Tenho percebido, nesses dias, uma grande movimentação de postagens criticando uma suposta reforma do código penal pretendida pelo governo boliviano. Todas essas críticas voltadas contra o presidente daquele país andino por conta de, ainda supostamente, pretender criminalizar o ato de evangelização por parte dos pregadores religiosos. Não ficou claro se tal tentativa seria por meio da criação de um novo tipo penal específico ou pela supressão de alguma garantia à liberdade religiosa. Todas as postagens que recebi são de fontes religiosas, sejam igrejas evangélicas, pastores, obreiros ou fiéis ativistas. Não consegui localizar nenhuma fonte isenta para melhor entender a polêmica.
Os religiosos estão tachando o presidente-índio de antidemocrático pelo fato de criar algum obstáculo à evangelização. Pelo que pude perceber nesses textos, não haverá fechamento de igrejas e nem proibição à qualquer culto. O que o governo pretende é regulamentar o proselitismo religioso feito nos espaços públicos e, não sei se também, pelas concessões públicas de canais de rádio e televisão. Diga-se de passagem que este proselitismo, fazendo analogia com outras praças onde ocorre, nem sempre é realizado de forma ética e, ainda, utilizam estratégias agressivas e que incitam à intolerância.
Sem o conhecimento do texto da reforma é complicado tomar uma posição. Contudo, é interessante entender as três fases do sistema penal boliviano, país que viveu muitos anos sob o regime colonial. O direito penal boliviano se divide em três fases distintas: a pré-colonial, a colonial e a republicana. Na fase pré-colonial é interessante observar que o delito mais grave da sociedade pré colombiana consistia em se tentar qualquer ato subversivo contrário ao poder real do Inca ( seria algo parecido aos nossos crimes contra o Estado). Na fase colonial, o sistema penal variava a força da pena segundo a etnia do réu; sendo draconiano contra os índios e suave contra os espanhóis ou seus descendentes (chapetones e criollos). Finalmente, com a república, o decreto de 21 de dezembro de 1825 determinou que os tribunais deveriam observar as leis espanholas de 1802. A partir de então, surge o primeiro Código Penal boliviano em 18 de julho de 1831. De lá para cá, o código sofreu três reformas: a primeira no governo de Andrés de Santa Cruz (1834), a segunda no governo de Hugo Banzer (1973) a a última no governo de Gonzáles Sanches de Lozada (1997). Se o atual presidente - Evo Morales - conseguir aprovar seu texto, será a quarta reforma do sistema penal boliviano.
Ainda que não tenhamos dados suficientes para formar opinião sobre a questão boliviana, podemos aproveitar o fato para discutir nossas impressões sobre o impacto do proselitismo religioso em nosso próprio país.
Atualmente, em solo pátrio, as lideranças religiosas gozam de uma total e irrestrita liberdade de expressão. Ouvimos todos os tipos de discursos, desde os sensatos aos mais desarrazoados. É comum, nos programas televisivos de diversas igrejas, ocorrer toda sorte de abusos. Verificamos desde o uso da religião para enganar os incautos com falsos milagres e retirar dízimos e ofertas até o uso de discursos agressivos e intolerantes contra outras denominações e religiões.
O avanço destas práticas já estão gerando um visível impacto econômico, político e social em nosso meio.
Economicamente podemos citar que dentre as maiores fortunas do país, há vários religiosos elencados. Suas igrejas se transformaram em um grande negócio. Primeiro, houve a expansão em filiais por todo canto das cidades. Depois, essas igrejas passaram a criar verdadeiros conglomerados econômicos com a função de formar um mercado de consumo fechado. Desta forma, o fiel vai à igreja, consome os livros das editoras religiosas, escuta as músicas dos selos gospel, e acompanha a vasta programação religiosa na televisão e nas rádios. Boa parte das concessões de rádios estão nas mãos desses grupos.
O aumento do poder econômico levou ao paralelo aumento do poder político. Atualmente há uma numerosa e crescente bancada de políticos intimamente ligados a essas igrejas. São eleitos pela malha de igrejas, pastores, obreiros e fiéis que funcionam como cabos eleitorais. Certamente, parte substancial da verba de campanha vêm da arrecadação das igrejas. Uma vez eleitos, trabalham por projetos que ampliam a margem de enriquecimento das igrejas. Ao passo que estamos, em alguns anos qualquer candidatura somente será viável com o apoio de uma dessas igrejas. Por isso, já podemos observar nas eleições passadas um grande número de candidatos que se deixam filmar sendo batizados ou recebendo a oração dos pastores.
