. Asseveram,
pelo estudo dos documentos escritos pelo príncipe, que não era muito afeito nem
às letras e nem às artes, com exceção da música. No entanto, teve os estudos
necessários na preparação de um futuro rei. Estudou a história dos reis
antecessores, elogio da geometria e sua função na organização do raciocínio,
geografia da Europa, legislação e da língua francesa (língua da diplomacia na
época). Também estudou literatura e obras como a de Cícero, Santo Ambrósio e
Erasmo. Além do Francês, o príncipe também era versado em italiano e Latim.
Em
relação à Dona Carlota Joaquina, o filme centra quase que exclusivamente na
questão da infidelidade conjugal e deixa de registrar o seu grande interesse
pela política e as questões de Estado que, em regra, não eram da competência do
gênero feminino naquele contexto. Com o aprisionamento do rei da Espanha, D.
Fernando VII, irmão de Dona Carlota, pelos franceses, a princesa do Brasil teve
importante atuação política junto ao Vice-Reinado do Prata, na tentativa de se
tronar regente da região. Conseguiu, inclusive, amealhar o apoio dos ingleses
que tinham interesse na abertura dos portos argentinos ao comércio
internacional. Muitos criollos entenderam que seria bom apoiar Carlota
como forma intermediária para, posteriormente, se chegar à Independência. No
entanto, houve a resistência do Cabildo de Buenos Aires e o não apoio de D.
João VI, que vislumbrava possibilidade de conquistar aquelas terras para o
império português.
De volta à Europa, Carlota Joaquina ainda terá importante participação política na tentativa de seu filho Miguel ocupar o trono português.
Concluindo,
a película ora em análise tem maior função de entretenimento do que um retrato
histórico do período. Contudo, se a plateia souber filtrar os erros e exageros,
poderá ser fonte para interessantes discussões sobre a história do início do processo de independência do Brasil.