Esta semana, uma das filhas do ideólogo de direita Olavo de Carvalho publicou uma carta aberta ao pai em que cita diversos problemas de convívio familiar entre pai e filhos. Até aí não há nada demais, pois somente prova que o sujeito é humano, com suas muitas falhas, erros e contradições. A única questão que se levanta, neste caso, é o fato do senhor Olavo ser um julgador draconiano da vida alheia, quando se arroga em detentor da verdade, da moral e dos bons costumes. Porém, o que mais parece interessante na carta, não são as questões familiares, mas a revelação de que o conhecido pensador e escritor conservador já tentou liderar grupos ideologicamente muito díspares entre si.
O próprio personagem já declarou que foi um militante comunista quando jovem, sendo membro do Partido Comunista Brasileiro entre 1966 e 1968. Hoje se coloca como anticomunista e assume um discurso conservador radical. No que tange à atividade intelectual e laboral, por muitos anos se dedicou aos mistérios da astrologia. Inclusive, colaborou em um curso de astrologia oferecido aos graduandos de psicologia na PUC-SP. Posteriormente, passou a se dedicar à filosofia. Da mesma forma, no plano religioso fez uma migração do esoterismo para o catolicismo conservador. Contudo, a carta de sua filha nos surpreende com a revelação que o citado cidadão já empreendeu a fundação de um núcleo islâmico em sua casa, quando teria convertido, segundo a carta, pessoas àquela matriz religiosa
Mudar é bom! Já dizia o cantor e poeta Raul Seixas que é preferível ser uma metamorfose ambulante. Porém, quando a mesma pessoa muda tantas vezes, em tantos assuntos, para posições tão distantes umas das outras, começamos a desconfiar que há algo de atípico neste padrão. Primeiro, que denota uma grande instabilidade emocional e intelectual quando a mesma pessoa varia tanto as suas convicções. Segundo, que passa a impressão que o indivíduo que assim se comporta nunca se comprometeu verdadeiramente, em seu íntimo, com aqueles sistemas de crenças dos quais afirmava estar convicto. Corrobora o fato de que o escritor, em todas estas diferentes experiências que vivenciou, sempre buscou uma posição de destaque e liderança. Desta forma, parece-nos que tantas mudanças possam apontar para o uso do método de tentativa e erro. O que algumas pessoas sempre perseguem é a posição de liderar alguma coisa, sendo que as "convicções" são apenas instrumentos para se alcançar esta posição. Assim, a astrologia, a filosofia, o islã, o comunismo, o neoliberalismo, o esoterismo e o catolicismo conservador poderiam ser meramente os instrumentos para alcançar aquele objetivo. Finalmente, teria logrado êxito quando se investiu no personagem do religioso católico carola e ultraconservador, com um verniz filosófico e discurso inflamado contra os 'inimigos" da fé, da família e da propriedade.
Aliás, o discurso inflamado ou radical é característico de toda liderança do tipo messiânica. Seja radical na doçura ou na implacabilidade contra os inimigos que elege. Uma pessoa que apresenta um discurso temperado dificilmente consegue esta forma de protagonismo. Este padrão é reproduzido por boa parte dos seguidores. Alguns deles reproduzem automaticamente o padrão sem fazer um exame crítico, enquanto outros repetem a fórmula de forma calculada para tentar amealhar para si um pouco dos holofotes.
Pero Vaz de Caminha, em sua famosa carta, salientou a fertilidade do solo destas terras descobertas e apropriadas pelos lusitanos. Outra coisa que encontra terreno fértil, por aqui, são os discursos messiânicos. Um dos primeiros messianismos que ganhou vulto em nossas terras veio emprestado com os colonos portugueses, que foi o sebastianismo. Em Portugal havia a crença no retorno do Rei que morreu, sem deixar herdeiros, na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. No início do Brasil republicano, principalmente nas regiões interioranas e no agreste nordestino, acreditava-se na volta de Dom Sebastião, que iria restaurar a monarquia. O historiador Ronaldo Vainfas, na obra "A Heresia dos Índios", narra a existência de movimentos messiânicos entre os índios durante o período colonial. Destaca que alguns desses movimentos surgiram como forma de resistência contra a desconstrução cultural que sofriam por meio da catequese jesuíta.
