sábado, 29 de julho de 2017

Quando o Tribunal da Inquisição levou o diabo para a cama: bruxas, íncubus, súcubus e homossexualidade.


A Ordem Dominicana foi fundada por São Domingos, no início do século XIII, na cidade de Toulouse, na França. Durante a Inquisição, esta ordem religiosa se notabilizou como uma das mais combatentes contra as chamadas heresias. Note-se que não era casual a nomenclatura da ordem constituir, em latim, a expressão "Domini cane" que significa "os cães de Deus" ou "cães guardiões da fé". A bruxaria foi considerada uma das piores entre todas as heresias, pois corrompia ao mesmo tempo a alma e o corpo. Dois frades dominicanos foram os autores de um manual voltado aos juízes da Inquisição, para auxiliá-los no julgamento das mulheres acusadas de bruxaria. Este manual recebeu o título Malleus Maleficarum, que traduzido para português corresponde a "O Martelo das Feiticeiras".

Nas "questões" ou capítulos III, IV e VI, do Malleus Maleficarum, os dominicanos se ocuparam especificamente da dimensão sexual da abominável relação entre o diabo e o ser humano, em especial com as bruxas. Afirmavam que os órgãos do sexo eram a principal porta de entrada para que o demônio corrompesse as pessoas. O livro de , assevera que "é através da lascívia da carne que exercem (os demônios) seu poder sobre os homens". Admitiam, inclusive, a possibilidade de demônios travestidos em forma humana copularem com homens e mulheres. Este era o terreno em que operavam algumas castas demoníacas conhecidas como íncubus e súcubus. Os demônios que apareciam sob a forma feminina e praticavam sexo com homens eram os súcubus. Por outro lado, os demônios que adotavam a forma masculina e se deitavam com mulheres correspondiam aos íncubus.

Os frades, autores do "Martelo das Feiticeiras", trouxeram à luz de sua argumentação várias mitologias pré cristãs para exemplificar a atuação dos diabos em atos de perversão sexual com humanos. Santo Agostinho escreveu que demônios chamados de Dúsios, pelos gauleses, procuravam mulheres devassas para o coito. Santo Isidoro asseverou que os Pãs, da mitologia grega, na verdade, se tratavam dos íncubus. E que os romanos os chamavam de Faunos das Figueiras.

É de se salientar que acreditavam que os íncubus e súcubus poderiam gerar crianças nascidas destas relações. Ocorre que a natureza espiritual dos anjos, mesmo os caídos, não lhes permite produzir sêmem; então, um demônio em forma de súcubus se deitava com um homem e recolhia seu esperma, depois, em forma de íncubus, introduzia o sêmem coletado no útero da mulher. Neste caso, o rebento nascido da relação entre uma feiticeira e um demônio era, na verdade, filho de um homem. Contudo, a vantagem para o demônio neste processo é que, sendo conhecedor das forças dos astros, saberia a melhor conjuntura astrológica para fecundar uma mulher e gerar um pessoa que, por tal conjunção astral, teria forte tendência ao mal. Completando, ainda, o fato de que a feiticeira, tendo a fé já corrompida, não iria batizar a criança, facilitando ainda mais o seu uso pelas forças obscuras.

Desta forma, mães solteiras eram notadamente perseguidas naquele tempo. Pois, uma vez que não se sabia ao certo quem era o pai, suspeitava-se que a mulher havia se entregado em devassidão aos íncubus. Isto, provavelmente, fazia com que muitas jovens que descuidadamente engravidavam, viessem a tomar medidas extremas para abortar a criança. Acabou sendo um período fértil na criação de manobras abortivas.

Esta narrativa nos remete à lenda do boto, que se espalhou pela região norte do Brasil. Conta-se que o boto, um mamífero semelhante aos golfinhos, que vive nos rios da Amazônia, se transforma em um belo rapaz durante as festas juninas e seduz as moças das vilas, as levando para a perdição sexual no leito dos rios. Nessas regiões, quando ocorre um caso de mãe solteira fala-se que a criança é filha do boto. Tais lendas são, certamente, permanências culturais que cortam transversalmente o tempo histórico e vão ganhando adaptações nas narrativas locais.

Note-se que, segundo os frades inquisidores, os demônios não tiram qualquer prazer deste tipo de relação. A função é apenas a de corromper o ser humano. Pois foi dado aos demônios, por Deus, a tarefa de promoverem tentações aos homens e castigarem os amaldiçoados.  Vejam que a conjunção carnal fora do matrimônio é de tal forma desprezada pelos cânones, que sequer são todos os demônios que se prestam ao papel de íncubus ou súcubus. Esta tarefa fica subordinada apenas àqueles das castas mais inferiores.

Desta forma, os teólogos da inquisição acreditavam que havia hierarquia entre os demônios, cada qual recebendo nome e atividade específica. Podemos ver no cinema, quando simulam ritos de exorcismo nos filmes, que o sacerdote primeiro tenta extrair o nome da entidade para depois poder expulsá-la. Em "O Martelo das Feiticeiras", há um elenco com estes nomes: Demônio é aquele que anseia por sangue, Belial que significa sem julgo ou soberano por lutar contra aqueles a quem deveria ser submisso, Belzebu é o senhor dos pecadores que abandonaram a fé, Satã que siginifica adversário, Beemot é a besta que torna os homens bestiais, Asmodeus é o diabo da fornicação (a este cabe a transformação em íncubus e súcubus) que fez abater terrível catástrofe sobre Sodoma e Gomorra, Leviatã é o diabo do orgulho e, finalmente, Mamon personifica a avareza e a riqueza.

Quanto às práticas homossexuais, a Igreja era tão dura que pregava ser uma abominação unicamente humana. Sequer os demônios se prestavam a realizar tais perversões. Transcreverei, a seguir. as palavras da obra sobre este tema:

"... cumpre chamar a atenção que...em nenhum lugar se lê que tais demônios incidem nos vícios contra a natureza. Não falamos apenas da sodomia, mas todos os outros pecados em que o ato sexual é praticado fora do canal correto. E a enorme gravidade em pecar-se dessa maneira é demonstrada pelo fato de que todos os demônios igualmente, de qualquer ordem hierárquica, abominam e se envergonham de cometer tais atos."

Concluindo, o Malleus Maleficarum desconstrói qualquer posição de poder da mulher que pactua com o demônio. Afirma que o diabo não necessita das bruxas para fazer o mal. Se aproximam das mulheres porque, desta forma, além de fazer o mal a terceiros, estão, também, corrompendo a mulher que se entrega à feitiçaria. A feiticeira passa a adorar o diabo, que usurpa esta posição de Deus.

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