terça-feira, 1 de agosto de 2017

Entre Santos e Hereges. Com quais provas a Inquisição condenava uma mulher por bruxaria?


A Inquisição ou Tribunal do Santo Ofício consistia num aparato jurídico da Igreja com o suposto objetivo de combater as heresias no seio das comunidades cristãs. Na verdade, tratava-se de um instrumento eficaz para se combater todo e qualquer indivíduo que pudesse de alguma forma concorrer com a Igreja através de conhecimentos, discursos ou práticas. Em determinadas regiões, como na França, também adotou caráter higienista, ao exterminar os leprosos sob a acusação de que planejavam envenenar o abastecimento de água das cidades. Na península ibérica foi utilizada para oprimir e forçar judeus e muçulmanos a se converterem ao catolicismo.

Todo discurso que contrariasse os dogmas da Igreja era potencialmente objeto de juízo da inquisição. Neste sentido, houve alguns julgamentos famosos como os de Galileu Galilei e de Giordano Bruno. O primeiro foi julgado pelo tribunal da Inquisição por conta de uma obra escrita onde argumentava em favor da tese do heliocentrismo, que asseverava que a Terra girava em torno do Sol. Galileu teve como pena a de negar suas teorias através de confissão pública e se manter recluso em casa até sua morte. O segundo, Giordano Bruno, teve sorte pior, morrendo queimado, por conta de uma série de acusações, desde magia até posições teológicas contrárias aos dogmas cristãos.

A Inquisição exerceu um papel opressor especialmente contra as mulheres. Dos processos movidos por conta da acusação de feitiçaria, mais de 75% se davam contra elas. Estima-se que mais de 100 mil mulheres morreram nas fogueiras sob a acusação de serem bruxas. Vários historiadores atribuem à Inquisição um papel sine qua non para moldar a mulher submissa ao homem no início do período moderno.

O julgamento feminino mais emblemático foi o de Joana D'Arc, que foi figura fundamental ao arregimentar os exércitos e camponeses franceses contra os invasores ingleses na Guerra dos Cem anos. Após o fim da guerra, o rei Francês entra em acordo com os britânicos e entrega Joana para ser julgada por bruxaria.

Se, por um lado, Joana foi julgada por conta de seu envolvimento com o plano político e o simbolismo que granjeou junto aos camponeses, por outro lado, a maioria das mulheres julgadas era por conta de práticas culturais e outros conhecimentos que não eram reconhecidos e permitidos pela Igreja. Todo local de saber diverso dos postulados cristãos era considerado um atentado contra a fé. Neste sentido, muitas mulheres com conhecimentos de medicina, das plantas e ervas medicinais e as parteiras foram alvo de perseguição e poderiam ser condenadas á morte pela prática de bruxaria.

A principal forma do tribunal conseguir as provas para a condenação era por intermédio da tortura. Pela tortura obtinham a confissão das acusadas. A confissão era considera a "rainha das provas". A mentalidade construída através dos tempos medievais informava que as bruxas, ainda que encontradas sozinhas, participavam de uma espécie de seita, que se reuniam nas madrugas, nos bosques, para realizar encontros diabólicos denominados "sabá". Muito deste imaginário encontrava base nas crenças religiosas que eram praticadas pela Europa antes da consolidação do cristianismo. O historiador Carlo Ginzburg, na obra "História Noturna", descreve como o senso comum acreditava que se dariam estas reuniões:

"Bruxas e feiticeiros reuniam-se à noite, geralmente em lugares solitários, no campo ou na montanha. Às vezes, chegavam voando, depois de ter untado o corpo com unguentos, montando bastões ou cabos de vassouras; em outras ocasiões, apareciam em garupas de animais ou então transformados eles próprios em bichos. Os que vinham pela primeira vez deviam renunciar À fé cristã, profanar os sacramentos e render homenagem ao diabo, presente sob a forma humana ou (mais frequentemente) como animal ou semianimal. Seguiam-se banquetes, danças, orgias sexuais. Antes de voltar para casa, bruxas e feiticeiros recebiam unguentos maléficos, produzidos com gordura de criança e outros ingredientes."

Desta forma, um dos objetivos das seções de tortura era fazer com que a acusada relatasse a participação nos encontros do sabá, que demonstraria de forma inequívoca se tratar de uma bruxa pactuada com as forças do mal.

