Para
o postulante ao exercício do magistério é necessário estabelecer uma visão
analítica crítica de como os livros didáticos, como ferramentas de trabalho,
abordam os diversos assuntos da historiografia que constam dos programas
escolares.
Neste
sentido, os professores Nilton Mullet Pereira e Marcello Paniz Giacomoni, na
obra “Possíveis Passados”, investigam diversas formas de apresentação do
recorte medieval pelos livros didáticos do ensino fundamental e médio, anotando
os diversos pontos falhos, mistificações, preconceitos e outros.
Uma
das questões que se levanta é a adesão daqueles livros à visão clássica que o
iluminismo lançou sobre o período medieval como uma época obscurantista, de
parca produção intelectual, não havendo maior significado e contribuição para a
formação social atual. Ou seja, abraçam a visão preconceituosa de Idade Média
como período de trevas.
Outro
ponto importante abordado pelos autores é a concepção ultrapassada de se
entender o processo histórico como linear, que desconsidera no desenvolvimento
do homem pelo tempo ocorrem continuidades, descontinuidades, rupturas,
fissuras, entre outros fenômenos que não atendem àquela visão.
Ressalte-se
que após a teoria da evolução das espécies proposta por Darwin, tal conceito de
evolução linear dos sistemas acabou influenciando diversos outros ramos do
conhecimento, inclusive da seara de estudos humanos. Desta forma, passamos a
encontrar teorias que pregavam esquemas lineares à antropologia, sociologia e,
também, na história.
Consideramos
que o conceito de linearidade está na base da prática do conhecimento pelo
contraste, pois se no ponto inicial temos a posição inferior, menos evoluída,
na outra ponta temos fixado o ponto mais evoluído ou superior. É assim que, por
exemplo, na sociologia encontramos teorias etnocêntricas do desenvolvimento das
sociedades que considerava certos povos inferiores a outros. E que o modelo
linear levaria a civilização inferior a evoluir e chegar ao mesmo ponto da
superior. Desta forma, uma tribo do amazonas evoluiria até o dia que estaria
consumindo brioches e tomando chá como franceses e britânicos.
A
prática do contraste aplicado no estudo da história faz com que o renascimento
seja apresentado em contraposição à idade média. Um é o período das luzes
enquanto o outro, das trevas.
Outra
prática didática inconsistente é a da generalização, quando se toma uma parte
do tema pelo todo. Em termos de idade média é comum, nos livros escolares, que
todo o período seja apresentado sob a égide do modelo feudal e suas
especificidades, não apresentando o longo processo desde a fragmentação do
modelo escravista romano, passando pelo colonato, até o estabelecimento do
paradigma feudal.
Contudo,
constata-se que a partir da década de 80 do século passado há um crescente
interesse pelos estudos medievais que trará consequências benéficas no campo
dos livros escolares, que passarão a mostrar uma abordagem mais de acordo com a
moderna pesquisa histórica, sem estar eivada pelos preconceitos iluministas.
ANÁLISE
DE OBRA DIDÁTICA A RESPEITO DA RELAÇÃO ENTRE SENHOR E SERVO NO SISTEMA FEUDAL.
Marques,
Adhemar. Pelos caminhos da história: ensino médio. 1ª edição. Curitiba. Editora
Positivo. 2006.
De
início, pela direta leitura do cabeçalho que intitula o capítulo referente à
idade média, nos deparamos com a chamada prática da generalização:
“Feudalismo:
da formação à crise do século XIV”
A
prática da generalização é caracterizada por se tomar uma parte do contexto
pelo todo.
No
estudo de caso em tela, há o risco do aluno, desavisado, realizar a ilação de
que o paradigma feudal se implementou, de pronto, por todo o interregno
temporal que compreende esta fase cronológica.
Não obstante o texto traga uma nota de alerta:
“Essa
transição se iniciou com a instituição do colonato à época do escravismo
romano”.
Porém,
não consideramos o bastante para elucidar a possível confusão gerada pelo
título do capítulo e por outros trechos, tais como:
“Esse
processo de formação do feudalismo foi constituído pela transição de uma
sociedade baseada na mão-de-obra escrava – o Império Romano – para uma baseada
nas relações servis de produção.”
Em
nosso entendimento, será necessária a intervenção do professor que ministra a
aula para esclarecer a ocorrência da generalização na apresentação da narrativa
textual.
Uma
outra questão que, em regra, fica confusa na maioria dos textos escolares é a
diferenciação das relação que ocorrem entre senhor e servo daquelas ocorridas
entre suserano e vassalo. A priori, dá-se a entender que a relação entre suserano
e vassalo também está no plano das relações entre senhor e servo. O estudante
imagina que todo camponês passou pela cerimônia que homologa a relação pessoal
e de fidelidade. Embora o servo também esteja ligado pessoalmente ao senhor do
feudo, esta adesão ocorre de forma vertical, diferente da relação entre
suserano e vassalo que se dá entre iguais, ou horizontal.
Porém,
a obra ora em análise traz esta ressalva de forma eficaz para elidir qualquer
dúvida:
“É
importante considerar que, embora as relações sociais estivessem alicerçadas
num forte esquema de dependência pessoal, existia uma grande diferença entre os
vínculos estabelecidos entre um suserano e um vassalo – livremente aceitos
entre as partes e firmados entre pessoas do mesmo nível social – e aquele
estabelecido entre os senhores e os servos – uma dependência imposta e entre
pessoas de níveis sociais diferentes”.
Mister
se faz ressaltar a inclusão, no texto, da nominada teoria das 3 ordens, onde
permaneciam inclusos senhores e servos além do clero, conforme destacamos
abaixo:
“É
importante ressaltar que a sociedade das 3 ordens era expressão de uma
estrutura social que se pretendia sagrada, imutável e eterna, uma vez que
correspondia à vontade de Deus, pelo menos na óptica dos clérigos, para os quais
qualquer transformação social deveria ser evitada. Tratava-se, portanto, de um
esquema clerical que, no fundo, pretendia sujeitar todos – inclusive a nobreza
guerreira – à instituição mais bem organizada da época feudal: a Igreja.
No
entanto, a partir da baixa idade média esse esquema baseado numa tripartição
funcional tendeu a alterar-se e caminhou para seu esgotamento”.
O
trecho assinalado acima também parece sugerir a teoria ou modelo de Spengler,
no sentido de apontar para os fatos não como uma transformação, mas como um
organismo que nasce, amadurece e morre num determinado ciclo de tempo.
Devemos
salientar, ainda que, o texto não faz menção às especificidades que o regime
feudal apresentava em diversos espaços
da Europa, como as diferenças que haviam nos modelos francês, inglês e ibérico.
Parece que o texto trata genericamente do modelo francês.
Por
outro lado, o autor traz menção e trechos de autores medievalistas consagrados
pela moderna historiografia, tais como: hilário Franco Jr, Régine Pernoud,
Jacques Le Goff, entre outros.
Concluindo,
apesar de algumas críticas acima efetuadas, a obra parece satisfatória, dando
uma extensa abordagem a este período que
cada vez vem recebendo menos espaço de estudo no ambiente escolar.
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