domingo, 7 de dezembro de 2014

A historiografia sobre a antiguidade



Na obra "História Antiga", de autoria do professor Norberto Luiz Guarinello, publicada pela editora Contexto, o autor realiza um esforço para elencar e sistematizar a evolução dos modelos teóricos que a academia usou e usa para interpretar cientificamente o recorte da antiguidade.

O autor possui graduação em História, mestrado e doutorado em antropologia social, todos pela USP. Realizou pós-doutorado na Oxford University. É professor titular da USP. Lidera o grupo de pesquisa LEIR - Laboratório de Estudos sobre o Império Romano.

Nas palavras do citado professor: " a história não produz a verdade sobre o passado, mas um conhecimento cientificamente controlado e capaz de ser debatido em termos científicos". Os vestígios do passado que formam os chamados documentos históricos serão interpretados segundo os modelos teóricos sobre o funcionamento das sociedades. Ocorre que o processo de construção destes modelos é dinâmico. Novos modelos teóricos são criados segundo o olhar e contingências de cada época. Desta forma, haverá sempre novas interpretações que garantirão a existência de uma nova história antiga, nova história medieval e assim por diante. 

A seguir, tentaremos sintetizar os principais modelos teóricos aplicados à história antiga elencados pelo professor Norberto L. Guarinello.

1- O renascimento e a criação do antigo.

A partir do século XII e mais notadamente do século XV ocorre a valorização dos textos gregos e romanos antigos, em oposição à cultura cristã dominante da idade média. Foi um processo de construção de uma memória que levava a uma nova identidade que negava em parte o passado recente, que foi colocado sob a alcunha de idade das trevas. Neste período ainda não se fala em história científica, pois não era realizada uma leitura crítica dos clássicos.

2- Surgimento da história científica.

A formação da história científica ocorre junto com o nascimento da história antiga. Foi o momento em que a leitura das fontes escritas da antiguidade se dará de forma crítica, levando em conta as teorias sociais e políticas do período (sécs XVII e XVIII). Tem por característica a construção de uma história das nações, notadamente europeias. Se enfatizava o estado, os grandes personagens e as grandes guerras. Alguns importantes autores sobre história antiga deste período: George Grote, Barthold Niebuhr e Theodor Mommsen.

3- Evolucionismo e Darwinismo social.

Em meados do século XIX a historiografia foi influenciada pela obra de Darwin. Passou a fazer parte do pensamento historiográfico as ideias de evolução, civilização, progresso e superioridade da Europa sobre as demais regiões. Esta concepção atendia às pretensões imperialistas e neocolonialistas das potências europeias. A história antiga passa a ser entendida como marco inicial de uma linha progressiva de civilização. Sendo que a história do ocidente passa ao centro da história universal e a Europa capitalista o auge  da civilização e progresso.

4- A interdisciplinaridade.

Ainda no século XIX, outras ciências passam a dialogar mais de perto com a escrita da história, tais como a antropologia, a economia e a sociologia. Na obra de Karl Marx também pode ser notada a tendência evolucionista, através da proposta do desenvolvimento histórico através dos modos de produção (caracterizado pela relação de exploração entre proprietários e trabalhadores). Marx entendia que a formação das comunidades na antiguidade se devia mais pela guerra, aliança dos proprietários de determinada região contra a ameaça exterior, do que pela necessidade da realização de obras públicas. Durante o séc. XIX a História Antiga se institucionalizou pelos sistemas escolares dos recém criados Estados nacionais.

5- A Contemporânea História Antiga.

No século XX se intensifica ainda mais o  diálogo da história com outras ciências humanas, se notabilizando os estudos culturais. Vários eventos foram marcantes para a reinterpretação da História antiga neste período: as duas guerras mundiais, a revolução russa, a revolução dos costumes das décadas de 1960 e 1970, a queda do muro de Berlim, o fim do comunismo e a globalização e suas crises. Alguns autores importantes da primeira metade do século XX: Michael Rostovtzev, Geoffrey de Ste. Croix, Moses Finley e Jean Pierre Vernant.

6- A Crise do Ocidente e a Descolonização da História Antiga.

Com o enfraquecimento das potências Européias, no pós segunda guerra, e a consequente descolonização da África e Ásia também houve, no campo historiográfico, o combate a ideia de superioridade cultural da Europa. Esta nova concepção vai de encontro aos escritores do início do século XX, que entendiam a respeito da romanização e, posterior, helenização do mundo antigo como um avanço da civilização sobre a barbárie. Ocorreu a ruptura do pensamento de uma civilização superior com legitimidade para conquistar outros povos. Alguns autores importantes nesta linha: Marcel Bénabou, Ives Thébert, Eduard Said e Martin Bernal.

7- O Pós-modernismo e a Virada Cultural.

A partir de 1980 o paradigma econômico é passado para segundo plano na análise historiográfica, sendo que os fatos sociais passam a ser interpretados pelo viés cultural e simbólico. A queda do muro de Berlim, o multiculturalismo norte-americano e a absorção de imigrantes das antigas colônias na Europa são apontados como catalisadores desta nova ótica. O conceito de classe foi substituído pelo de identidade. Foram revistas as identidades nacionais, étnicas, de gênero e religiosas. As oposições entre Oriente e Ocidente, grego e bárbaro, romano e não-romano passaram a ser vistas como categorias arbitrárias, construídas no presente e, da mesma forma, no passado. A História Antiga foi desconstruída.  

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