No reinado de Dom Pedro II, um grupo de colonos alemães, sediados em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, iniciaram um movimento messiânico chamado pelos opositores de muckers, que no idioma alemão significa "falsos santos". Vários colonos iniciaram uma comunidade de viés messiânico em torno da liderança de uma vidente chamada Jacobina Maurer. A "revolta dos muckers" é pouco estudada por nossa historiografia, porém foi o primeiro fenômeno deste tipo de relevância no cenário nacional. O governo enviou o exército para combatê-los e desmobilizar a comunidade. Como haviam combatentes experientes entre os muckers, que inclusive lutaram pelo exército na guerra do Paraguai, as forças imperiais encontraram feroz resistência e sofreram algumas derrotas antes de alcançar o objetivo com a morte de Jacobina.
Posteriormente, durante a república velha, temos a ocorrência dos três movimentos messiânicos mais conhecidos de nossa história, que são a guerra de Canudos, a guerra do contestado e a sedição de Juazeiro.
A "guerra do contestado" ocorreu nas terras fronteiriças entre os estados do Paraná e de Santa Catarina. Teve como combustível o desalojamento de inúmeras famílias de camponesas por conta da construção da ferrovia pela empresa Brazil Railway Company, do investidor americano Percival Farquhar. As famílias que perderam suas terras se organizaram em torno das figuras de monges que pregavam na região e passaram enfrentar as tropas do governo acreditando que se tratava de uma guerra santa. Em outra região, no sertão baiano, ocorreu a "guerra de canudos", empreendida por camponeses sem terra e miseráveis que se organizaram na cidadela de Canudos em torno da liderança do pregador e opositor da república Antônio Conselheiro. A sedição de Juazeiro (Ceará) se dá pelo embate de tropas do governo federal contra as forças sob a liderança messiânica do Padre Cícero Romão Batista.
Os governos da velha república combatiam estes movimentos sob a alegação de que se tratavam de núcleos monarquistas sediados no interior do território nacional. O único destes movimentos que conseguiu êxito em resistir aos ataques das tropas federais foi aquele de Juazeiro. A figura de Padre Cícero conseguiu amalgamar vários atores a seu favor, desde os fiéis e grande número de romeiros até os cangaceiros e boa parte da elite local composta pelos coronéis (donos de terras). A Igreja destituiu o padre de seus afazeres eclesiásticos, porém Cícero continuou figura importante na fé e nos arranjos políticos da região até a sua morte.
Padre Cícero teve tanta penetração no imaginário popular do nordeste, que influenciou a criação de outros movimentos messiânicos pela região. Alguns beatos de Juazeiro saíram pregando pelos sertões e fundaram novas comunidades messiânicas. Assim foi o nascimento das comunidades do Caldeirão dos Jesuítas e de Pau-de-colher. Ambas foram atacadas e destruídas por tropas federais já no período do governo Vargas. Nesta época, o discurso legitimador para o ataque contra as comunidades não foi mais aquele que as qualificavam como núcleos monarquistas contrários à República. Agora, o inimigo da vez era outro. A justificativa foi de que se tratavam de enclaves comunistas nos sertões nordestinos.
Até os dias atuais o brasileiro possui uma forte tendência a buscar soluções messiânicas para suas questões. A política nacional, por exemplo, está cheia de exemplos de vultos e lideranças que surgem por conta destas mistificações em torno de uma pessoa. A forte tendência de voto em Bolsonaro atesta esse padrão. A maioria de seus eleitores não sabem bem quais são suas propostas de governo e o que ele já fez durante tantos anos na vida pública, porém ele merece o voto por conta de supostamente reunir condições morais e ser um "mito", como dizem seus seguidores.
No outro lado do espectro político também ocorre o voto pelo messianismo político. O presidente Lula foi beneficiado por esta tendência. A história do retirante pobre que vira presidente mobilizou milhões de votos. Seria o novo "pai dos pobres", como outrora foi Getúlio Vargas. Esse é o fator que explica o porquê da população brasileira ora votar num projeto como o do Partido dos Trabalhadores ora apoiar projeto totalmente oposto como o de Bolsonaro. Deve-se pelo fato de que não se vota no projeto de país, mas apenas no simbolismo dos homens que se apresentam com aquela aura de salvador da pátria. Assim, quando se desconstrói a imagem de um deles, qualquer outro pode tomar o lugar, ainda que as propostas sejam diametralmente opostas.
Concluindo, pessoas como o escritor Olavo de Carvalho entendem como funciona este imaginário e surfam na onda.
