segunda-feira, 1 de julho de 2013

Estabelecendo uma Crítica ao livro Didático.



Para o postulante ao exercício do magistério é necessário estabelecer uma visão analítica crítica de como os livros didáticos, como ferramentas de trabalho, abordam os diversos assuntos da historiografia que constam dos programas escolares.

Neste sentido, os professores Nilton Mullet Pereira e Marcello Paniz Giacomoni, na obra “Possíveis Passados”, investigam diversas formas de apresentação do recorte medieval pelos livros didáticos do ensino fundamental e médio, anotando os diversos pontos falhos, mistificações, preconceitos e outros.

Uma das questões que se levanta é a adesão daqueles livros à visão clássica que o iluminismo lançou sobre o período medieval como uma época obscurantista, de parca produção intelectual, não havendo maior significado e contribuição para a formação social atual. Ou seja, abraçam a visão preconceituosa de Idade Média como período de trevas.

Outro ponto importante abordado pelos autores é a concepção ultrapassada de se entender o processo histórico como linear, que desconsidera no desenvolvimento do homem pelo tempo ocorrem continuidades, descontinuidades, rupturas, fissuras, entre outros fenômenos que não atendem àquela visão.

Ressalte-se que após a teoria da evolução das espécies proposta por Darwin, tal conceito de evolução linear dos sistemas acabou influenciando diversos outros ramos do conhecimento, inclusive da seara de estudos humanos. Desta forma, passamos a encontrar teorias que pregavam esquemas lineares à antropologia, sociologia e, também, na história.

Consideramos que o conceito de linearidade está na base da prática do conhecimento pelo contraste, pois se no ponto inicial temos a posição inferior, menos evoluída, na outra ponta temos fixado o ponto mais evoluído ou superior. É assim que, por exemplo, na sociologia encontramos teorias etnocêntricas do desenvolvimento das sociedades que considerava certos povos inferiores a outros. E que o modelo linear levaria a civilização inferior a evoluir e chegar ao mesmo ponto da superior. Desta forma, uma tribo do amazonas evoluiria até o dia que estaria consumindo brioches e tomando chá como franceses e britânicos.

A prática do contraste aplicado no estudo da história faz com que o renascimento seja apresentado em contraposição à idade média. Um é o período das luzes enquanto o outro, das trevas.

Outra prática didática inconsistente é a da generalização, quando se toma uma parte do tema pelo todo. Em termos de idade média é comum, nos livros escolares, que todo o período seja apresentado sob a égide do modelo feudal e suas especificidades, não apresentando o longo processo desde a fragmentação do modelo escravista romano, passando pelo colonato, até o estabelecimento do paradigma feudal.

Contudo, constata-se que a partir da década de 80 do século passado há um crescente interesse pelos estudos medievais que trará consequências benéficas no campo dos livros escolares, que passarão a mostrar uma abordagem mais de acordo com a moderna pesquisa histórica, sem estar eivada pelos preconceitos iluministas.



ANÁLISE DE OBRA DIDÁTICA A RESPEITO DA RELAÇÃO ENTRE SENHOR E SERVO NO SISTEMA FEUDAL.



Marques, Adhemar. Pelos caminhos da história: ensino médio. 1ª edição. Curitiba. Editora Positivo. 2006.



De início, pela direta leitura do cabeçalho que intitula o capítulo referente à idade média, nos deparamos com a chamada prática da generalização:

“Feudalismo: da formação à crise do século XIV”

A prática da generalização é caracterizada por se tomar uma parte do contexto pelo todo.

No estudo de caso em tela, há o risco do aluno, desavisado, realizar a ilação de que o paradigma feudal se implementou, de pronto, por todo o interregno temporal que compreende esta fase cronológica.  Não obstante o texto traga uma nota de alerta:

Essa transição se iniciou com a instituição do colonato à época do escravismo romano”.

Porém, não consideramos o bastante para elucidar a possível confusão gerada pelo título do capítulo e por outros trechos, tais como:

“Esse processo de formação do feudalismo foi constituído pela transição de uma sociedade baseada na mão-de-obra escrava – o Império Romano – para uma baseada nas relações servis de produção.”

Em nosso entendimento, será necessária a intervenção do professor que ministra a aula para esclarecer a ocorrência da generalização na apresentação da narrativa textual.

Uma outra questão que, em regra, fica confusa na maioria dos textos escolares é a diferenciação das relação que ocorrem entre senhor e servo daquelas ocorridas entre suserano e vassalo. A priori, dá-se a entender que a relação entre suserano e vassalo também está no plano das relações entre senhor e servo. O estudante imagina que todo camponês passou pela cerimônia que homologa a relação pessoal e de fidelidade. Embora o servo também esteja ligado pessoalmente ao senhor do feudo, esta adesão ocorre de forma vertical, diferente da relação entre suserano e vassalo que se dá entre iguais, ou horizontal.

Porém, a obra ora em análise traz esta ressalva de forma eficaz para elidir qualquer dúvida:

“É importante considerar que, embora as relações sociais estivessem alicerçadas num forte esquema de dependência pessoal, existia uma grande diferença entre os vínculos estabelecidos entre um suserano e um vassalo – livremente aceitos entre as partes e firmados entre pessoas do mesmo nível social – e aquele estabelecido entre os senhores e os servos – uma dependência imposta e entre pessoas de níveis sociais diferentes”.

Mister se faz ressaltar a inclusão, no texto, da nominada teoria das 3 ordens, onde permaneciam inclusos senhores e servos além do clero, conforme destacamos abaixo:

“É importante ressaltar que a sociedade das 3 ordens era expressão de uma estrutura social que se pretendia sagrada, imutável e eterna, uma vez que correspondia à vontade de Deus, pelo menos na óptica dos clérigos, para os quais qualquer transformação social deveria ser evitada. Tratava-se, portanto, de um esquema clerical que, no fundo, pretendia sujeitar todos – inclusive a nobreza guerreira – à instituição mais bem organizada da época feudal: a Igreja.


No entanto, a partir da baixa idade média esse esquema baseado numa tripartição funcional tendeu a alterar-se e caminhou para seu esgotamento”.

O trecho assinalado acima também parece sugerir a teoria ou modelo de Spengler, no sentido de apontar para os fatos não como uma transformação, mas como um organismo que nasce, amadurece e morre num determinado ciclo de tempo.

Devemos salientar, ainda que, o texto não faz menção às especificidades que o regime feudal apresentava  em diversos espaços da Europa, como as diferenças que haviam nos modelos francês, inglês e ibérico. Parece que o texto trata genericamente do modelo francês.

Por outro lado, o autor traz menção e trechos de autores medievalistas consagrados pela moderna historiografia, tais como: hilário Franco Jr, Régine Pernoud, Jacques Le Goff, entre outros.

Concluindo, apesar de algumas críticas acima efetuadas, a obra parece satisfatória, dando uma extensa abordagem a este período  que cada vez vem recebendo menos espaço de estudo no ambiente escolar.

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