O impacto social tem sido cada vez mais alarmante. Além de boa parte dessa população ser condicionada a não desenvolver um pensamento crítico próprio, a agressividade dos discursos nos púlpitos têm gerado um nível de intolerância perigoso. Multiplicam-se as notícias de famílias que precisam abandonar suas casos e os locais onde criaram raízes, em comunidades pobres, por causa de traficantes "cristãos" que os obrigam a abandonar suas moradas. O mesmo tem sido notado com o aumento do número de ataques a locais de culto, notadamente os de matriz africana.
Ainda nesse sentido, temos presenciado a convergência da intolerância religiosa e a radicalização dos púlpitos com o discurso de políticos que adotam postura contrária aos direitos humanos, aos direitos dos trabalhadores e que enaltecem o regime militar.
Tudo que cresce de forma desmedida e desregulamentada acaba por virar uma bola de neve que começa a cooptar e fagocitar tudo que está a sua volta. Desta forma, temos visto a interferência que essas vozes pretendem manifestar na educação. Tentam abolir o ensino de educação sexual, patrulhar os conteúdos de história e sociologia e, ainda, censurar as mostras de artes em museus.
Neste passo, corre-se o risco de no futuro deixarmos de viver em um país laico. O discurso religioso extremista subverte os princípios democráticos. Usam o preceito da liberdade de expressão para blindar suas práticas. Por outro lado, asseveram gritando a plenos pulmões que a democracia é o governo da maioria e que a minoria se adeque ou se mude. Quando a verdade democrática é justamente ao contrário. Qualquer governo autoritário constitui o governo absoluto da maioria, mas somente na democracia os direitos das minorias são respeitados.
Pelos fatos expostos, concluímos que no Brasil também seria muito bem vinda uma regulamentação mais atenta sobre as práticas religiosas. Porém, é evidente que esses grupos irão tachar um governo que tome tais medidas de antidemocrático.
Participe do grupo "prophisto" de História Geral & Brasil no facebook:
https://www.facebook.com/groups/prophisto/
Os religiosos estão tachando o presidente-índio de antidemocrático pelo fato de criar algum obstáculo à evangelização. Pelo que pude perceber nesses textos, não haverá fechamento de igrejas e nem proibição à qualquer culto. O que o governo pretende é regulamentar o proselitismo religioso feito nos espaços públicos e, não sei se também, pelas concessões públicas de canais de rádio e televisão. Diga-se de passagem que este proselitismo, fazendo analogia com outras praças onde ocorre, nem sempre é realizado de forma ética e, ainda, utilizam estratégias agressivas e que incitam à intolerância.
Sem o conhecimento do texto da reforma é complicado tomar uma posição. Contudo, é interessante entender as três fases do sistema penal boliviano, país que viveu muitos anos sob o regime colonial. O direito penal boliviano se divide em três fases distintas: a pré-colonial, a colonial e a republicana. Na fase pré-colonial é interessante observar que o delito mais grave da sociedade pré colombiana consistia em se tentar qualquer ato subversivo contrário ao poder real do Inca ( seria algo parecido aos nossos crimes contra o Estado). Na fase colonial, o sistema penal variava a força da pena segundo a etnia do réu; sendo draconiano contra os índios e suave contra os espanhóis ou seus descendentes (chapetones e criollos). Finalmente, com a república, o decreto de 21 de dezembro de 1825 determinou que os tribunais deveriam observar as leis espanholas de 1802. A partir de então, surge o primeiro Código Penal boliviano em 18 de julho de 1831. De lá para cá, o código sofreu três reformas: a primeira no governo de Andrés de Santa Cruz (1834), a segunda no governo de Hugo Banzer (1973) a a última no governo de Gonzáles Sanches de Lozada (1997). Se o atual presidente - Evo Morales - conseguir aprovar seu texto, será a quarta reforma do sistema penal boliviano.