A carta pública escrita pela filha de Olavo de Carvalho:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/em-carta-aberta-devastadora-filha-de-olavo-de-carvalho-acusa-o-pai-de-colocar-arma-na-cabeca-dos-seus-filhos/
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https://www.facebook.com/groups/prophisto/
O próprio personagem já declarou que foi um militante comunista quando jovem, sendo membro do Partido Comunista Brasileiro entre 1966 e 1968. Hoje se coloca como anticomunista e assume um discurso conservador radical. No que tange à atividade intelectual e laboral, por muitos anos se dedicou aos mistérios da astrologia. Inclusive, colaborou em um curso de astrologia oferecido aos graduandos de psicologia na PUC-SP. Posteriormente, passou a se dedicar à filosofia. Da mesma forma, no plano religioso fez uma migração do esoterismo para o catolicismo conservador. Contudo, a carta de sua filha nos surpreende com a revelação que o citado cidadão já empreendeu a fundação de um núcleo islâmico em sua casa, quando teria convertido, segundo a carta, pessoas àquela matriz religiosa
Mudar é bom! Já dizia o cantor e poeta Raul Seixas que é preferível ser uma metamorfose ambulante. Porém, quando a mesma pessoa muda tantas vezes, em tantos assuntos, para posições tão distantes umas das outras, começamos a desconfiar que há algo de atípico neste padrão. Primeiro, que denota uma grande instabilidade emocional e intelectual quando a mesma pessoa varia tanto as suas convicções. Segundo, que passa a impressão que o indivíduo que assim se comporta nunca se comprometeu verdadeiramente, em seu íntimo, com aqueles sistemas de crenças dos quais afirmava estar convicto. Corrobora o fato de que o escritor, em todas estas diferentes experiências que vivenciou, sempre buscou uma posição de destaque e liderança. Desta forma, parece-nos que tantas mudanças possam apontar para o uso do método de tentativa e erro. O que algumas pessoas sempre perseguem é a posição de liderar alguma coisa, sendo que as "convicções" são apenas instrumentos para se alcançar esta posição. Assim, a astrologia, a filosofia, o islã, o comunismo, o neoliberalismo, o esoterismo e o catolicismo conservador poderiam ser meramente os instrumentos para alcançar aquele objetivo. Finalmente, teria logrado êxito quando se investiu no personagem do religioso católico carola e ultraconservador, com um verniz filosófico e discurso inflamado contra os 'inimigos" da fé, da família e da propriedade.
Aliás, o discurso inflamado ou radical é característico de toda liderança do tipo messiânica. Seja radical na doçura ou na implacabilidade contra os inimigos que elege. Uma pessoa que apresenta um discurso temperado dificilmente consegue esta forma de protagonismo. Este padrão é reproduzido por boa parte dos seguidores. Alguns deles reproduzem automaticamente o padrão sem fazer um exame crítico, enquanto outros repetem a fórmula de forma calculada para tentar amealhar para si um pouco dos holofotes.
Pero Vaz de Caminha, em sua famosa carta, salientou a fertilidade do solo destas terras descobertas e apropriadas pelos lusitanos. Outra coisa que encontra terreno fértil, por aqui, são os discursos messiânicos. Um dos primeiros messianismos que ganhou vulto em nossas terras veio emprestado com os colonos portugueses, que foi o sebastianismo. Em Portugal havia a crença no retorno do Rei que morreu, sem deixar herdeiros, na batalha de Alcácer-Quibir, em 1578. No início do Brasil republicano, principalmente nas regiões interioranas e no agreste nordestino, acreditava-se na volta de Dom Sebastião, que iria restaurar a monarquia. O historiador Ronaldo Vainfas, na obra "A Heresia dos Índios", narra a existência de movimentos messiânicos entre os índios durante o período colonial. Destaca que alguns desses movimentos surgiram como forma de resistência contra a desconstrução cultural que sofriam por meio da catequese jesuíta.
No reinado de Dom Pedro II, um grupo de colonos alemães, sediados em São Leopoldo, no Rio Grande do Sul, iniciaram um movimento messiânico chamado pelos opositores de muckers, que no idioma alemão significa "falsos santos". Vários colonos iniciaram uma comunidade de viés messiânico em torno da liderança de uma vidente chamada Jacobina Maurer. A "revolta dos muckers" é pouco estudada por nossa historiografia, porém foi o primeiro fenômeno deste tipo de relevância no cenário nacional. O governo enviou o exército para combatê-los e desmobilizar a comunidade. Como haviam combatentes experientes entre os muckers, que inclusive lutaram pelo exército na guerra do Paraguai, as forças imperiais encontraram feroz resistência e sofreram algumas derrotas antes de alcançar o objetivo com a morte de Jacobina.
