O aclamado cineasta russo Andrei Arsenyevich Tarkóvski, que se destacou no período soviético, dirigiu o filme de ficção científica "Solaris", em 1972, com inspiração no romance homônimo do escritor polonês Stanislaw Lem. Solaris foi considerado uma resposta dos soviéticos ao filme anglo-americano "2001 uma odisseia no espaço", de 1968, produzido pelo não menos renomado Stanley Kubrick e que foi baseado no livro de Arthur C. Clarke.
Naquele período, o mundo vivia em plena "guerra fria" entre as duas maiores potências militares, os EUA e a URSS. A expressão "guerra fria" sintetizava a tensão mundial vivida por conta das disputas estratégicas e conflitos indiretos entre os dois governos. A corrida espacial foi um dos aspectos da "guerra fria".
Essas disputas passaram da realidade para o campo da ficção cinematográfica, com a suposta disputa de narrativas entre "2001: uma odisseia no espaço" e "Solaris". Porém, a plateia brasileira consumidora de cinema não acompanhou esta disputa. O alinhamento total e irrestrito do governo brasileiro aos EUA e a "política da boa vizinhança", que visava uma estratégica aproximação cultural dos EUA com a América Latina, praticamente blindava o país em relação a outras produções culturais que não fossem as americanas; notadamente aquelas oriundas do outro lado da cortina de ferro. Ainda hoje é muito difícil termos acesso, no Brasil, a filmes ou outros produtos culturais fora do eixo americano e britânico. Os filmes europeus, por exemplo, ficam circunspectos a salas de centros culturais e não chegam à grande rede de cinemas.
(Dr. Kris Kelvin na estação orbital)
Ambos os filmes discutem questões existenciais humanas, sendo que em Solaris com maior intensidade narrativa. Por isso, Tarkóvski se refere ao filme de Kubrick como estéril e frio. Enquanto que na película "2001" os diálogos são reduzidos, em "Solaris" toda a narrativa se desenrola através do diálogo entre os personagens. Outra diferença reside no fato de que na obra de Kubrick a ambientação tecnológica está em primeiro plano, o computador da nave é personagem principal do enredo; enquanto que no filme soviético a estrutura tecnológica consiste em mero pano de fundo para as relações humanas que se desenvolvem dentro da estação espacial.
O filme de Tarkóvski se passa, predominantemente, no interior de uma estação espacial que gravita na órbita do planeta Solaris, que é formado por um imenso oceano em sua superfície. Por haver alguma suspeita que o planeta possa basear vida extraterrestre, a academia de ciências russa funda a "solarística" como disciplina específica para estudar os fenômenos relacionados ao planeta. Vários astronautas especialistas em "solarística" são enviados à estação espacial para estudo de campo. Todavia, algo interfere com o comportamento destes cientistas. A maioria passa a apresentar perturbações de ordem psíquica. Alguns cometem o suicídio. Outros, que voltaram à Terra, narravam que enquanto estiveram na estação tiveram visões e encontros com pessoas importantes na história de suas vidas. O alto comando do programa espacial soviético interpretou essas informações como alucinações provocadas por algum elemento magnético do planeta atuando sobre o córtex cerebral dos embarcados. Para avaliar tais ocorrências, o programa espacial decide enviar o psiquiatra Dr. Kris Kelvin ( Donatas Banionis ) para estudar e fazer um detalhado relatório sobre a situação da estação.
Quando Kris chega à estação percebe um comportamento atípico nos outros dois cientistas, que lá se encontravam, e fica sabendo que um terceiro havia cometido o suicídio recentemente. Porém, o psiquiatra logo percebe que há mais pessoas transitando pela estação e que, logicamente, não deveriam estar lá. São os "visitantes" que aparecem para os outros dois cientistas e que o comando espacial registrou como alucinações. Pouco tempo depois, o próprio Dr. Kris Kelvin recebe uma inesperada "visitante". Tratava-se de Hari, sua ex-mulher, que havia falecido tinha uma década. Kris era psiquiatra, mas também um homem melancólico desde a perda de sua companheira.
( Kris Kelvin reencontra Hari na estação orbital )
Ocorre que o planeta Solaris era como um grande organismo vivo com capacidade telepática de sondar a mente dos astronautas e materializar respostas aos seus desencantos e ao vazio existencial que ora somos expostos quando da perda ou ausência de alguém que, de tão importante, define o nosso próprio lugar no mundo. E nada melhor que a imensidão do espaço para explorar o tema do vazio em nossas almas.
O diretor Andrei Tarkóvski considerou a própria obsessão dos homens com os temas espaciais uma forma de escapismo da realidade. Ao identificarmos que falhamos em tentar viver de forma harmônica e sustentável em nosso planeta, começamos a olhar para o céu em busca de um mundo melhor e perfeito.
Hoje, já rompemos a barreira dos anos 2000 que, para Kubrick, significaria o marco da exploração e colonização de novos mundos pelo homem. Não conseguimos chegar em nenhum planeta próximo, exceto através de sondas. O sonho de colonizar o espaço ainda é algo distante, mais afeto ao mundo da ficção. Sequer retornamos à lua, o que dá combustível às teorias conspiratórias que tudo não foi uma grande farsa com fim de propaganda. Na falta dos novos mundos galáxia à fora, criamos uma nova modalidade para escaparmos da realidade: o universo virtual.
Filme Solaris completo e legendado no youtube:
https://www.youtube.com/watch?v=gVpJTLpPLD0
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(Kris Kelvin e sua visitante)
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