Duas
amigas, na madrugada de São Paulo, entram em uma padaria da Rua Augusta
para comer pizza. Durante a refeição, um grupo de homens entra no
estabelecimento e se dirige a elas com interpelações sobre as eleições
de 2018. Eles querem saber em qual candidato elas votariam num possível
segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Embora se sintam incomodadas com a
interrupção do lanche, uma delas reponde para se livrar logo dos
sujeitos incômodos. Afirma que, no caso apresentado, votaria em Lula.
Nesse instante, um dos idiotas disfere um soco contra o rosto da menina
que sofre um corte e fica sangrando. O soco foi simplesmente pelo fato
dela dar uma resposta diferente da intenção de voto do agressor.
Casos
semelhantes vêm se multiplicando pelo país a fora. Pelo andar dos
acontecimentos, a eleição de 2018 poderá ser a mais violenta da história
do país. Verdadeiras "seitas" políticas virtuais, principalmente no
youtube, que também misturam discurso fundamentalista religioso, são um
dos principais combustíveis dessa explosão de violência gratuita contra
quem pensa de forma diferente. Estamos muito perto de viver um
"brazilian horror story".
Nunca acompanhei o seriado "American Horror Story", que já está em sua sétima temporada. Porém, neste feriadão o canal da tv à cabo, onde passa este programa, fez uma espécie de maratona com os capítulos da última temporada. Passou toda a sequência, de uma só vez, no sábado. Apesar de não curtir e jamais ter acompanhado a série, como não tinha mesmo nada para fazer, resolvi ver os primeiros capítulos. Quando notei que a construção do personagem principal era muito semelhante com o modus operandi de alguns ativistas virtuais de extrema direita que andam pelas redes sociais, acabei assistindo quase todos os capítulos.
Nesta sétima temporada, o seriado trouxe uma história contextualizada pelo período eleitoral americano entre Donald Trump e Hillary Clinton, dialogando com a mobilização de movimentos feministas que se alavancaram durante este embate político. Os dois protagonistas são Ally (Sara Paulson) e Kai (Evan Peters). Ally é uma mulher lésbica que se esforça na construção da uma família junto à sua companheira e seu filho. Kai é um psicopata que consegue amealhar seguidores e projeção política com um raivoso discurso político conservador misturado com religião; além de praticar violência física e assassinatos cruéis contra seus opositores.
Logo de início, assistindo os primeiros capítulos, me espantou a identificação que senti entre a construção do personagem Kai e alguns ativistas políticos de extrema direita que atuam nas redes sociais, notadamente no youtube. A mesma fala raivosa e ódio no olhar quando se referem aos que pensam o mundo de forma diferente da deles. Alguns desses "youtubers" chegam a promover perseguições, no ambiente virtual, orientando seus "seguidores" a atacarem de forma vil as páginas e a honra dos seus desafetos ideológicos. O Deputado Federal Jean Willys, por exemplo, é uma vítima rotineira deste tipo de ação. Para que esta violência ultrapasse da linha do virtual para as ruas basta um passo muito pequeno. E deixo logo claro que não sou eleitor do citado deputado, mas não posso concordar com a forma antidemocrática, antiética e violenta com que é combatido.
Há um desses "youtubers", então, que me lembra demais o personagem Kai. O camarada tem momentos que transmite a mesma raiva nas palavras e ódio no olhar que o protagonista do seriado. Da mesma forma, se apresenta como ativista ultraconservador e faz esta mistura explosiva entre o político e o religioso. Em seus vídeos, apresenta um emocional do tipo montanha russa, entremeando uma fala ora tranquila e ora raivosa ao extremo.Um profissional de psicologia facilmente poderia determinar um padrão de psicopatia. Porém, muito provavelmente o sujeito não seja tão doente. A maioria usa essa técnica de chocar e levar o ouvinte ao êxtase emocional para chamar atenção e somar inscritos para ganhar dinheiro com os vídeos. O falecido apresentador Alborguetti foi um dos precursores dessa técnica na nossa grande mídia. O problema é que este tipo de abordagem acaba agregando em torno de si todo tipo de perturbado mental, desde o cara violento e com problemas de controle de raiva até o psicopata mais perigoso.
É claro que este tipo de ativista irá dizer que nunca mandou os seguidores agredir ninguém fisicamente, Chegarão mesmo a dizer que são contra a violência. Contudo, a análise do discurso dessa gene mostra algo bem diverso. Eles costumam colocar que estão travando uma "guerra" contra os oponentes ideológicos. Habitualmente desconstroem e tentam desumanizar os contrários utilizando palavras como canalhas, lixo, nojentos, esquerdopatas, etc. A exposição continuada de pessoas mentalmente perturbadas ou com padrões morais e éticos deformados a este discurso, acaba os transformando em verdadeiras bombas-relógio na sociedade.
Agora, estes ativistas digitais da raiva e da intolerância estão montando "cursos" online. Não sei bem que cursos são estes. De história, filosofia ou sociologia que não é. Ademais, note-se que muito provavelmente a maioria deles sequer possuem um diploma de licenciatura para poder lecionar alguma dessas matérias. Desta forma, esses cursos mais parecem a formação de seitas. Pois o internauta que vê os vídeos no youtube e se diverte com as intempéries do orador é um coisa, mas o cara que decide gastar dinheiro do seu bolso para ter essas sessões exclusivas provavelmente é o sujeito fanatizado.
Muitos desses ativistas violentos também surgiram de um "curso" desses. A mãe desses cursos parece ter iniciado com um astrólogo brasileiro residente nos EUA. Esse curso formou a maioria desses ativistas doidos que andam pelas redes. Agora, estes também formarão seus cursos e seguidores, formando um esquema de pirâmide. O problema é que a criatura sempre acaba pior que o criador. Esses youtubers raivosos são piores que o astrólogo que foi, assim digamos, o "paciente zero". Imagino como serão os novos líderes formados nesses novos "cursos". Vejo um horizonte muito sombrio à frente.
A formação de lideranças dessas seitas políticas conservadoras me lembra muito o modelo de messianismo que existiu no período da primeira república. Havia o beato (como conselheiro ou padre cícero) que agregava o povo ao seu redor. Desse grupo surgiam novas lideranças que saíam pregando pelos sertões, novos beatos, que juntavam mais gente e fundavam novas comunidades. Por exemplo, a formação da comunidade do caldeirão dos jesuítas se deu através de um beato que havia sido membro de uma ordem religiosa leiga ligada a Padre Cícero. Depois, da comunidade do caldeirão novos beatos se formaram e atravessaram do Ceará para a Bahia onde fundaram a comunidade de Pau-de-Colher.
No entanto, há uma enorme diferença entre aquelas comunidades da primeira república e as atuais seitas virtuais conservadoras. Enquanto a primeira reunia camponeses pobres em torno de uma liderança espiritual e num modelo de vida comunal para resistir à opressão no campo, a segunda reúne jovens de classe média, com pouquíssima capacidade crítica, com o objetivo de atacar as conquistas das minorias.
Artigo sobre a mulher que levou soco por declarar seu voto:
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/discussao-sobre-politica-acaba-em-agressao-na-rua-augusta.ghtml
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