sábado, 1 de junho de 2013

O Cristianismo no poema Beowulf


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O recorte histórico em tela trata-se do período das últimas grandes invasões ou migrações na Europa medieval. Quando pelo século VIII ocorrem as expedições de pilhagens realizadas pelos piratas nórdicos, que correspondem a tribos germânicas do norte, como dinamarqueses e suecos.


A história de Beowulf é um poema saxão do século VIII cujo conteúdo se remete à primeira metade do século VI. Nele se evidencia o herói Beowulf que teria se destacado na guerra entre francos e godos. Embora o poema seja saxão, a narrativa acontece na ilha dinamarquesa de Seeland.


O único manuscrito preservado próximo daquela época é datado, por processos químicos, por volta do ano mil, estando sob a posse e guarda da Biblioteca Britânica.


No poema, o herói Beowulf é um geata (etnia ao sul da atual Suécia) que vai até a ilha dinamarquesa prestar auxílio ao rei Hrothgar, da Jutlândia, cujos guerreiros estavam sendo dizimados por uma criatura ora chamado de monstro ora de Troll, que atendia pelo nome de Grendel.


Em meio a narrativa surgem diferentes elementos culturais. Notadamente no âmbito religioso poderemos ver tanto elementos das tradições pagãs daqueles povos, sua mitologia baseada em divindades como Odin e entidades como as Valquírias, e, também, a presença de elementos cristãos surgindo no decorrer da trama.


O cinema produziu, recentemente, duas películas baseadas neste poema. Em 2006, um filme dirigido por Sturla Gunnarsson, por um consórcio Canadense, Irlandês e Inglês, que recebeu o nome “ Beowulf e Grendel”. Outro produzido nos EUA, em 2007, chamado “Beowulf”, dirigido por Robert Zemeckis e que se utilizou de um moderno efeito de captação de movimentos.

No filme produzido nos EUA, há dois momentos políticos distintos, uma primeira fase em que a ilha é comandada pelo rei Hrothgar, quando predominam as tradições pagãs no referido reino e, um segundo momento, em que Hrothgar suicida-se e Beowulf toma a coroa para si. A partir de Beowulf no trono surgem os elementos cristãos. Beowulf teria se convertido ao cristianismo e, por decorrência, o reino, também, passa a ser um reino cristão. Em que pese a conversão ao cristianismo, é interessante a fala do herói, agora rei, dizendo que “no cristianismo não há mais lugar para heróis”, talvez uma referência da presença dos heróis nas histórias das antigas mitologias pagãs, que não ocorre nos discurso cristão, onde a figura do herói é substituída pela dos santos. Contudo, ainda há referências à antiga mitologia pagã.


Na outra película produzida por canadenses, ingleses e irlandeses, também ocorre a passagem de elementos pagãos, das tradições nórdicas, para os elementos cristãos. Neste filme, o elemento cristão surge pela chegada, na ilha, de um padre missionário irlandês, enviado pelos francos para pregar a religião cristã. Quanto maior o terror promovido por Grendel na população, maior é o sucesso do missionário irlandês com sua pregação, que começa a empreender conversões em massa através de batismos num dos rios locais. O discurso da salvação cristã caiu como uma luva no ambiente marcado pelo medo promovido pela figura monstruosa de Grendel. Ao final, o próprio rei Hrothgar é convertido e batizado pelo missionário e o reino passa a ser oficialmente cristão, embora os elementos e tradições pagãs continuem a ser pontuados em diversos momentos. Nesta adaptação cinematográfica, o herói Beowulf não se torna rei da ilha, retornando para sua terra após ter lutado e vencido Grendel e a bruxa do mar.


Devemos salientar que os filmes embora baseados no poema podem ter se afastando do conto original em muitos pontos. Por exemplo, no filme americano Beowulf corta seu braço ao lutar contra o dragão. No filme canadense Grendel é quem decepa o braço para escapar de uma armadilha preparada por Beowulf. Parece-nos que a história dirigida por Sturla Gunnarsson se mantém mais fiel ao original do que o filme americano.

Estudiosos da literatura saxã daquele período interpretam o poema como uma metáfora, onde o herói – Beowulf – representaria a nova religião cristã que estava em ascenção, enquanto os monstros e bruxas representavam as velhas tradições pagãs em decadência.


Concluindo, ambos os filmes e o poema se referem a um momento de transição cultural. Com as expedições nórdicas de pilhagens, ocorreu a aproximação, mesmo que conflituosa, dos povos, e os elementos culturais passam a ser trocados. Apesar do cristianismo ter se incorporado como nova religião dos povos germânicos do norte, as antigas tradições pagãs não desaparecem, pois como fenômenos culturais de longa duração permanecerão no imaginário e dialogando com os novos elementos religiosos estabelecidos. Por fim, um bom exemplo de circularidade cultural.


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