A maioria dos juízes investidos no Tribunal provinham da Ordem dos Frades Dominicanos, sendo a que mais se destacava no combate às heresias. Dois frades dominicanos, Heinrich Kramer e James Sprenger, escreveram um manual, chamado Malleus Maleficarum, que servia de consulta e guia para que os inquisitores determinassem se a acusada era uma bruxa. Abaixo, iremos elencar e comentar alguns dos indícios e provas, descritas no manual, que se estaria diante de uma feiticeira.

Segundo o Malleus Maleficarum, chamado de "O Martelo das Feiticeiras" em português, as bruxas costumavam operar seus feitiços através de poções e amuletos. Qualquer coisa poderia ser tomada como amuleto num julgamento, desde algum tipo de joia até a presença de pedras ou determinadas plantas das quais se acreditava extrair poderes mágicos. Observe-se que, no entanto, toda crença possui objetos que acabam ganhando algum poder de culto. Na idade média, as "relíquias" dos santos eram vendidas a bom preço por alguns tratantes e mesmo por sacerdotes. Diz-se que foram vendidos tantos "pedaços da cruz de Cristo" que daria para ter crucificado toda população romana.

Sobre as poções, acreditava-se que eram manipuladas para matar as pessoas ou as deixaria sob o domínio da feiticeira. Isto tinha uma relação direta com as mulheres que trabalhavam com plantas medicinais e seus chás.  Foi uma forma de retirar a mulher deste campo de conhecimento. Ainda no campo do conhecimento, as mulheres parteiras foram intensamente combatidas pela Igreja, sob a acusação de bruxaria e de oferecerem as crianças, ainda não batizadas, a satã.

Outra forma de se lançar o feitiço sobre outrem era através do olhar da bruxa. Ainda hoje, na Europa e suas colônias, acredita-se no "mau olhado". Uma prova muito subjetiva para se incriminar alguém. Qualquer pessoa que ficasse doente numa aldeia poderia estar sob a influência de um "mau olhado".

Todo ritual de adivinhação era considerado bruxaria. Tais como: necromancia, cartomancia, geomancia, hidromancia, entre outros. Ainda que fossem utilizados para alcançar a cura de algum enfermo. Estavam terminantemente vedados aos cristãos. Quem o praticasse dificilmente se livraria da acusação de feitiçaria. Assim, também, as práticas de observação do tempo, dos astros e das estações. Acredita-se, que na história da humanidade as mulheres tenham sido as primeiras a entender as correlações das estações e outros ciclos da natureza porque faziam analogia com os ciclos do seu próprio corpo.

As bruxas, por conta do pacto com o diabo, teriam a possibilidade de influenciar nos sentimentos e na imaginação dos homens. Poderiam tornar um homem perdidamente apaixonado ou, ao contrário, com incontrolável ódio. No filme "O nome da Rosa", houve o exemplo da jovem camponesa pobre que se infiltrava num convento para fazer sexo com monges em troca de alimentos e foi condenada à fogueira. A questão não foi entendida como a exploração sexual permitida pela miséria, mas que a jovem teria enfeitiçado os padres.

O adoecimento de pessoas era sempre um presságio de que poderia haver bruxaria ocorrendo numa comunidade, Ficou famoso o caso ocorrido numa comunidade puritana dos Estado Unidos, em 1692, que originou o filma "As Bruxas de Salém", quando várias jovens apresentaram estranhos sintomas de agulhadas pelo corpo e dormência dos membros. Sem haver uma explicação, veio à baila o discurso de bruxaria e várias pessoas daquele círculo acabaram sendo queimadas. Mais tarde, descobriu-se que o pão de centeio, usado na alimentação daquelas comunidades, pode estar contaminado com uma espécie de fungo que gera uma doença chamada "ergotismo", que causa aqueles sintomas.

Por último, acreditava-se que as bruxas tinham o poder de atuar na percepção dos homens fazendo com que eles tivessem ilusões e vissem coisas que na realidade não existiam. Neste sentido, havia acusações de que as bruxas poderiam transformar as pessoas em  animais. Desta forma, o consumo de bebidas alcoólicas ou de chás que pudessem gerar alucinações poderiam acabar como argumentos contra uma pessoa acusada de bruxaria.

Abaixo, deixamos um vídeo bem humorado do grupo "Monty Python", retirado do filme "Em Busca do Cálice Sagrado", onde simulam o julgamento de uma bruxa.




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