Ainda que não tenhamos dados suficientes para formar opinião sobre a questão boliviana, podemos aproveitar o fato para discutir nossas impressões sobre o impacto do proselitismo religioso em nosso próprio país.
Atualmente, em solo pátrio, as lideranças religiosas gozam de uma total e irrestrita liberdade de expressão. Ouvimos todos os tipos de discursos, desde os sensatos aos mais desarrazoados. É comum, nos programas televisivos de diversas igrejas, ocorrer toda sorte de abusos. Verificamos desde o uso da religião para enganar os incautos com falsos milagres e retirar dízimos e ofertas até o uso de discursos agressivos e intolerantes contra outras denominações e religiões.
O avanço destas práticas já estão gerando um visível impacto econômico, político e social em nosso meio.
Economicamente podemos citar que dentre as maiores fortunas do país, há vários religiosos elencados. Suas igrejas se transformaram em um grande negócio. Primeiro, houve a expansão em filiais por todo canto das cidades. Depois, essas igrejas passaram a criar verdadeiros conglomerados econômicos com a função de formar um mercado de consumo fechado. Desta forma, o fiel vai à igreja, consome os livros das editoras religiosas, escuta as músicas dos selos gospel, e acompanha a vasta programação religiosa na televisão e nas rádios. Boa parte das concessões de rádios estão nas mãos desses grupos.
O aumento do poder econômico levou ao paralelo aumento do poder político. Atualmente há uma numerosa e crescente bancada de políticos intimamente ligados a essas igrejas. São eleitos pela malha de igrejas, pastores, obreiros e fiéis que funcionam como cabos eleitorais. Certamente, parte substancial da verba de campanha vêm da arrecadação das igrejas. Uma vez eleitos, trabalham por projetos que ampliam a margem de enriquecimento das igrejas. Ao passo que estamos, em alguns anos qualquer candidatura somente será viável com o apoio de uma dessas igrejas. Por isso, já podemos observar nas eleições passadas um grande número de candidatos que se deixam filmar sendo batizados ou recebendo a oração dos pastores.
O impacto social tem sido cada vez mais alarmante. Além de boa parte dessa população ser condicionada a não desenvolver um pensamento crítico próprio, a agressividade dos discursos nos púlpitos têm gerado um nível de intolerância perigoso. Multiplicam-se as notícias de famílias que precisam abandonar suas casos e os locais onde criaram raízes, em comunidades pobres, por causa de traficantes "cristãos" que os obrigam a abandonar suas moradas. O mesmo tem sido notado com o aumento do número de ataques a locais de culto, notadamente os de matriz africana.
Ainda nesse sentido, temos presenciado a convergência da intolerância religiosa e a radicalização dos púlpitos com o discurso de políticos que adotam postura contrária aos direitos humanos, aos direitos dos trabalhadores e que enaltecem o regime militar.
Tudo que cresce de forma desmedida e desregulamentada acaba por virar uma bola de neve que começa a cooptar e fagocitar tudo que está a sua volta. Desta forma, temos visto a interferência que essas vozes pretendem manifestar na educação. Tentam abolir o ensino de educação sexual, patrulhar os conteúdos de história e sociologia e, ainda, censurar as mostras de artes em museus.
Neste passo, corre-se o risco de no futuro deixarmos de viver em um país laico. O discurso religioso extremista subverte os princípios democráticos. Usam o preceito da liberdade de expressão para blindar suas práticas. Por outro lado, asseveram gritando a plenos pulmões que a democracia é o governo da maioria e que a minoria se adeque ou se mude. Quando a verdade democrática é justamente ao contrário. Qualquer governo autoritário constitui o governo absoluto da maioria, mas somente na democracia os direitos das minorias são respeitados.
Pelos fatos expostos, concluímos que no Brasil também seria muito bem vinda uma regulamentação mais atenta sobre as práticas religiosas. Porém, é evidente que esses grupos irão tachar um governo que tome tais medidas de antidemocrático.
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O problema do Evo Morales é seu totalitarismo. Os neopentecostais não tem credibilidade nem junto aos protestantes, o máximo que se pode conseguir com eles é a maioria dos votos em algum curral eleitoral. E só. Veja mais sobre a revolução e a espiritualidade aqui: http://carlosliliane64.wixsite.com/magiaeseriados
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