Posteriormente, durante a república velha, temos a ocorrência dos três movimentos messiânicos mais conhecidos de nossa história, que são a guerra de Canudos, a guerra do contestado e a sedição de Juazeiro.
A "guerra do contestado" ocorreu nas terras fronteiriças entre os estados do Paraná e de Santa Catarina. Teve como combustível o desalojamento de inúmeras famílias de camponesas por conta da construção da ferrovia pela empresa Brazil Railway Company, do investidor americano Percival Farquhar. As famílias que perderam suas terras se organizaram em torno das figuras de monges que pregavam na região e passaram enfrentar as tropas do governo acreditando que se tratava de uma guerra santa. Em outra região, no sertão baiano, ocorreu a "guerra de canudos", empreendida por camponeses sem terra e miseráveis que se organizaram na cidadela de Canudos em torno da liderança do pregador e opositor da república Antônio Conselheiro. A sedição de Juazeiro (Ceará) se dá pelo embate de tropas do governo federal contra as forças sob a liderança messiânica do Padre Cícero Romão Batista.
Os governos da velha república combatiam estes movimentos sob a alegação de que se tratavam de núcleos monarquistas sediados no interior do território nacional. O único destes movimentos que conseguiu êxito em resistir aos ataques das tropas federais foi aquele de Juazeiro. A figura de Padre Cícero conseguiu amalgamar vários atores a seu favor, desde os fiéis e grande número de romeiros até os cangaceiros e boa parte da elite local composta pelos coronéis (donos de terras). A Igreja destituiu o padre de seus afazeres eclesiásticos, porém Cícero continuou figura importante na fé e nos arranjos políticos da região até a sua morte.
Padre Cícero teve tanta penetração no imaginário popular do nordeste, que influenciou a criação de outros movimentos messiânicos pela região. Alguns beatos de Juazeiro saíram pregando pelos sertões e fundaram novas comunidades messiânicas. Assim foi o nascimento das comunidades do Caldeirão dos Jesuítas e de Pau-de-colher. Ambas foram atacadas e destruídas por tropas federais já no período do governo Vargas. Nesta época, o discurso legitimador para o ataque contra as comunidades não foi mais aquele que as qualificavam como núcleos monarquistas contrários à República. Agora, o inimigo da vez era outro. A justificativa foi de que se tratavam de enclaves comunistas nos sertões nordestinos.
Até os dias atuais o brasileiro possui uma forte tendência a buscar soluções messiânicas para suas questões. A política nacional, por exemplo, está cheia de exemplos de vultos e lideranças que surgem por conta destas mistificações em torno de uma pessoa. A forte tendência de voto em Bolsonaro atesta esse padrão. A maioria de seus eleitores não sabem bem quais são suas propostas de governo e o que ele já fez durante tantos anos na vida pública, porém ele merece o voto por conta de supostamente reunir condições morais e ser um "mito", como dizem seus seguidores.
No outro lado do espectro político também ocorre o voto pelo messianismo político. O presidente Lula foi beneficiado por esta tendência. A história do retirante pobre que vira presidente mobilizou milhões de votos. Seria o novo "pai dos pobres", como outrora foi Getúlio Vargas. Esse é o fator que explica o porquê da população brasileira ora votar num projeto como o do Partido dos Trabalhadores ora apoiar projeto totalmente oposto como o de Bolsonaro. Deve-se pelo fato de que não se vota no projeto de país, mas apenas no simbolismo dos homens que se apresentam com aquela aura de salvador da pátria. Assim, quando se desconstrói a imagem de um deles, qualquer outro pode tomar o lugar, ainda que as propostas sejam diametralmente opostas.
Concluindo, pessoas como o escritor Olavo de Carvalho entendem como funciona este imaginário e surfam na onda.
A carta pública escrita pela filha de Olavo de Carvalho:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/em-carta-aberta-devastadora-filha-de-olavo-de-carvalho-acusa-o-pai-de-colocar-arma-na-cabeca-dos-seus-filhos/
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https://www.facebook.com/groups/prophisto/
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